Os
resultados de um projeto internacional de pesquisa mostram que os computadores
podem se tornar importantes aliados para investigar os escândalos de corrupção
Operação Lava Jato, Petrolão, Mensalão, Dólares na Cueca, Anões do
Orçamento, Caso Collor, Máfia da Previdência, Caso Banespa. A população brasileira
está cansada de assistir ao desfile de escândalos de corrupção que assolam o
país ano após ano. Mas os resultados de um projeto internacional de pesquisa
nos dão esperança de que a ciência pode se tornar uma aliada eficaz no combate
ao enredo das redes de corrupção.
Empregando métodos e ferramentas computacionais, cinco
pesquisadores analisaram 65 escândalos de corrupção que ocorreram no Brasil de
1987 a 2014, nos quais 404 pessoas estavam envolvidas. Uma das imagens que eles
obtiveram a partir do estudo desses dados impressiona: há 404 círculos (nós)
representando cada um dos indivíduos citados nos escândalos. Quando dois
indivíduos são mencionados em um mesmo caso, pelo menos uma vez, os
pesquisadores os conectam por meio de uma reta. Essas várias conexões
estabelecidas entre os indivíduos levaram à construção de uma rede complexa,
que une as 404 pessoas em 27 grupos coloridos, sendo que 14 desses grupos
estabelecem relações mais próximas entre si (veja que estão dentro do círculo
vermelho da imagem). No final desse processo, a tela do computador mostra uma
intricada teia: o triste retrato em cores da corrupção no Brasil durante 27
anos.
“Estudos como esse, na área de redes complexas, podem contribuir
muito para agilizar as investigações criminais. Do ponto de vista prático, é
fundamental criarmos ferramentas úteis para compreender as relações que as
pessoas envolvidas em atividades ilícitas estabelecem entre si”, explica Luiz
Alves, um dos cinco pesquisadores participantes do projeto internacional. Ele é
pós-doutorando no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em
São Carlos.
Considerada um dos principais fatores que limitam o crescimento
econômico no mundo, a corrupção também reduz o retorno dos investimentos
públicos e contribui para aumentar a desigualdade socioeconômica. Segundo estimativas do Banco Mundial, o custo da corrupção excede 5% do Produto Interno Bruto do
mundo por ano, o que equivale a cerca de um trilhão de dólares. Já de acordo
com a organização não-governamental Transparência Internacional, os oficiais
corruptos dos países em desenvolvimento recebem ilicitamente mais de 40 bilhões
de dólares por ano.
Descobertas valiosas – Quem assistiu a série e filmes que mostram como os crimes são
desvendados, vai se lembrar de uma cena corriqueira: os investigadores
escrevendo em um quadro os nomes de todos os suspeitos e os relacionando uns
aos outros conforme as pistas são coletadas. Alves explica que os estudos das
redes de corrupção têm potencial para otimizar esse tipo de investigação, à
medida em que possibilita identificar quais suspeitos têm maior potencial de
exercer um papel de liderança no grupo criminoso, pois estão mais conectados a
outros suspeitos: “Esse tipo de informação pode contribuir para agilizar as
investigações, pois evita que se perca muito tempo levantando pistas de pessoas
que, provavelmente, não estão no comando das ações”.
Além disso, ao visualizar as redes de corrupção, é possível também
identificar os indivíduos que estão sendo investigados em mais de um escândalo.
Como a justiça divide os casos em vários processos e diferentes equipes
realizam as investigações, nem sempre é possível enxergar as relações entre os
diferentes esquemas criminosos. Em uma das imagens do artigo dos pesquisadores,
por exemplo, podem ser vistas as relações estabelecidas entre os escândalos
investigados em 2004. Note que a teia vermelha que aparece no topo da imagem a
seguir mostra a ligação entre oito esquemas de corrupção que estavam sendo
investigados naquele ano: Desvios de verba do TRT, Dossiê Cayman,
Superfaturamento de obras em SP, Frangogate, Paubrasil, Precatórios, Máfia dos
fiscais e CPI Banestado. Abaixo dessa rede, estão outras teias, em diferentes
cores, que ligam outros casos. Em amarelo, por exemplo, aparecem as relações
entre o Caso Waldomiro Diniz, o Caso Celso Daniel e a Operação Anaconda. Há,
ainda, no rodapé da imagem, esquemas de corrupção isolados, que não se conectam
a outros.
Já na imagem do ano seguinte (2005), é possível ver novas relações
sendo estabelecidas. A grande teia vermelha de 2004 passa a se conectar a um
novo escândalo de corrupção: o Mensalão, que é representado, na figura, pelo
grande grupo de pontos pretos que formam um sólido conglomerado. Veja que há
dois pontos em vermelho (nós) que unem o Mensalão aos escândalos da teia
vermelha, os quais já estavam sendo investigados em 2004. Lembrando que cada
ponto da teia representa uma pessoa sob investigação, conclui-se que há duas
pessoas que são citadas tanto no Mensalão quanto nos Desvios de verba do TRT
(primeiro escândalo representado na teia vermelha).
