Após dois anos de preços de energia nas alturas, efeito pós-pandemia e prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia, as maiores empresas de petróleo do mundo acumularam enormes somas de recursos com resultados financeiros impressionantes no ano de 2022. Em fevereiro, a Shell divulgou lucro líquido anual de US$ 42 bilhões, mais que o dobro do valor do ano anterior e o maior em mais de um século como empresa de capital aberto. Seguindo a rodada de anúncios, a norte-americana ExxonMobil anunciou um lucro líquido anual recorde de US$ 56 bilhões. Sua principal concorrente nos EUA, a Chevron, informou que seu lucro líquido anual mais que dobrou, chegando a cerca de US$ 37 bilhões.
Já na Europa, a norueguesa Equinor apresentou lucro
líquido recorde de US$ 28,7 bilhões, acima dos US$ 8,6 bilhões do ano anterior.
Na sequência, a gigante britânica BP anunciou lucro anual recorde de quase US$
28 bilhões, o maior nos 114 anos de história da empresa – e mais que o dobro do
ano anterior. E, finalmente, a petrolífera francesa TotalEnergies, registrou um
lucro líquido recorde de US$ 36,2 bilhões – o dobro do ano anterior,
juntando-se aos lucros abundantes do setor graças aos preços mais altos do
petróleo e gás natural, desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia.
No Brasil, como integrante do grupo de National
Oil Companies (NOCs), a Petrobras também apresentou resultados
expressivos em 2022, com recordes de lucro líquido recorrente e EBITDA,
respectivamente, de US$ 34 bilhões (113% em relação 2021) e US$ 67 bilhões
(47,5% em relação a 2021). Adicionalmente, a empresa recolheu o valor recorde
aproximado de US$ 54 bilhões em tributos e participações governamentais,
superando a marca de R$ 1 trilhão na soma dos últimos cinco anos. E,
finalmente, no ranking mundial de pagamentos de dividendos, a estatal foi a
segunda maior pagadora do mundo em 2022, tendo distribuído US$ 21,7 bilhões em
proventos, mais que o dobro dos depósitos de 2021, que somaram US$ 9,1 bilhões
– perdendo somente para a mineradora australiana BHP, que pagou US$ 23,5
bilhões em dividendos aos seus investidores.
Os excelentes balanços do ano pagam dividendos
excepcionais aos investidores e ajudam a reduzir o endividamento das empresas,
mas o mais importante: motiva um realinhamento na estratégia de alocação de
recursos, dada a atual conjuntura. De fato, após vários anos de investimentos
limitados em petróleo e gás natural – resultado do choque de demanda provocado
pela pandemia, políticas mais abrangentes de transição energética e mudanças
climáticas – as grandes petrolíferas estão, mais uma vez, intensificando
investimentos em exploração de petróleo.
De acordo com a S&P Global, estima-se que, em
2022, os investimentos de capital (capex) no Upstream
(Exploração e Produção de Petróleo), em todo o mundo, foram de cerca de US$ 450
bilhões. Este valor inclui petrolíferas supermajors e nacionais (NOCs), e
configura um bem acima da mínima dos últimos 15 anos, que foi cerca de US$ 350
bilhões. Porém, os investimentos em capex ainda estão muito aquém da
máxima, que foi cerca de US$ 800 bilhões, em 2014.
A novidade, entretanto, é resultado da nova
conjuntura geopolítica. Verifica-se que as empresas estão mais avessas às
regiões com alto risco político e/ou infraestrutura precária para comercializar
a produção. As empresas americanas, por exemplo, estão evitando regiões de
novas fronteiras – especialmente as com alto risco político e que carecem de
infraestrutura.
Já as europeias, talvez um pouco mais arrojadas,
estão reavaliando, e em alguns casos, rejeitando projetos nos EUA em favor de
projetos na África – com maior potencial petrolífero e menos restrições
ambientais. De qualquer ângulo que se examine este movimento, percebe-se que
existe uma grande mudança na estratégia de alocação de recursos pelas
principais companhias de petróleo do mundo.
Em um artigo publicado recentemente na revista The
Economist, são citados alguns exemplos. As supermajors
americanas têm demonstrado maior interesse em investimentos nos EUA e em
algumas regiões da América Latina. A ExxonMobil, assim como a maioria das
empresas ocidentais, deixou a Rússia após a invasão da Ucrânia. Também se
desfez – ou quer se desfazer – de ativos em países do continente africano, como
Camarões, Chade, Guiné Equatorial e Nigéria. A Chevron vendeu projetos na
Grã-Bretanha e na Dinamarca (bem como no Brasil) e não renovou as concessões
vencidas na Indonésia e na Tailândia.
Nos últimos 10 anos, a ExxonMobil tem investido de
forma mais intensa em novos campos na Guiana, onde obteve resultados bastantes
promissores. Já a Chevron, pretende canalizar mais de um terço de seus
investimentos este ano para o shale gas americano e cerca de 20% para
projetos no Golfo do México. E, mais recentemente, com anuência do governo
americano, reiniciou o comércio de petróleo bruto na Venezuela.
Em movimento similar, as supermajors
europeias estão reduzindo sua exposição em áreas de maior risco. Assim como a
ExxonMobil, a BP e a Shell estão deixando a Rússia, o que representa
importantes ajustes contábeis, de cerca de US$ 25 bilhões e US$ 5 bilhões,
respectivamente. A Shell também se desfez de seus ativos de shale gas
no Texas e colocou outros à venda no Golfo do México. A BP está se desfazendo
de seus ativos no México e, existe movimentação para sair de Angola,
Azerbaijão, Iraque, Omã e Emirados Árabes Unidos. E, não menos importante, a
TotalEnergies está saindo das areias betuminosas do Canadá.
As empresas europeias estão com maior interesse em
regiões ao sul do continente europeu – no caso, a África. De fato, a Europa
busca alternativas para substituir a energia proveniente da Rússia.
Recentemente, a Shell e a norueguesa Equinor assinaram um acordo com a
Tanzânia, país do leste africano, para construir um terminal de gás natural
liquefeito (GNL), de US$ 30 bilhões. A francesa TotalEnergies pretende investir
em projetos de gás natural em Moçambique e na África do Sul. Já a italiana Eni,
anunciou um contrato de gás natural de US$ 8 bilhões com a estatal National
Oil Corporation, da Líbia.
Importante destacar as principais motivações para
esse realinhamento. A primeira, e talvez a mais importante, tem a ver com a
relação risco/retorno dos projetos. Em um passado não muito distante, de altos
preços do petróleo, houve muitos investimentos com pouco controle de custos e
muito desperdício, impactando o retorno para os acionistas. Nos anos anteriores
à pandemia, inúmeros projetos de petróleo em todo mundo perderam bilhões de
dólares, prejudicando fortemente o retorno esperado por acionistas.
Na conjuntura atual, os investidores estão exigindo
uma disciplina de alocação de capital muito maior das supermajors.
A maior parte dos investimentos busca retornos em um ciclo mais curto, entre
cinco anos e dez anos. Além disso, existe um foco muito maior em eficiência e
utilização de novas tecnologias, tais como: inteligência artificial, automação,
big data, robótica, entre outras, com os objetivos de aumentar a produtividade
e segurança operacional. Desta forma, todo este movimento significa menor
quantidade de projetos em regiões de maior risco político e/ou áreas com
infraestrutura precária ou maior risco geológico em prol de regiões que possam resultar
em uma relação risco/retorno maior.
Outro fator importante, talvez mais evidente na supermajors
europeias, tem a ver com as pressões para descarbonização dos seus portfólios e
iniciativas para acelerar a transição energética. Muitas regiões ao sul do
hemisfério (tanto na América Latina quanto na África), apresentam abundância de
recursos naturais e áreas que favorecem projetos de energia renovável –
principalmente para produção de hidrogênio limpo, energia solar, eólica e
hídrica.
Como fica o Brasil neste contexto? O país possui
excelentes condições para continuar atraindo novos investimentos das supermajors.
Apesar de algumas incertezas no curto prazo, em função da transição de governo,
o Brasil conta com expectativas de investimentos diretos e indiretos, na ordem
de US$ 428 bilhões para os próximos 10 anos, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa
Energética) – fruto de inúmeras reformas no setor de petróleo, gás natural e
biocombustíveis, nos últimos anos. Além disso, o país conta com uma abundância
de recursos naturais e inúmeras possibilidades de geração de energia renovável,
que podem garantir excelentes projetos de descarbonização para o portfólio das supermajors.
Por fim, a crise global de energia, além dos sinais
de uma possível recessão nas maiores economias do mundo, ainda prevalece. Desta
forma, governos precisam responder com políticas mais fortes a fim de garantir
a segurança energética e acelerar a transição para fontes mais limpas. O
momento oferece oportunidades incríveis para muitos países, em especial, para o
Brasil. Contudo, é necessário que o país estabeleça diretrizes claras e
objetivas para o setor, além de estabilidade, previsibilidade e segurança
jurídica – proporcionando, assim, um ambiente de negócios mais favorável a
novos investimentos e uma relação risco/retorno superior aos seus pares no
mundo.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e
consultor independente.
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