Especialista
explica por que a convivência com animais pode fortalecer empatia, autoestima e
até ajudar a criança a ser mais aberta às diferenças
Ter um animal de
estimação durante a infância pode ser muito mais do que uma experiência
divertida ou afetiva. Pesquisas recentes mostram que a convivência com pets tem
impactos significativos no desenvolvimento emocional das crianças, contribuindo
para o fortalecimento da empatia, da autoestima, do senso de responsabilidade e
até do desenvolvimento de uma postura mais inclusiva e aberta às diferenças,
tanto na relação com animais quanto com colegas e familiares. Uma pesquisa
realizada na Austrália com mais de 1.600 famílias, por exemplo, mostrou que
crianças que crescem com animais tendem a apresentar níveis mais altos de
empatia e habilidades sociais mais desenvolvidas do que aquelas que não têm
contato com pets.
Mostram também que
95% das pessoas consideram seus pets membros da família e isso tem um grande
impacto na configuração das famílias atuais, pois significa que cada vez mais
crianças convivem com animais de estimação. Portanto, entender como garantir
que essa convivência seja benéfica é fundamental. Ao mesmo tempo é importante
aprender o que evitar para não torná-la problemática para nenhum dos
envolvidos. Mais do que companhia, os animais funcionam como suporte emocional
silencioso e ajudam na construção de vínculos afetivos seguros.
“Crianças que
crescem com pets tendem a desenvolver uma visão mais inclusiva do mundo. Elas
aprendem, desde cedo, que seres diferentes têm o mesmo valor e merecem cuidado,
atenção e respeito, e isso pode resultar em posturas mais empáticas nas
relações com colegas e familiares”, explica a psicoterapeuta Renata Roma,
doutora pela Brock University e pós-doutora pela University of Saskatchewan, no
Canadá.
A psicoterapeuta
vem estudando o impacto dos pets na saúde emocional das crianças por mais de 10
anos. Ela explica que essa relação também exige atenção. Para que o vínculo
entre criança e pet seja realmente positivo, é essencial que haja orientação,
supervisão e respeito aos limites – tanto da criança quanto do animal.
A seguir, Renata
Roma apresenta algumas formas pelas quais os pets contribuem para o
desenvolvimento emocional infantil e orienta pais, mães e educadores sobre como
incentivar uma convivência mais consciente, respeitosa e transformadora.
1.
Empatia na prática
Conviver com um
pet exige perceber, interpretar e respeitar os sinais do outro – mesmo que ele
não fale. “A criança aprende a entender quando o animal está feliz, assustado,
cansado ou com dor. Esse exercício constante de se colocar no lugar do outro é
o que chamamos de empatia. E, quanto antes ela for desenvolvida, mais
naturalmente será aplicada nas relações humanas também”, explica a psicóloga.
2.
Autorregulação emocional
Os pets oferecem
conforto emocional mesmo sem palavras. Segundo Renata, muitos estudos indicam
que crianças que vivem com animais conseguem se acalmar mais facilmente em
momentos de estresse. “Abraçar, acariciar ou apenas estar perto do pet reduz a
ansiedade, diminui a produção de cortisol e aumenta a liberação de ocitocina, o
hormônio associado à formação de vínculos sociais, comportamentos de cuidado e
empatia”, aponta.
3.
Responsabilidade e rotina
A convivência com
animais também ensina noções importantes de cuidado e rotina. “Com o apoio dos
adultos, a criança pode se envolver em tarefas como trocar a água, escovar o
pelo ou alimentar o pet. Essas ações fortalecem a noção de responsabilidade e o
senso de utilidade, o que tem impacto direto na autoestima. No entanto, é
fundamental deixar claro que, em nenhum contexto ou idade, a criança deve ser
colocada como a principal responsável pelo pet - o acompanhamento e a
supervisão dos adultos são indispensáveis”, afirma Renata.
4.
