Neste domingo (5), chegamos ao oitavo aniversário do trágico rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG). Esse episódio ficou mundialmente conhecido como um símbolo da irresponsabilidade ambiental e empresarial. Uma empresa estrangeira e outra brasileira destruíram o nosso meio-ambiente, a vida de pessoas e de comunidades pelo seu insaciável desejo por lucros. A lama tóxica percorreu mais de 600 km. Destruiu o modo de vida, a cultura, a religião, as casas e o emprego de 700 mil pessoas. Mesmo com o pagamento de uma indenização justa, muito do que foi destruído nunca mais poderá ser recomposto.
É necessário que os responsáveis pela tragédia paguem exemplarmente pelo que fizeram. Não podemos deixar que se esquivem de fazê-lo. É hora de se dar um basta a essa impunidade.
Agora, passados oito anos, a conduta das mineradoras BHP e VALE está sendo avaliada, discutida e será julgada pela Justiça inglesa que reconheceu a sua competência para apreciar a causa. O julgamento será realizado em outubro de 2024.
Desde que comecei a atuar na ação que corre na Inglaterra em nome das 700 mil vítimas brasileiras, presenciei, com horror e tristeza, as marcas deixadas por essa catástrofe. A ferida ainda está aberta na região da Bacia do Rio Doce. É impossível traduzir a destruição em números. Mas algo é indiscutível: a conduta da BHP e da Vale exigem a aplicação de duras sanções no Brasil, na Inglaterra ou onde mais for necessário. Se a irresponsabilidade se deu em território brasileiro, decorrente da ação de uma empresa estrangeira, a satisfação do que é justo não pode ser barrada por fronteiras.
Dentre as mais de 700 mil vítimas que promovem a ação inglesa estão comunidades quilombolas e indígenas, pessoas físicas, empresas, Municípios, entes públicos e instituições religiosas. O valor indenizatório chega a R$230 bilhões, uma quantia muito superior à que se discute no Brasil na tentativa de uma repactuação com as mineradoras. Esse valor não foi fixado de modo aleatório, sem qualquer demonstração probatória. Estudos detalhados e laudos periciais foram elaborados para fundamentar esse pleito.
Só que aquilo que é justo parece estar colidindo, no nosso país, com interesses estranhos. Temos visto algumas vozes se erguerem contra a ação promovida na Inglaterra, afirmando que ela “atrapalharia” a celebração da repactuação no Brasil. Atrapalharia a quem? Se o que se espera da repactuação sobre esse desastre é, no mínimo, a definição de um valor indenizatório justo a ser pago às vítimas autoras da ação na Inglaterra, por que elas seriam prejudicadas por uma decisão dos tribunais ingleses a seu favor, determinando que recebessem de indenização um valor muito superior ao que as mineradoras ensaiam pagar na repactuação? Pergunte-se então: a que interesses servem essas vozes? Certamente não são aos interesses do que é justo.
Enquanto se dispõe a pagar indenizações abaixo do que é devido no Brasil, fugindo das suas responsabilidades, as mineradoras acumulam derrotas em Londres. A BHP perdeu o recurso em que pleiteou o adiamento do julgamento. A Vale, incluída no processo a pedido da BHP, ao recorrer à instância superior, teve o seu pleito negado. Porém, com conclusão prevista para dezembro, as negociações para a repactuação no Brasil prosseguem sem transparência, distantes dos olhos do público e – pasme-se – das vítimas! Empresários, advogados, governos, políticos, órgãos da Justiça, todos têm sentado à mesa, em salas fechadas, menos... as vítimas! Ou seja: as vidas e as expectativas de centenas de milhares de brasileiros estão sendo negociadas sem que os interessados diretos possam participar ou saber o que se negocia em seu nome.
Que se diga então em alto e bom som: negar reparação integral às vítimas é renovar o crime praticado todos os dias. Por isso, no oitavo ano da tragédia de Mariana, a melhor comemoração que devemos fazer é lembrar que a BHP e a Vale devem ser responsabilizadas, no Brasil e na Inglaterra, para que paguem um justo preço pelo que fizeram. É necessário que as grandes corporações entendam que o Brasil não é uma república das bananas, em que tudo se pode fazer sem que se arque com as consequências.
Embora
os danos sofridos nunca possam ser integralmente reparados, a indenização que
deve ser paga às vítimas tem que ser justa, por mais que doa no bolso de quem
agiu irresponsavelmente. Que enfim paguem a conta pelo que fizeram. Afinal,
além da dimensão reparatória, essa indenização envolve uma dimensão pedagógica:
a lição de que nunca mais se repita, em nosso país, algo parecido.
José
Eduardo Cardozo - ex-ministro da Justiça, ex-advogado-geral da União, consultor
jurídico do Pogust Goodhead e sócio da Martins Cardozo Advogados Associados