Relações perigosas – Observar essas estreitas relações entre diferentes
escândalos também pode ser fundamental para as investigações em andamento, já
que os indivíduos que são citados em mais de um caso podem fornecer pistas para
chegar a outros suspeitos e à obtenção de mais provas. Por isso é tão
fundamental ter uma ferramenta que consiga prever futuras relações entre
suspeitos: quem tem mais probabilidade de se conectar a outros corruptos deve
receber mais atenção durante as investigações. Pode ser até que essas pessoas
nem tenham sido citadas em mais casos de corrupção porque a justiça simplesmente
ainda não reuniu as provas necessárias.
“Ao construir essa rede complexa, descobrimos que é possível
prever, com 25% de precisão, as novas relações que serão estabelecidas no
futuro por esses indivíduos investigados”, explica Alves. Ele e os demais
quatro pesquisadores que realizaram o projeto divulgaram os resultados, em
janeiro deste ano, em um jornal científico reconhecido internacionalmente, o Journal of Complex Networks. “Foi um dos primeiros artigos
científicos publicados no mundo que analisa a relação entre pessoas envolvidas
em esquemas de corrupção por meio de ferramentas da teoria de redes complexas”, revela o pós-doutorando. Não é à toa que a novidade
chamou a atenção do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e foi
classificada como uma das publicações científicas mais provocadoras do início deste ano.
O estudo é fruto de um esforço internacional que uniu três
instituições brasileiras e duas estrangeiras. Além de Alves, do ICMC, a
pesquisa foi realizada pelos professores Haroldo Ribeiro e Alvaro Martins,
ambos da Universidade Estadual de Maringá; Ervin Lenzi, da Universidade
Estadual de Ponta Grossa; e Matjaz Perc, que atua na Universidade de Maribor,
na Eslovênia, e no Complexity Science Hub, na Áustria. A iniciativa
contou, ainda, com o apoio das seguintes agências de fomento: FAPESP, CNPq,
CAPES e Slovenien Research Agency.
Características curiosas – Os pesquisadores descobriram diversas outras características
peculiares às redes de corrupção do Brasil. Por exemplo, os grupos que conduzem
as ações ilícitas são compostos, na maioria das vezes, por cerca de oito
integrantes. “Esse resultado é similar ao que observamos na chamada teoria das
sociedades secretas, em que a evolução das redes ilegais acontece de forma a
maximizar o ocultamento”, revela Alves. “Há também uma característica comum
entre a rede de corrupção e a rede de terroristas, no que se refere à forma
como as conexões, as relações entre as pessoas, se propagam entre os
indivíduos. Nessas duas redes, as conexões estão distribuídas de forma
exponencial”, completa o pós-doutorando.
Mais um aspecto curioso revelado pela pesquisa: coincidindo com o
período eleitoral, a cada quatro anos, as redes de corrupção passam por uma
transformação e se observa um aumento significativo no número de pessoas
envolvidas, como mostra o gráfico a seguir. “Isso nos leva a suspeitar de que
as eleições não somente remodelam a elite política do país, mas também
introduzem novas pessoas no poder, as quais têm a possibilidade de, em breve,
explorá-lo de forma desonesta”, escrevem os especialistas.
Dados preciosos – Uma das maiores dificuldades enfrentadas na ciência que estuda a
área criminal está na obtenção de dados confiáveis. Por isso, os dados
utilizados pelos pesquisadores foram captados a partir de notícias de corrupção
veiculadas em sites dos jornais e revistas mais renomados do Brasil. O
processamento desses dados foi realizado de forma manual e está disponível a
todos os interessados.
“Ter o nome citado em um escândalo de corrupção não significa que
a pessoa será oficialmente considerada culpada pela justiça brasileira. Os
procedimentos jurídicos nos grandes casos políticos de corrupção podem levar
anos, até décadas, e muitos nunca chegam a um veredito final”, lê-se no artigo.
Diante dessa questão legal, os pesquisadores optaram por tornar anônimos todos
os nomes das pessoas envolvidas nos escândalos.
Ao ler este texto, é provável que você tenha se lembrado do filme Minority
Report – A Nova Lei,
em que é criado um sistema para prever crimes com precisão. Mas a ciência da vida
real está muito longe disso. “Se tivermos acesso a dados mais completos, por
meio de parcerias com instituições da justiça, por exemplo, poderemos construir
ferramentas ainda mais precisas e úteis para as investigações”, ressalta Alves.
Se essas parcerias se estabelecerem no futuro, a saga da luta da ciência contra
as redes de corrupção pode ter um final feliz. Por enquanto, estamos apenas
diante dos primeiros episódios.
Denise Casatti
Assessoria de
Comunicação do ICMC/USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário