Como a
inteligência artificial está se aventurando na produção literária e na
indústria criativa.
Antes de responder às questões, gostaria de falar
sobre algo que me é cotidiano. Ser editor de livros é buscar as respostas que o
autor nem sequer pensou que podiam ser dúvidas; é ajudá-lo a se libertar de
ideias e conceitos que só têm respaldo, muitas vezes, no senso comum; é ampliar
as possibilidades da obra, tornando-a mais acessível e compreensível. É
questionar certezas frágeis, argumentos rotos, que se perdem na primeira
reflexão do leitor. Há a tendência, principalmente na cultura nacional, de
imaginar que os livros nascem prontos, com um enredo indefectível, no qual o
autor optou pelo narrador adequado, e o caminho entre o início e o fim está bem
traçado, sem ajustes, à prova do crivo da razão. Mas não é bem assim.
Como as pessoas, os livros também vão se moldando
durante a jornada, enveredando por novos caminhos, suscetíveis ao próprio
livre-arbítrio. E, antes que alguém diga o contrário, não. O editor de livros
não é um censor, ele é um profissional que desenvolveu um olhar aguçado,
crítico, mas amoroso, pois entende que está diante da criação de outrem e
deseja apenas destacar os pontos fortes da narrativa, propondo mudanças, às
vezes estruturais ou apenas pontuais, mas sem intenção de descaracterizar a
obra. A voz do autor deve ser sempre respeitada. Aliás, essa voz dos escritores
nos transporta para diferentes lugares; desperta nossa capacidade de abstrair;
torna o conhecimento algo que pode ser compartilhado por pessoas de diferentes
culturas. Escrever é uma nobre arte, algo essencialmente humano.
Diante de um mundo tecnológico — e com máquinas
lançando livros — não é difícil chegarmos à conclusão de que tudo pode ser
automatizado. Ledo engano. Algumas profissões sempre necessitarão do olhar
humano, que máquina alguma é capaz de substituir. Os editores e autores
pertencem a essa categoria. Sagazes, esses profissionais dão alma a uma boa
história, fazem um best-seller acontecer.
Um bom livro — fruto do trabalho e talento do
escritor e do editor — proporciona emoção, paixão, conhecimento, drama,
reflexão. São tantas sensações singulares. Ao abrir um livro, parece que o
leitor está diante de uma janela, por onde pode observar o mundo. Aos poucos,
com uma dose de coragem e curiosidade, ele se debruça na janela. E, quando
percebe, já está com o corpo todo para fora, prestes a se atirar. Não há volta.
O mundo do lado de dentro até pode ser mais seguro, mas não é tão fascinante.
Então, qual é o papel do editor e do autor? Criar boas narrativas e fazer a
manutenção dessa “janela”, checar as dobradiças, a solidez da estrutura,
assegurar que o leitor terá uma experiência única.
Será que a inteligência artificial pode substituir
esse fator humano essencial à criação de um produto cultural que desperte
nossas emoções? Da minha parte, não acredito nisso. E não estou sozinha nessa
crença. O romancista de ficção cientista, Satoshi Hase, esteve na banca de um
prêmio literário japonês, cujo regulamento permitiu a inscrição de obras
idealizadas por máquinas; dos 1.450 livros inscritos, 11 foram redigidos por um
programa. Segundo ele, ainda que os romances “escritos por máquinas” fossem bem
estruturados, as descrições dos personagens deixaram a desejar. Aliás, esse é
um problema que um editor de carne e osso pode, naturalmente, apontar, sugerir
e auxiliar o autor humano a solucionar.
Tânia
Lins - formada em Administração de
Empresas e pós-graduada em Língua Portuguesa, Comunicação Empresarial e
Institucional e Jornalismo Digital. Atua há mais de dez anos na área editorial,
com experiência profissional e acadêmica voltada à edição, preparação e revisão
de obras, gerenciamento de produção editorial, leitura crítica e coaching literária. Atualmente é coordenadora editorial na Editora Vida &
Consciência.
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