Cuidar da prole é uma obrigação
constitucional e, para alguns julgados, o abandono afetivo de um dos genitores
implicaria numa ilicitude civil. A jurisprudência vem entendendo ser devida a
indenização por danos morais por tratar-se de ato ilícito (abandono afetivo)
capaz de gerar prejuízo moral ou material e toda ilicitude que cause danos
(material ou moral) deve ser indenizado.
O afeto é, geralmente, a base de uma
família. Mas, o que acontece quando este sentimento não existe? Quando um pai
abandona um filho ou, na relação inversa, quando filhos deixam de cuidar dos
pais? O advogado Danilo Montemurro, especialista em Direito de Família,
preparou um guia com perguntas e respostas para orientar as pessoas sobre o
abandono afetivo.
1) Já
existe lei que defini o abandono afetivo e suas consequências?
Não, mas existe um Projeto de Lei do Senado (PLS nº
700/2007), já aprovado na casa e remetido à Câmara dos Deputados em 06/10/2015,
que modifica o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e impõe a reparação
por danos morais ao pai ou mãe que deixar de prestar assistência afetiva e
moral, bem como convivência ou visitação periódica aos seus filhos de
indenizar. Também há julgados, inclusive no STJ, que reconhece o abandono
afetivo e a consequente responsabilidade pela reparação dos prejuízos morais
advindos do abandono.
2) O
que é o abandono afetivo e quais suas consequências?
É conceitualmente o descumprimento do dever de
cuidado, criação, educação e companhia, devidos à uma criança ou adolescente,
dever decorrente do poder familiar, cogente implicitamente no artigo 227 da
Constituição Federal. O abandono afetivo é, portanto, ilícito civil. Importante
grifar que a ilicitude não está no desamor, até porque impossível obrigar
alguém a amar outra pessoa, mesmo que seja seu próprio filho, mas sim no
desamparo na criação, na educação e na companhia.
Todo ato ilícito que gere um dano é passível de
indenização. Assim, a comentada omissão é passível de compensação pecuniária, a
título de reparação pelo prejuízo moral experimentado, desde que demonstrada o
efetivo dano.
3)
Sou separado e a mãe dos meus filhos dificulta
minha convivência com eles, inclusive foi recentemente fixada a guarda
unilateral para ela, mesmo com a nova lei da guarda compartilhada. Corro o
risco de ser condenado por abandono afetivo por isso?
O pai tem não apenas o direito, mas a
obrigação de conviver com os filhos. Por outro lado, os filhos têm todo o
direito de conviver com o pai, sendo este direito fundamental para a formação
das crianças. Infelizmente alguns genitores não percebem a nocividade de seus
atos contra os próprios filhos, e dificultam a convivência por motivos muitas
vezes fúteis. Trata-se de alienação parental e você deve lutar judicialmente
contra isso.
Ainda, a fixação da guarda unilateral jamais poderá
representar um empecilho para o convívio com os seus filhos, não se
relacionando guarda com direito de convivência ou visita. Aliás, temos um longo
caminho para alcançar a efetiva proteção da convivência familiar, é contraditório
o mesmo judiciário que reconhece o abandono afetivo e sua consequência,
resistir ao cumprimento da Lei da Guarda Compartilhada.
4)
Como se caracteriza o abandono afetivo?
Não é qualquer comportamento omissivo ou ativo
capaz de caracterizar o ato ilícito passível de indenização. Deve estar
presente a negativa injustificada dos deveres do poder familiar, haverá de
ocorrer o distanciamento na convivência familiar; a omissão ou ação deve
comprometer seriamente o desenvolvimento e formação psíquica, afetiva e moral;
deve-lhe causar dor, submetê-lo ao vexame, causar-lhe sofrimento, humilhação,
angústia. Assim, na prática, é extremamente dificultoso a valoração dos fatos
possíveis de serem alegados e provas passíveis serem produzidas num processo
que se pretenda indenização por abandono afetivo.
5)
Tenho 30 anos e meu pai não fala mais comigo, posso pedir danos morais por
abandono afetivo?
O abandono afetivo é ilícito por desatender o
disposto no art. 227, da Constituição Federal, assim, o autor da ação ou vítima
do abandono deve ser, necessariamente, uma criança, adolescente ou jovem e
jamais um adulto. Ou seja, um adulto jamais terá pertinência ou legitimidade
para propor uma ação desta natureza, salvo se alegar fato ocorrido enquanto
ainda adolescente, ressalvados os prazos prescricionais.
6) E o
abandono afetivo do idoso, também gera consequências?
O abandono afetivo e material do idoso gera
consequências não apenas no âmbito civil, como obrigação de indenizar, mas
também criminal, contudo, estes casos são amparados pelo Estatuto do Idoso.
7)
Qual o valor fixado para danos morais?
Primeiramente, importante frisar que, apesar do
abandono afetivo ser considerado ilicitude civil, ele por si só não é capaz de
gerar indenização. Só haverá indenização se do ilícito civil decorrer dano,
assim terá que provar que houve um prejuízo moral. Provado o abandono e
demonstrado o prejuízo, a fixação do valor será estabelecida pela análise de um
sem número de fatores, como a extensão do sofrimento, o tempo de duração, as
consequências psicológicas decorrentes e outras. Também, deve ser considerado a
capacidade financeira do ofensor, deve atender a um critério de razoabilidade e
proporcionalidade, com o cuidado para não ensejar em enriquecimento sem
injusto. Portanto, não há um valor previamente definido, devendo cada caso ser
analisado individualmente.
Danilo
Montemurro - sócio do escritório Berthe e
Montemurro Advogados, especializado em Direito de Família e Sucessões,
pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC de SP e mestrando pela
Faculdade Autônoma de Direito.
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