A relação direta de causa e efeito entre o
consumo de drogas e a criminalidade gera, quase necessariamente, a ideia da
legalização. Seus defensores sustentam que se o consumo e o comércio forem
liberados, a maconha, a cocaína, a heroína e produtos afins serão formalmente
disponibilizados, inviabilizando a atividade do traficante. Extinto o comércio
clandestino, dizem, cessariam os lucros que alimentam o crime organizado e se
reduziria o nível de insegurança em que vive a população. Muitos alegam, ainda,
que a atual repressão agride o livre arbítrio. Entendem que os indivíduos
deveriam consumir o que bem entendessem, pagando por isso, e que os valores
correspondentes a tal consumo, a exemplo de quaisquer outros, deveriam ser
tributados para gerar recursos ao setor público e não ao mundo do crime. A
aparente lógica dos argumentos tem um poder muito forte de sedução.
No
entanto, quando se pensa em levar a teoria à prática, surgem questões que já
levantei em artigo anterior e não podem deixar de ser consideradas. Quem vai
vender a droga? As farmácias? As mesmas que exigem receita para uma pomadinha
antibiótica passarão a vender heroína sem receita? Haverá receita? Haverá
postos de saúde para esse fim? Os usuários terão atendimento médico público e
serão cadastrados para recebimento de suas autorizações de compra? O Brasil
passará a produzir drogas? Haverá uma cadeia produtiva da cocaína? Uma Câmara
Setorial do Pó e da Pedra? Ou haverá importação? De quem? De algum cartel
colombiano? O consumidor cadastrado e autorizado será obrigado a buscar
atendimento especializado para vencer sua dependência? E os que não o
desejarem, ou que ocultam essa dependência, vão buscar suprimento onde? Tais
clientes não restabelecerão fora do mercado oficial uma demanda que vai gerar
tráfico? A liberação não aumentará o consumo? Onde o dependente de poucos
recursos vai arrumar dinheiro para sustentar seu vício? No crime organizado ou
no desorganizado?
A
Holanda, desde os anos 70 vem tentando acertar uma
conduta que tolerância restritiva. É proibido produzir, vender, comprar, e
consumir drogas. A liberação da maconha recuou 30 gramas para apenas 5 gramas
nos coffeeshops, que acabaram sendo municipalizados para maior controle e diversos
municípios se recusam a assumir a estranha tarefa. Bélgica se tornou a capital europeia da
droga. Um plebiscito realizado na Suíça em 2008 rejeitou a liberação, mas autorizou
trabalhos de pesquisa que envolvam a realização de estudos e testes com
usuários de maconha. O país, hoje, fornece, com supervisão de enfermagem, em
locais próprios para isso, quotas diárias de heroína para dependentes...
O
uso da droga, todos sabem, não afeta apenas o usuário. O dependente químico
danifica sua família inteira e atinge todo seu círculo de relações. Ao seu
redor muitos adoecem dos mais variados males físicos e psicológicos. A droga é
socialmente destrutiva, e o poder público não pode assumir atitude passiva em
relação a algo com tais características.
"Qual a solução, então?", perguntou-me um
amigo com quem falava sobre o tema. E eu: “Quem pensa, meu caro, que todos os
problemas sociais têm solução não conhece a humanidade”. O que de melhor se
pode fazer em relação às drogas é adotar estratégias educativas e culturais que
recomponham, na sociedade, valores, tradições, espiritualidade, disciplina,
dedicação ao trabalho, sentido da vida e vida de família, para fortalecer o
caráter dos indivíduos e os afastar dos vícios. Mas, como se sabe, é tudo
intolerável e "politicamente incorreto". Então, resta ampliar o que
já se faz. Ou seja, mais rigor legal e penal contra o tráfico, mais campanhas
de dissuasão ao consumo, menos discurso em favor da maconha, menos propaganda
de bebidas alcoólicas, e mais atenção aos dependentes e às suas famílias.
Alguém
aí acredita que, legalizado o tráfico e vendidas as drogas em farmácia ou
coffeeshops, todos os aparelhos criminosos estruturados no circuito das drogas
se transmudarão para o mundo dos negócios honestos? Que os chefões das drogas
se tornarão CEOs de empresas com código de ética corporativa e política de compliance?
Que os traficantes passarão a bater ponto e terão carteira assinada? Pois é.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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