Opinião
Somos em torno de 2,5 milhões de professores,
atuando desde o fundamental até o ensino superior. Nem todos temos formação
adequada e muitos poucos de nós consegue ter uma educação continuada. Nossa
média salarial é uma das mais baixas entre as nações com economias
desenvolvidas. Se considerarmos os países da OCDE, que conta com 38 membros
efetivos e 8 convidados (que é o caso do Brasil), recebemos metade da média
deles. Se considerarmos internamente, com outros profissionais com o nível de
escolaridade que é exigido de nós, recebemos 71% da média desses profissionais.
Para resumir: em média, recebemos um pouco mais da metade do auxílio moradia de
um juiz federal. Aliás, lembram quando o governo federal ofereceu 10 mil reais
para os médicos do programa Mais Médicos e quase ninguém quis ir? Era quatro
vezes o valor médio do salário de um professor no Brasil.
Mas salário é apenas a ponta do iceberg da situação
do professor no Brasil. Os cursos de formação são, na sua grande maioria, muito
precários e distantes da realidade. Dificilmente um professor formado sabe o
que fazer em sala de aula quando deixa a faculdade. A lição dos países que se
destacam na Educação começou por aí: o fechamento dos cursos de formação, que
eram sofríveis. Redução drástica da oferta de vagas e inspeção rigorosa e
constante nos cursos remanescentes, para garantir a qualidade na formação. E,
obviamente, aumento de salários. Essas duas medidas começaram a atrair jovens
para a licenciatura. Hoje, no Brasil, cerca de 2% dos jovens que estão no
Ensino Médio desejam ser professores. Recentemente, o Ministro da Educação
disse, sem rubor nas faces, que “ser professor é ter quase que uma declaração
de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Os números revelam que,
basicamente, é isso mesmo. Jovens com potencial de aprendizado buscam áreas com
maior possibilidade de remuneração e de reconhecimento social. O magistério não
oferece nem uma coisa e nem outra.
Reformar profundamente os currículos e diminuir
drasticamente a oferta de vagas, além de melhorar substancialmente os salários,
com a implantação de uma quadro de carreira baseado no aperfeiçoamento
continuado e no resultado da aprendizagem, seria um bom começo. Quanto ao
reconhecimento social, provavelmente virá como consequência dessas
transformações. Imagine que jovens comemorem a aprovação em um curso de Física
ou Letras com a mesma alegria que demonstram com a aprovação em Medicina e
Direito? E os pais, orgulhosos, colocando faixas em frente de casa com os
dizeres: “Nosso filho foi aprovado em Filosofia!”
Ser professor no Brasil é alimentar, diariamente, a
ilusão de uma dignidade que nos é negada e, com isso, um futuro que é negado às
crianças e jovens. A dor de não ter condições adequadas de trabalho,
obrigando-nos a jornadas extenuantes, às vezes de três turnos, sem tempo para a
devida preparação das aulas, compra de livros e frequência em cursos, é a de
saber que o resultado do nosso trabalho não está à altura do que merecem as
crianças e jovens do país, do próprio país. E a ideia de um “futuro melhor” vai
ficando restrita apenas a uma camada cada vez mais estreita dos que podem
contar com escolas de qualidade, oásis em meio ao deserto de falta de
investimentos e gestão de qualidade. E a desigualdade, essa chaga mortal da
nossa sociedade, mãe da violência social e dos voos de galinha da economia, vai
se normalizando, como se fosse um destino ao qual devemos todos nos conformar.
Tenho o privilégio de ser um profissional de ensino
bem remunerado e cercado das condições materiais e pedagógicas mais avançadas
para exercer o meu ofício. Pude chegar ao último estágio da minha formação
acadêmica - o doutorado - e usar meu aprendizado para melhorar meu trabalho em
sala de aula. Leciono em uma única empresa e minha carga horária permite que eu
possa estudar e preparar minhas aulas adequadamente. Com o que ganho, consigo
comprar livros, assistir filmes, viajar e conhecer outras culturas e
realidades.
Sou um privilegiado? Não deveria ser. Sou um
professor e isso deveria ser suficiente para justificar essas condições
profissionais. Mas sim, sou um privilegiado e meus alunos e alunas também, na
medida em que têm a oportunidade de ingressar nas mais importantes
universidades e, com isso, alcançar os postos de trabalho mais bem remunerados
e reconhecidos. Essa condição deveria ser um direito de todos. Um direito pelo
qual não deveríamos descansar até efetivá-lo. E quem sabe um dia, assim como
ocorre no Japão, o chefe da Nação curve a cabeça ao nos ver passar. Por respeito
e não por indiferença.
Daniel Medeiros - doutor
em Educação Histórica e professor no Curso Positivo
danielmedeiros.articulista@gmail.com
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