Novo levantamento do CFM revela gasto per capita da
União, Estados e Municípios com ações e serviços de saúde desde 2008
R$ 3,83
ao dia: esse é valor per capita que o governo utiliza – em seus três níveis de
gestão (federal, estadual e municipal) – para cobrir as despesas com saúde dos
mais de 207 milhões de brasileiros. Esse é o resultado de uma análise detalhada
das informações mais recentes disponíveis, relativas às contas públicas do
segmento em 2019. Segundo cálculo do Conselho Federal de Medicina (CFM), a
partir de dados oficiais, naquele ano, o gasto por habitante com saúde em todo
o País foi de R$ 1.398,53.
As informações levantadas pelo CFM, com a consultoria da ONG Contas Abertas,
consideraram as despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS)
declaradas no Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde
(Siops), do Ministério da Saúde. Pela lei, cada ente federativo deve investir
percentuais mínimos dos recursos arrecadados com impostos e transferências
constitucionais e legais. No caso dos Estados e do Distrito Federal, este
índice deve ser de pelo menos 12% do total de seus orçamentos. No caso dos
municípios, o valor de base corresponde a 15%. Para a União, a regra prevê
aplicação mínima de 15% da receita corrente líquida, mais a correção da
inflação.
Segundo o apurado, em 2019, as despesas nos três
níveis de gestão atingiram a cifra de R$ 292,5 bilhões. O montante agrega a
cobertura das ações e serviços de aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde
(SUS), como o custeio da rede de atendimento e pagamento de funcionários,
dentre outras. Na avaliação do presidente da autarquia, Mauro Ribeiro, os
indicadores de saúde e as más condições de trabalho no setor revelam que os
valores gastos ainda estão abaixo do ideal.
Na avaliação dele, embora o número absoluto tenha
aumentado ao longo dos 12 anos avaliados pela autarquia – algo em torno de R$
85,8 bilhões –, o valor continua abaixo de parâmetros internacionais e tem sido
insuficiente para responder às demandas crescentes da população, impulsionadas
por mudanças nos perfis socioeconômico e epidemiológico.
“É preciso lembrar que o Brasil e o mundo enfrentam
hoje maior incidência de doenças crônicas, o envelhecimento da
população e o impacto crescente das causas externas (acidentes, violência,
etc.), o que têm gerado maior procura por produtos e serviços de média e alta
complexidade. Além disso, o aumento da população de desempregados, que fez com
que 3,5 milhões de brasileiros abandonassem os planos de saúde, especialmente a
partir de 2014, repercute na procura por atendimento em cuidados básicos e
ambulatoriais na rede pública”, afirmou o presidente do CFM.
Ribeiro acredita que, seja qual for a perspectiva,
é nítido o subfinanciamento do gasto público em saúde no Brasil. “A gestão
financeira do setor é um desafio crônico para os governos federal e estaduais e
será também significativo aos próximos prefeitos do País” avalia. Segundo ele,
sem recursos os gestores terão dificuldades para comprar equipamentos, realizar
obras e reformas, fazer a manutenção adequada dos estoques de medicamentos e
outros insumos.
“O
prejuízo atinge ainda a atualização da Tabela SUS, que há duas décadas não
passa por uma revisão ampla, fazendo com prestadores de serviço à rede pública
percam o interesse de manter seus contratos. Na prática, são menos leitos,
menos UTIs, menos médicos e mais tempo de espera por cirurgias eletivas,
consultas e exames. Ou seja, a população arca diretamente com as medidas
adotadas na esfera governamental”, acrescentou.
Estados reduzem participação no gasto com Saúde
Apesar do gasto médio per capita com saúde no País ser de R$
1.398,53, no ano passado, entre os 26 Estados esse valor varia de R$ 787,07, no
Pará, a R$ 1.770,29, em Roraima. Esses montantes resultam da soma de
recursos de impostos e transferências constitucionais da União a cada uma
das unidades federativas e do que é dispensado também pelos Estados e
Municípios, com recursos próprios para pagamento de despesas em Ações e
Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Essas despesas são voltadas para a
promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, a
princípios da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990).
Além de Roraima, tiveram valores per capita acima da média nacional apenas três
outros estados: Tocantins (R$ 1.601,18), Mato Grosso do Sul (R$ 1.514,14), e
Acre (R$ 1.390,59). Estados com alta densidade populacional e índices elevados
de desenvolvimento econômico apresentaram índices menores. São os casos de Mato
Grosso (R$ 1.390,59), São Paulo (R$ 1.353,23), Santa Catarina (R$ 1.339,33) e
Rio Grande do Sul (R$ 1.322,13). Na base do ranking dos gastos totais per
capita em saúde, além do Pará, surgem: Maranhão, com despesa total por ano de
R$ 832,81; Bahia (R$ 924,33); Ceará (R$ 989,06); e Paraíba (R$ 998).
Diferenciado – No caso do Distrito Federal, esse número tem um cálculo diferenciado
por conta do maior volume de recursos dispensados ao Ministério da Saúde, cuja
sede é em Brasília. No nível federal, uma despesa de quase R$ 39,6 bilhões foi
identificada em 2019 com a descrição “nacional”, que em parte reflete despesas
com pagamento de pessoal, além de itens que o Ministério da Saúde executa de
forma centralizada em benefício de todos os entes – como a compra de
medicamentos de alto custo, vacinas e insumos.
Além disso, a partir de 2015, o volume principal de pagamento de servidores
ativos da União passou a constar do volume de recursos do Distrito Federal (até
então carimbados como “nacional”). Dado o impacto na proporção do DF em relação
aos demais estados, a unidade não foi incluída no ranking elaborado pelo CFM.
Isso fez com que o volume de transferências da União ficasse em R$ 2.311,64,
quase cinco vezes o segundo lugar na lista (Roraima, com R$ 511,03).
Papel da União – O cálculo do volume de recursos enviados pela União aos
Estados e municípios para ajudar no custeio e no investimento em ações e
serviços de saúde é feito com base em critérios baseados nas necessidades da
população; nas dimensões epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas e
espacial; e na capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde. Além disso,
o rateio deve ter como objetivo a “progressiva redução das disparidades
regionais”, conforme estabelece a Constituição Federal.
Ao avaliar os dados disponíveis no Sistema Integrado de Planejamento e
Orçamento (SIOP), administrado pelo Ministério de mesmo nome, o CFM conseguiu
identificar o total dos repasses por Estado, no período (2008 a 2019). Depois,
dividiu esses números pela população residente em cada unidade da federação,
conforme estimativa do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE),
o que permitiu identificar o valor médio per capita dos repasses por Estado.
Ranking estadual – O segundo item da operação que permitiu ao CFM saber
exatamente o gasto per capita por Estado se baseia na análise dos valores
destinados especificamente a Ações e Serviços Públicos de Saúde descritos
nos orçamentos de cada Governo Estadual. Esses números integram relatórios que
bimestralmente são encaminhados à União por meio do Sistema de Informações
sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops). De acordo com o declarado,
os governos dos 26 estados e do Distrito Federal dispensaram, em média, R$
366,22 na saúde de cada habitante, a partir de seus recursos próprios (sem
contar com os repasses da União e os gastos de municípios). Treze estados se
colocaram abaixo desse patamar. Os piores desempenhos foram percebidos no
Maranhão (R$ 263,87), Bahia (R$ 272,04) e Pará (R$ 278,75). Na outra ponta, se
destacaram Distrito Federal, com per capita em saúde de R$ 1.260,79 ao ano,
seguido por Roraima (R$ 967,85) e Tocantins (R$ 772,17).
Municípios – Para fechar a conta da despesa per capita por unidade da
Federação, também se buscou saber qual o comprometimento orçamentário dos
municípios com essa responsabilidade legal. Nesse caso, foram analisadas as
informações oficiais das Prefeituras enviadas ao Ministério da Saúde, também
por meio do Siops.
A alimentação desse sistema é uma das condições, por exemplo, para que Estados
e municípios possam continuar recebendo transferências constitucionais e
voluntárias da União, como os Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb).
Dessa contabilidade dos recursos municipais, foram excluídos apenas Fernando de
Noronha (PE) e Brasília (DF), por terem configurações administrativas
específicas. Assim, somou-se o declarado por todos os municípios de um Estado e
dividiu-se o resultado pela população total. O resultado mostra que os 5.568
municípios que têm essa obrigação legal e administrativa responderam, em 2019,
por uma despesa per capita em saúde que ficou, em média, em R$ 441,88.
Por unidade, os melhores desempenhos médios foram percebidos entre os
municípios de São Paulo (R$ 652,70), Mato Grosso do Sul (R$ 611,90), Santa Catarina
(R$ 549,62), Mato Grosso (R$ 543,5) e Paraná (R$ 512,78). Já nas últimas
posições ficaram as médias das cidades do Amapá (R$ 166,31), Acre (R$ 200,78),
Maranhão (R$ 223,95), Pará (R$ 236,08) e Alagoas (R$ 264,22). Considerando a
média nacional, os municípios de 19 unidades da Federação ficaram abaixo do
parâmetro nacional.
Comprometimento – “Enquanto os municípios
brasileiros aumentaram gradativamente sua participação na composição das
despesas públicas, os Estados, aos poucos, têm retraído sua presença
proporcional nas contas da saúde”, avalia o 1º secretário do CFM, Hideraldo
Cabeça, ao observar o comprometimento dos percentuais do orçamento com o setor
entre 2008 e 2019.
Os municípios e os Estados ampliaram o gasto,
especialmente a partir dos anos 2000, com o estabelecimento da Emenda
Constitucional nº 29, que vinculou os recursos da saúde às suas receitas (12%
para Estados e 15% para municípios). Em 2008, as prefeituras assumiam 29% do
gasto total público, percentual que, em 2019, alcançou 31,3%. No mesmo
intervalo, no caso dos estados, eles respondiam por 27,6% das despesas,
percentual que caiu para 26,3%, no ano passado.
