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A paralisação
amplia busca por indenização de lucros cessantes, mas diversos questionamentos
têm sido feitos sobre essa legitimidade
No momento em que vivemos, seguradoras e
resseguradoras têm questionado se os seguros patrimoniais que garantem lucros
cessantes, também denominados seguro de interrupção de negócios (Business
Interruption), poderiam ser acionados para indenizar perdas decorrentes da
imprevisível paralisação de negócios para enfrentamento da Covid-19. As
soluções dependem do estipulado em cada contrato e de discussões polêmicas, e
diversos segurados e corretores têm dúvidas se suas apólices preveem ou não tal
cobertura.
A discussão envolve se foi ou não
incluída a cobertura para lucros cessantes e quais os acionamentos
(eventos) são amparados por essa cobertura. A interpretação sobre o evento
causador da interrupção obrigatória foi globalmente discutida, ou seja, se uma
pandemia inesperada acionaria as coberturas previstas
em contratos assinados antes da configuração dessa situação. No
Brasil, essa cobertura securitária é encontrada em seguros empresariais, de
riscos operacionais e de riscos nomeados, sendo os acionamentos mais comuns em
situações envolvendo Incêndio, Alagamento e Desmoronamento, que geram uma
paralisação das operações e consequente interrupção das atividades. O seguro
empresarial geralmente é contratado por empresas de menor porte, enquanto os
seguros de riscos operacionais e nomeados são mais buscados por empresas de
maior porte, com riscos específicos por área de atuação. Mesmo que se trate de
contratos de seguros operacionais, denominados all risks, é importante
verificar alguma cláusula específica tratando de riscos excluídos.
As regras e os critérios para operação das
coberturas do seguro de lucros cessantes são estabelecidos pela Circular nº 560
da Susep, de 7 de novembro de 2017. Pela circular, entende-se por seguro de
lucros cessantes aquele em que o segurado contrata pelo menos uma das seguintes
coberturas: perda de lucro bruto, perda de lucro líquido, perda de receita
bruta ou despesas fixas. Além disso, determina que, na estruturação de seus
planos de seguro, as sociedades seguradoras poderão prever coberturas
adicionais, desde que os riscos cobertos estejam diretamente relacionados com o
ramo de lucros cessantes.
Nas apólices de seguros de lucros cessantes
oferecidas por aqui não é incomum a exclusão de riscos relacionados a atos
emanados de autoridades públicas e até para danos decorrentes de eventos como
epidemias e pandemias.
Para empresas de médio e grande porte e que
demandam apólices de Riscos Nomeados ou Operacionais com maior complexidade e
Limite Máximo de Garantia (LMG) contratado, o limite e as condições das
seguradoras normalmente são regidos por “contratos de resseguro”. Esses
contratos seguem condições aprovadas por resseguradores globais, concentrados
nos Estados Unidos e Europa – especialmente Londres. Esses mercados têm como
previsão algumas exclusões mínimas e básicas, tais quais: exclusão de asbestos
(amianto), atos terroristas, desapropriação e risco nuclear. As exclusões
consideram que o risco de asbestos, por exemplo, não é qualificável para
cobertura securitária em sua raiz, considerando não apenas suas características
químicas, mas as deliberações da Organização Mundial da Saúde do produto –
considerando cancerígeno para os seres humanos. O risco de atos terroristas,
por exemplo, tem uma premissa distinta, pois de forma padrão é excluído de
contratos de resseguro, mas pode ser contratado em outro ramo ou produto, não
estando atrelado a seguro patrimonial.
Essas exclusões regem de forma padrão os contratos
de resseguro no mundo e consequentemente geram exclusões nas apólices de seguro
de Risco Patrimonial no Brasil.
Esse paralelo é importante pois ao longo dos
últimos 30 anos uma série de exposições foram excluídas automaticamente dos
contratos de Seguro Patrimonial para evitar ambiguidade em caso de sinistro,
contudo, isso vem acontecendo com a discussão envolvendo “Silent Cyber” desde
2017 e recentemente com a paralização dos negócios devido à pandemia de
Covid-19.
Silet Cyber é um termo utilizado para descrever o
risco cibernético que não é expressamente coberto e nem excluído das apólices
de seguro. Em 2018 os mercados de resseguro em Londres e Miami iniciaram uma
reformulação em seus contratos de Seguro Patrimonial e Transporte, para evitar
que reclamações de Seguro Cibernético fossem reclamadas na apólice de Seguro
Patrimonial, essas discussões geraram a criação de quatro exclusões, conhecidas
como “LMA5400” e “LMA5401” (para Seguro Patrimonial) e a “LMA5402” e “LMA5403”
(para Seguro de Transporte). Esse movimento dos mercados internacionais tem
como principal objetivo evitar painéis e discussões sobre sinistros globais
envolvendo um evento novo para a sociedade, de elevado impacto ou que tem
cobertura em outras apólices.
Essa mesma previsão existe para pandemia global,
com uma exclusão padrão em contratos de resseguro de Seguro Patrimonial – entre
outros ramos. Contudo, existem algumas lacunas que devem ser observadas:
1) A pandemia de Covid-19 foi declarada pela
Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, existindo uma brecha para
empresas e sinistros que tinham exclusão de pandemia, mas desde que reconhecida
por uma autoridade oficial; e
2) A exclusão existente nos contratos de
resseguro para pandemia é genérica e não é clara sobre a pandemia de Covid-19 e
/ ou não discorrem sobre uma interrupção de negócios sobre Covid-19;
O primeiro item remete a uma série de indenizações
pagas por seguradoras envolvendo o cancelamento de eventos entre janeiro e
março de 2020, antes da pandemia global ser declarada. O mercado londrino de
resseguro – Lloyd’s of London – prevê indenizações superiores a £ 3,5 bilhões
para sinistros de cancelamento.
O segundo ponto, tema central desse artigo, gerou
discussões por parte de pequenos, médios e grandes negócios em âmbito global,
especialmente para eventos de Interrupção de Negócios envolvendo a pandemia de
Covid-19.
Um exemplo desse fato foi em janeiro de 2021,
aproximadamente 370 mil companhias entraram com um pedido à Suprema Corte
britânica reivindicando o pagamento de sinistros envolvendo Interrupção de
Negócios nas apólices de Seguro Patrimonial devido à pandemia de coronavírus,
envolvendo seis grandes resseguradores, como: Hiscox, RSA, QBE, Argenta, Arch e
MS Amlin.
Um dos juízes do caso, Lord Briggs, disse na
decisão: "No caso das seguradoras, a cobertura aparentemente previa a
interrupção de negócios causada pelos efeitos de uma pandemia nacional de
doença notificável era na realidade ilusória, exatamente quando poderia ter
sido supostamente mais necessário aos segurados”, complementando que "Esse
resultado me pareceu claramente contrário ao espírito e à intenção das
disposições relevantes das políticas em questão”.
A decisão favorável às companhias, a exemplo da
citada acima, geram jurisprudência e precedentes importantes para o mercado
global. O maior mercado de seguro e resseguro do mundo, Lloyd’s of London,
estima que as indenizações relacionadas à pandemia de Covid-19 alcançaram £ 6,2
bilhões, sendo £ 3 bilhões exclusivamente à interrupção de negócios em apólices
de Seguro Patrimonial. Esse valor é estimativo e não prevê o efeito global que
decisões locais podem afetar em outros contratos e painéis em todo o mundo.
O assunto ainda é polêmico,
principalmente no mercado brasileiro, há diversos fatores que influenciam ainda
se haverá ou não cobertura. Por exemplo, o que gerou aquela perda de receita?
Foi um incêndio, um alagamento? Precisaria ter sido contratado algo específico?
Em apólices de Risco Operacional (All Risk) a exclusão de pandemia está clara?
O contrato de resseguro dispõe sobre o tema? Será que em um incêndio que foi
ocasionado pela falta de manutenção dos sistemas, ou gerou alguma falha por
conta da pandemia e isso gerou uma perda de receita, teria cobertura?
São inúmeras discussões que surgem a
partir deste novo cenário, uma vez que no mercado brasileiro a contratação da
cobertura de Interrupção de Negócios é habitualmente atrelada a um Dano
Material. Talvez, os contratos doravante devam vir explicitamente excluídos
dessa cobertura em evento de pandemia. Esse movimento gerou a criação de
exclusões especificas para Coronavírus em 4 de março de 2020, com a “LMA5391”,
adotada pelo mercado de Lloyd’s of London nos contratos de resseguro. Outras
exclusões foram explicitamente criadas, a exemplo da “LMA5395” e da “LMA5394”,
com o objetivo de deixar evidente a não cobertura de eventos relacionados à
pandemia de Covid-19. Como mencionado ao longo do artigo, o mercado segurador e
ressegurador já passou por debates e decisões similares, contudo, as exclusões
recém criadas para Covid-19 não impedem que apólices e contratos celebrados
antes da incorporação dessas exclusões tenham reclamações e resultem em
indenizações às companhias.
No exterior temos alguns casos que vão
abrindo precedentes aqui no Brasil. Na Inglaterra, a seguradora Hiscox chegou a
um acordo com os membros do Hiscox Action Group (HAG) sobre as perdas de
interrupção de negócios (BI) sofridas devido a bloqueios do governo após o
surto de Covid-19. Os termos do acordo permanecem confidenciais, mas a HAG tinha
originalmente como objetivo um pagamento de £ 40 milhões da Hiscox, em acordo
que se refere especificamente às perdas de BI incorridas entre março e julho de
2020. Trata-se de mais um evento envolvendo Interrupção de Negócios na
Inglaterra que tem decisão favorável aos segurados antes às seguradoras.
Nas situações em que as apólices não
têm regras claras com relação ao enquadramento ou à exclusão da cobertura de
situações decorrentes de uma pandemia e de prejuízos resultantes de atos
emanados de autoridades públicas, o judiciário tem sido acionado para
interpretar e solucionar. Considerando as decisões favoráveis aos reclamantes e
segurados, é incerto prever que as discussões de Seguro Patrimonial e
Interrupção de Negócios devido à pandemia de Covid-19 irão se encerrar em 2021.
Empresas brasileiras já se manifestaram desconfortáveis à não cobertura de
Business Interruption e podem criar ações coletivas contra seguradoras.
Stephanie Zalcman - CPO (Chief Placement Officer)
da Wiz Soluções em Seguros e embaixadora da Sou Segura (Associação das Mulheres
no Mercado de Seguros)
Felipe Moreira - Gerente Comercial da Wiz Corporate
Partners em Seguros e Bacharel em Relações Internacionais pela Escola Superior
de Propaganda e Marketing de São Paulo e Universidade Antonio de Nebrja em
Madrid (Espanha).
Referências:
https://www.lmalloyds.com/LMA/Underwriting/Wordings/LMA/lma_wordings.aspx
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