Eufemismo é uma “expressão que atenua uma idéia desagradável, grosseira ou indecente” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001). E um bom exemplo em matéria fiscal é a “complementação de alíquota” do ICMS para alguns setores da economia, que vigorará a partir do dia 15 de janeiro do próximo ano, em razão do Decreto Estadual nº 65.253/2020.
Referido decreto dispõe que
(a) a alíquota interna do ICMS de 7% aplicável na venda de preservativos,
certos tipos de ovos e suas embalagens “fica sujeita a uma complementação de
2,4% (...)” (ou seja, passa de 7% a 9,4%) e (b) a alíquota interna de 12%
aplicável na venda de diversos produtos (por exemplo, pedra/areia, ferro/aço,
maquinas industriais e agrícolas, veículos, etanol e diesel combustíveis,
refeição, medicamentos genéricos, móveis e colchões, dentre outros) “fica
sujeita a um complemento de 1,3% (...)”(passando de 12% a 13,3%).
Vejam bem, o eufemismo
“complementação” de alíquota, neste caso, acoberta duas variantes: evitar o
politicamente desagradável termo “aumento da tributação”; esconder a face
juridicamente “indecente” de se promover o aumento por meio de mero decreto
estadual e, portanto, sem lei.
Quando a Constituição Federal
de 1988 (CF/88) impõe a regra de que aumento de tributo já existente se dê por
lei, o que se quer é que a majoração da carga tributária do ICMS seja discutida
pela Assembleia Legislativa, sob uma perspectiva plural (vários partidos e
visões de mundo), até se chegar – ou não – ao consenso da maioria sobre a
pertinência de se aumentar um tributo. É isto que dá legitimidade – jurídica e
política – à norma que obrigará pessoas e empresas a pagar mais tributos, o que
é muito (mas muito) diferente desta mesma obrigação provir da vontade e
canetada unilateral do chefe do Poder Executivo. Eis a beleza da regra
constitucional de limitação do poder de tributar inerente ao Estado Brasileiro.
Nem se diga que o artigo 22
da Lei Estadual nº 17293/20 dá suporte legal para o decreto estadual
“complementar” alíquotas de ICMS, pois nele se encontra outro eufemismo, desta
vez mais maquiavélico, de que a “para efeitos deste lei, equipara-se a
benefício fiscal a alíquota fixada em patamar inferior a 18%”. Ora, as
alíquotas internas de ICMS são fixadas em lei e não há qualquer hierarquia
entre elas. Desta forma, alíquota inferior a 18% não é “benefício fiscal”: é (e
sempre foi) simplesmente a alíquota incidente na venda dos produtos previstos
na lei! E, se assim é, apenas outra lei, com o crivo parlamentar, poderá
majorá-las, nos termos do artigo 150, I da CF/88 e da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
Fabio Cunha Dower – Advogado e Consultor Tributário
da Miguel Silva & Yamashita Advogados
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