Inclusão e senso de pertencimento
Segundo a
especialista, crianças que convivem com pets desenvolvem um olhar mais
acolhedor para as diferenças. “O animal tem necessidades próprias, utiliza
prioritariamente a linguagem não verbal e tem um jeito único de interagir. Isso
ajuda a criança a perceber que, para se relacionar, muitas vezes é necessário
ajustar-se ao outro. Mesmo que o pet não tenha limitações físicas ou não seja
adotado, essa convivência estimula uma visão mais inclusiva. Por serem de outra
espécie, com necessidades e formas de comunicação distintas das humanas, os
animais ajudam a criança a enxergar o mundo de maneira menos hierarquizada -
aprendendo a valorizar diferentes formas de existir, de se expressar e de se
comunicar”, diz.
5. Laços
afetivos seguros
A relação com o
pet oferece uma oportunidade única de estabelecer vínculos seguros. “O animal
não julga, não cobra e está sempre presente. Esse tipo de relação cria uma base
emocional positiva, que pode inclusive ajudar a reparar ou compensar outras
relações afetivas frágeis na infância. Além disso, também podem ajudar as crianças a lidarem com
separações familiares ou desafios escolares, incluindo o bullying. A presença
do pet pode trazer uma base segura em tempos de mudança, inseguranças e
perdas”, destaca Renata Roma.
Preparando
o coração para o adeus: como lidar com o luto infantil
Renata Roma também
é certificada pela American Institute of Health Care Professionals (AIHCP) para
oferecer suporte para crianças e adolescentes lidando com a perda de um pet.
Ela destaca que o luto por um animal de estimação costuma ser o primeiro
contato da criança com a morte – e, por isso, é uma experiência que pode marcar
profundamente. “Muitos adultos evitam falar sobre a morte com clareza, usando
frases como ‘ele foi embora’ ou ‘está dormindo’. Isso confunde a criança e pode
gerar medos desnecessários”, alerta a psicoterapeuta.
Segundo ela, o
melhor caminho é dizer a verdade com sensibilidade e clareza, permitindo
que a criança expresse sua dor. Criar pequenos rituais, desenhar, escrever
cartas ou montar um cantinho de lembrança são formas saudáveis de atravessar o
luto. “É essencial que o ambiente permita nomear os sentimentos, sem pressa
para superar. O luto não é algo que se apaga - é algo que se elabora. E ensinar
isso para uma criança é um grande ato de amor”, finaliza.
Atenção
aos limites
Apesar de todos os
benefícios, a psicoterapeuta reforça que a convivência entre pets e crianças
precisa ser orientada pelos adultos. “Essa é uma relação complexa que não está
imune a conflitos, especialmente quando o animal não corresponde às
expectativas da família ou da criança”. Renata acrescenta que “é importante
ensinar que o animal tem sentimentos, limites e precisa ser respeitado. Além
disso, os adultos devem supervisionar o contato, especialmente com crianças
pequenas, para garantir a segurança de ambos”, analisa.
Ela também alerta
para a importância de observar como a criança se comporta diante do pet: “Se
houver agressividade ou descuido, isso pode ser sinal de que ela está
expressando algo que não consegue verbalizar. O comportamento com o animal pode
revelar aspectos emocionais que precisam de atenção”, completa a
psicoterapeuta.
A convivência com
um pet, quando bem conduzida, pode ser uma grande aliada no processo de
crescimento emocional e social das crianças. Mais do que um “melhor amigo”, o
animal pode ser um espelho de cuidado, afeto e construção de vínculos saudáveis
- para toda a vida. Esses benefícios tendem a ser ainda mais evidentes em
famílias que tratam os animais como membros de fato, integrando-os ao cotidiano
e às dinâmicas familiares.
“Mais do que
simplesmente ter um pet, o fundamental é refletir sobre o papel que ele ocupa e
como é percebido pelos adultos ao redor. O conceito de famílias multiespécies -
no qual os animais participam de momentos como lazer, férias e celebrações -
tem ganhado espaço em pesquisas recentes e reforça como essa integração
contribui para que as crianças desenvolvam relações mais horizontais, empáticas
e menos hierarquizadas com o mundo à sua volta”, conclui Renata Roma.