“No caso da União, essa vinculação, que na década
de 1990 chegou a ser responsável de 75% da participação do Estado com o gasto
sanitário total, no período analisado se manteve em torno de 43%”, complementou
o conselheiro.
Despesas em saúde aumentam nas capitais, mas não
resolvem problemas
A demanda pelos serviços do Sistema Único de Saúde
(SUS) tem pressionado cada vez mais as despesas dos municípios com saúde, em
especial nas capitais, que na maioria dos estados são as localidades com maior
população e ocupam a posição de referência no acesso aos serviços
assistenciais, em todos os níveis de complexidade. De modo geral, essa
sobrecarga sobre as prefeituras levou ao aumento do comprometimento percentual
dos orçamentos com a área.
“Com o aumento significativo do desemprego, especialmente a partir de
2015, muitos perderam seus planos de saúde, ampliando a demanda por serviços na
rede púbica. Como é de responsabilidade dos municípios a gestão plena da
atenção básica, as cidades estão ampliando gradativamente seus gastos para
compensar a redução do governo federal e manutenção dos gastos estaduais
estados”, destacou o coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, o Adriano Sergio
Meira.
Sobrecarregados – Para o conselheiro, grande parte dos municípios
brasileiros estão se vendo cada vez mais sobrecarregados, investindo, em média,
quase 30% de seus orçamentos na saúde. Segundo os dados oficiais só as despesas
municipais com recursos próprios aumentaram 53% entre 2008 e 2019, passando de
R$ 59,9 bilhões para R$ 91,5 bilhões, em valores atualizados pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor amplo (IPCA). No mesmo período, os gastos
federais e estaduais subiram 38% e 35%, respectivamente.
Em 2008, as prefeituras assumiam 29% do gasto público. Esse percentual em 2019
alcançou 31,3%. Já a União, que na década de 1990 chegou a ser responsável por
75% do financiamento da saúde no Brasil, praticamente se manteve próxima de 43%
nos últimos anos. No caso dos estados, o índice teve pouca variação no período,
oscilando entre 25,4% e 27,6% das despesas.
Capitais – Nos últimos doze anos, só as despesas das capitais com
recursos próprios aumentaram 52%, passando de R$ 15,2 bilhões, em 2008, para R$
22,9 bilhões, em 2019. No ranking, o destaque positivo no ano passado recai
sobre Teresina (PI), com um valor correspondente a R$ 703,76 per capita ano. Na
sequência, aparecem São Paulo (SP), com R$ 673,71; Vitória (ES), que dispensou
R$ 667,70; Campo Grande (MS), com R$ 615,94; e Cuiabá (MT), com R$ 596,97.
Os piores desempenhos foram registrados em Macapá (AP), com R$ 173,74; Rio
Branco (AC), com R$ 255,76; Salvador (BA), com R$ 275,56; Belém (PA), com R$
301,72; e Maceió (AL), com R$ 316,64. Considerando-se 26 capitais, à exceção de
Brasília, que possui uma especificidade administrativa que não permite esse
cálculo, a média nacional ficou em R$ 490,72 per capita aplicados pelas
Prefeituras em ações e serviços de saúde. Além dos cinco municípios com pior
desempenho, já citados, outros 13 não conseguiram superar esse parâmetro dentre
as capitais.
Menos de R$ 1,00 ao dia – Cerca de
2.200 municípios brasileiros gastaram menos de R$ 365 na saúde de cada
habitante durante todo o ano de 2019. Segundo a análise do CFM, o valor médio
aplicado pelos gestores municipais com recursos próprios em Ações e Serviços
Públicos de Saúde (ASPS) alcançou quase R$ 442 per capita naquele ano.
O levantamento mostra, por exemplo, que os
municípios menores (em termos populacionais) arcam proporcionalmente com uma
despesa per capita maior. Em 2019, nas cidades com menos de cinco mil
habitantes, as prefeituras gastaram em média R$ 809,25 na saúde de cada cidadão
– quase o dobro da média nacional identificada. Além disso, os municípios das
regiões Sul e Sudeste foram os que apresentaram uma maior participação no
financiamento do gasto público em saúde, consequência, principalmente, de sua
maior capacidade de arrecadação
Ranking nacional – Entre os mais altos valores per
capita naquele ano, estão os das duas menores cidades do País. Com menos de 840
habitantes, Borá (SP) lidera o ranking municipal, tendo aplicado R$ 4.350,79 na
saúde de seus munícipes. Em segundo lugar, aparece Serra da Saudade (MG), cujas
despesas em ações e serviços de saúde alcançaram R$ 3.262,41 para cada um dos
812 habitantes no ano passado. Na outra ponta, entre os que tiveram menor
desempenho na aplicação de recursos, estão duas cidades do Pará: Cametá (R$
69,72) e Muaná (R$ 77,44).