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quarta-feira, 2 de maio de 2018

Lições da pobreza dos outros


Em 2004, circulou um polêmico relatório feito pelo Fórum Econômico Mundial com a afirmação de que a estagnação da África foi a maior tragédia econômica do século 20. O documento foi assinado por Elsa V. Artadi, da Universidade Harvard, e Xavier Sala-i-Martin, de Columbia, e trazia uma informação intrigante: em 1970, a África abrigava 10% dos pobres do mundo; em 2000, essa taxa era de quase 50%. O crescimento econômico foi tão reduzido que a maioria dos países ao sul do Saara estava em condições piores do que na época em que eles se tornaram independentes.

O relatório atribuía o fracasso africano aos seguintes fatores: conflitos militares; corrupção; desprezo pela lei; políticas fiscais indisciplinadas; infraestrutura precária; e baixo investimento em capital físico. E os autores declaravam: “Não deve haver dúvida de que o maior desastre econômico do século 20 é a performance deprimente do crescimento no continente africano”. O que isso tem a ver com o Brasil? Afora conflitos militares, todos os demais fatores causantes do fracasso africano estão presentes em nosso país.

Eis aí um cardápio de ingredientes que o Brasil deve combater a todo custo, sob pena de não superar a pobreza e o atraso. O Congresso Nacional, com 513 deputados e 81 senadores, deveria ser o foro adequado para debates inteligentes e avançados sobre os problemas nacionais, sobre o que está errado e quais reformas devem ser feitas para impedir que o país caia na síndrome do fracasso africano. O diagnóstico feito pelo relatório referido pode nos ensinar valiosas lições sobre o fracasso da África e quais os caminhos para não incorrermos nos mesmos erros.

Infelizmente, o Congresso Nacional tornou-se um valhacouto de mediocridades intelectuais e parlamentares desaparelhados para a discussão inteligente dos grandes temas nacionais. Um homem sem cultura e de parcos conhecimentos pouco tem a contribuir em uma discussão complexa na casa de leis. Não conseguido a grandeza, o Congresso fica reduzido a questões pequenas e comezinhas.

Desnecessário dizer que há políticos de alto nível, capazes de um diálogo com sabedoria. Mas esses, convenhamos, são tão poucos que eles somem no oceano de mediocridades. Não tem sido por outra razão que as questões relevantes votadas no parlamento tenham origem no Poder Executivo. Se um relatório de alto nível como esse do Fórum Econômico Mundial, rico em informações sobre as desgraças de um continente inteiro, é ignorado pelas elites políticas no poder mesmo sabendo que, em sua maioria, essas causas estão presentes no Brasil, a conclusão é de que a maior parte dos parlamentares não tem cultura e conhecimento para tratar de temas complexos.

O Brasil tem as principais condições para ser um país rico e com bom padrão de vida. Mas a apatia e a inércia, inclusive de boa parte dos intelectuais, diante das graves questões nacionais podem condenar o país a permanecer na pobreza e no atraso. O detalhamento do que aconteceu com o continente africano e a identificação das causas compõem um material de alta utilidade para a compreensão dos problemas e das políticas fundamentais para a superação do atraso e da pobreza. É lamentável que não utilizemos esse material a nosso favor.

Durante décadas, vingaram teses afirmando que há países ricos porque outros são pobres. Na América Latina, a cantilena entre os políticos era a de que somos pobres porque os Estados Unidos são ricos. Atualmente se sabe que isso é uma bobagem monumental, e gastamos tempo demais culpando inimigos externos por nossos equívocos e nossa incapacidade de entregar a nossos filhos um país sem pobreza e sem miséria.






José Pio Martins - economista, é reitor da Universidade Positivo.


Um novo marco para o transporte de carga no Brasil


O Brasil passou por significativas transformações em várias esferas nas últimas décadas, sobretudo após o plano de estabilização econômica implantado em meados dos anos 1990. Um dos setores de mercado que mais se reinventou nesse período foi o de veículos, incluindo aqueles voltados ao transporte rodoviário de carga, responsáveis pela movimentação de aproximadamente 60% da matriz produtiva nacional.

A economia interna e o poder de compra dos brasileiros recuperaram a dinâmica de crescimento do setor a partir da combinação de diversos fatores, como estabilidade da moeda, oferta de crédito e investimentos em infraestrutura, assim como privatizações e exportações de commodities, que aceleraram a implantação de inovações tecnológicas nas áreas de implementos rodoviários e suspensões dos veículos comerciais nos últimos 20 anos.

Por um lado, o crescimento exponencial do agronegócio e da mineração – sobretudo com produtos de grande vocação exportadora, como o complexo soja – demandou veículos de carga com maior produtividade, uma vez que a já saturada infraestrutura rodoviária nacional não acompanhou essa evolução. Por outro lado, os investidores da malha ferroviária brasileira recém-privatizada apresentaram uma nova possibilidade tecnológica de atender a crescente demanda por transporte de carga, por meio da maior integração entre os modais.

As inovações tecnológicas avançaram a partir de 1998, com a publicação da Resolução 68/98, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que regulamentou uma nova combinação de veículo de carga (CVC) com a elevação do Peso Bruto Total Combinado (PBTC), de 45 para 74 toneladas, sendo responsável por transformar intensamente o tipo padrão de implementos rodoviários em circulação no País, bem como suspensões utilizadas em veículos de carga.

