Neurocirurgião Feres Chaddad explica como a prática impacta o cérebro e os caminhos para a prevenção
O futebol é considerado uma indústria global, que tem mais de um
quarto de bilhão de participantes ativos, o que o torna o esporte de
participação mais popular do planeta. Por essa razão, mais do que um fenômeno
que movimenta grande parte do mundo, a chegada da copa é também um momento
propício para repensar algumas dessas práticas esportivas. Os passes de cabeça,
conhecidos popularmente no meio como "cabeceadas", têm chamado
atenção de pesquisadores. Estudos científicos apontam que esta tática gera
risco de danos cerebrais a longo prazo em jogadores.
Um relatório britânico apresentado no Journal of Neuropsychology*
acompanhou 26 atletas aposentados, com idade média de 60 anos. Os participantes
passaram por ressonâncias magnéticas, tomografias, eletroencefalogramas
(mapeando a atividade elétrica cerebral) e avaliações neuropsicológicas,
observando o desempenho cognitivo. Os resultados dos exames dos antigos
jogadores tiveram alterações importantes nas estruturas cerebrais quando
comparados aos de pessoas que nunca jogaram futebol, sendo uma delas o risco
maior de encefalopatia traumática crônica.
"A encefalopatia traumática crônica é uma degeneração
progressiva de células cerebrais provocada por diversas e repetidas lesões na
cabeça. Esse problema pode causar diminuição de memória, lentidão em
pensamentos e ações, além de, em casos mais avançados, doença de Parkinson. No
caso do futebol, sabemos que o cabeceio' da bola faz parte das jogadas. No
entanto, há evidências que apontam que, ao longo dos anos, é possível que esses
impactos repetitivos no crânio elevem as chances de desenvolvimento de doenças
neurodegenerativas, especialmente entre os jogadores com carreiras mais longas
e aqueles que jogam em posições com a maior probabilidade de impacto na
cabeça", explica o Neurocirurgião Dr. Feres Chaddad, Professor e Chefe da
disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP e Chefe da Neurocirurgia da BP - A
Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Diante desses indicativos, a Associação de Futebol (FA) da
Inglaterra anunciou um julgamento para limitar e desestimular esse tipo de
passe nas escolas de futebol e partidas para atletas com menos de 12 anos. A
iniciativa tem objetivo de reduzir impactos e riscos desnecessários na cabeça,
visto que nessa faixa etária (até os 12 anos), o cérebro ainda está em
desenvolvimento (córtex pré-frontal, relacionadas às emoções, sociabilidade e
capacidade de regeneração), o que o deixa suscetível a danos futuros.
Buscar
novas estratégias, mais seguras e menos danosas, é o caminho para a prevenção
Além de ser um dos esportes mais populares, o futebol também é um
dos que mais investem em tecnologia na atualidade. Jogadores, sobretudo de
times maiores, são cada vez mais estudados e acompanhados, assim como contam
com partidas filmadas para que possam avaliar os erros e melhorar a sua
performance. A partir desse movimento, existe finalmente a possibilidade de
reavaliar as práticas esportivas e os passes, procurando estratégias que sejam
mais seguras e menos danosas, a curto e a longo prazo, sem perder os potenciais
benefícios para a saúde física e mental que o esporte oferece.
Outras intervenções mais amplas para preservar a saúde
do cérebro não devem ser esquecidas. É isso que orienta o artigo "Heading
in the right direction" da revista Nature*, publicado em agosto de 2022.
Segundo o estudo, apesar dos esportes serem ótimos para o físico, para o
emocional, para o cérebro e para o desenvolvimento humano em diversos aspectos,
exercitar a atividade cerebral de outras maneiras, por meio de atividades
intelectuais, é de extrema importância para auxiliar na prevenção às demências
e outros acometimentos neurológicos.
"Para um ex-atleta, que está apresentando problemas
cognitivos em seus 40 ou 50 anos, a possibilidade de neurodegeneração deve ser
considerada. Por isso, é muito importante que os órgãos reguladores do futebol
reconheçam que há uma necessidade de repensar maneiras de conseguir preparar os
jogadores, prevenindo potenciais riscos à sua atividade cerebral. O uso da
tecnologia a favor da saúde e da qualidade de vida dos atletas é um excelente
caminho para a evolução do esporte como um todo. Além disso, o foco não deve
ser apenas na projeção dos traumatismos cranianos, mas também em abordagens que
olhem para outros fatores de risco modificáveis, como a manutenção do peso
corporal e exercícios após pararem de jogar futebol; evitar o tabagismo e o
consumo excessivo de álcool; realizar triagens neurológicas e o acompanhamento
médico anual; entre outros", finaliza Feres.
Referências
1: Link
2: Link