Tal resolução provocou intensa renovação da frota brasileira por equipamentos anteriormente proibidos e/ou inexistentes, como o bitrem e o rodotrem. A partir de então, mudanças na legislação promoveram a criação de novas CVCs, bem como a alteração de tais tecnologias, o que demandou flexibilidade e agilidade para a implantação e a absorção das inovações tecnológicas.

Hoje outras tendências podem gerar impactos tão significativos como o visualizado a partir do final dos anos 1990. Uma delas é a recente ampliação do PBTC para 91 toneladas no Brasil, já regulamentada pela Resolução Contran 663/17, que deve representar um novo marco de alteração no padrão de CVCs utilizadas por grande parte do mercado, sobretudo os direcionados ao transporte de commodities minerais e agrícolas.

Com o incremento dos limites legais de carga ao longo das décadas, acompanhado pela elevação da massa transportada, a indústria deve estar atenta a trazer produtos e componentes amplamente testados, certificados e dotados de rigoroso controle de uso. Assim, usuários poderão ampliar a produtividade e obter reduções significativas de seus custos fixos, gerando maior competitividade ao produto e ao transporte do País. 

Esses e outros assuntos serão discutidos no 10º Colloquium Internacional SAE BRASIL de Suspensões e Implementos Rodoviários & Mostra de Engenharia, dias 23 e 24 de maio, no Hotel Intercity Premium, em Caxias do Sul, RS. Especialistas e formadores de opinião no setor participarão de painéis e apresentarão trabalhos técnicos, centrados em mostrar tendências que contribuam para a inovação tecnológica do transporte rodoviário no País.





Claude Domingues Padilha - gerente de Marketing e Gestão de Rede da Randon S.A. Implementos e Participações e chairperson do 10º Colloquium Internacional SAE BRASIL de Suspensões e Implementos Rodoviários & Mostra de Engenharia.


Desgaste do sistema tributário


Perdas bilionárias de arrecadação ocorrem resultantes de sistemas convencionais de impostos e contribuições


Cada vez mais a tecnologia digital e a globalização impactam negativamente os tradicionais modelos tributários ao redor do mundo. Perdas bilionárias de arrecadação ocorrem resultantes de sistemas convencionais de impostos e contribuições que não conseguem alcançar transações em um ambiente onde as economias estão cada vez mais integradas e comandadas por um intenso fluxo de bits and bytes.

  Tentando encontrar uma saída para a evasão crescente de recursos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstrou por meio de um plano de ação denominado “Addressing Base Erosion and Profit Shifting” preocupação com a erosão das bases tributárias dos países membros da entidade e propôs medidas visando enfrentar o problema. O foco principal diz respeito à necessidade de combater esquemas de planejamento tributário praticado por grupos econômicos que se aproveitam de lacunas normativas e assimetrias dos sistemas tributários nacionais para transferir lucros para países com tributação reduzida ou inexistente.

  No trabalho apresentado pela OCDE ainda prevalece a ideia de tapar buracos aqui e acolá para minimizar as perdas de arrecadação. Não se questiona a eficiência e a eficácia de uma estrutura tributária que podia funcionar em uma época onde predominava o nacionalismo e a tecnologia digital era algo meramente futurista.

  As bases tributárias convencionais envolvem uma tecnologia complexa, artesanal e contraditória frente à realidade da globalização e da economia digital. Exigem de cada pagador de impostos a autoapuração e o oferecimento de seus rendimentos à tributação e sua posterior submissão a auditorias para aferir a veracidade das informações. Nesse sistema a fiscalização exige o acompanhamento físico das transações econômicas, uma tarefa cada dia mais difícil e onerosa de ser realizada com sucesso. As transações eletrônicas, o comércio pela internet, a volatilidade e mobilidade de fatores, capitais, mercadorias e serviços tornam a tarefa quase impossível de ser concretizada por haver necessidade de fiscalizar e auditar um número incalculável de transações que se realizam a cada momento.

  O ambiente digital é uma realidade que faz com que inovações ocorram de modo cada vez mais rápido. Os fluxos de bits and bytes transportando dados, que antes impactavam fundamentalmente elementos intangíveis, hoje também afetam elementos tangíveis de modo extraordinário. Aspectos concretos, palpáveis, da atividade de produção são cada vez mais determinados pela era digital. Em seminário realizado ano passado, o especialista em finanças públicas da Fundação Getulio Vargas, Fernando Rezende, afirmou que o mundo atual é marcado pela virtualização das transações, caracterizado pela substituição das máquinas e outros ativos físicos pela capacidade intelectual; por amplas redes unindo fornecedores, clientes e até competidores; e que torna irrelevante a localização das plantas empresariais.

  No mundo comandado por impulsos elétricos a cobrança de tributos deve ser automatizada, incidindo diretamente sobre a moeda eletrônica que circula no sistema bancário. É um fato que irá se impor. É a forma de tributação que se ajusta ao ambiente digital e que é capaz de corrigir distorções como a predominância de informações assimétricas no sistema econômico e a sonegação.




Marcos Cintra - doutor em Economia e professor-titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo -EAESP/FGV e presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). 


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