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Experimentos com camundongos e com humanos mostram que o treinamento aumenta no tecido adiposo a expressão de uma enzima-chave para a saúde metabólica do organismo, combatendo o efeito deletério do envelhecimento e da obesidade (imagens: Danilo Ferrucci e Bruna B. Brandão) |
Mais do que um simples reservatório de energia para períodos de
privação alimentar, o tecido adiposo desempenha papel central na regulação do
metabolismo. Para isso, libera diversas moléculas na circulação, incluindo
pequenos RNAs capazes de modular a expressão de genes-chave em diferentes
partes do organismo, entre elas fígado, pâncreas e músculos.
Já foi demonstrado que tanto o envelhecimento como a obesidade
podem comprometer essa produção de microRNAs reguladores pelo tecido adiposo e
favorecer o surgimento de doenças como diabetes e dislipidemia. A boa notícia é
que, de acordo com um novo estudo divulgado na
revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS),
tal processo degenerativo pode ser revertido pela prática de exercícios físicos
aeróbicos.
“Experimentos com camundongos e com humanos revelaram que o
exercício aeróbico estimula a expressão de uma enzima chamada DICER, que é
essencial para o processamento dos microRNAs. Consequentemente, observamos um
aumento na produção dessas moléculas reguladoras pelas células adiposas e uma
série de benefícios para o metabolismo”, conta Marcelo Mori,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(IB-Unicamp) e um dos coordenadores da pesquisa, apoiada pela FAPESP e
realizada em parceria com grupos das universidades de Copenhague (Dinamarca) e
Harvard (Estados Unidos).
Os experimentos foram conduzidos durante o pós-doutorado
de Bruna Brasil Brandão,
ex-aluna de doutorado de Mori que agora está em Harvard, no laboratório
coordenado pelo médico Carl Ronald Kahn. Os resultados
mostraram que, durante a prática aeróbica, ocorre uma comunicação cruzada entre
os tecidos muscular e adiposo por meio de moléculas sinalizadoras secretadas na
circulação. Essa troca de informações torna o consumo de energia pelas células
adiposas mais eficiente, possibilitando a adaptação metabólica do organismo ao
exercício e o ganho de performance muscular.
Os roedores foram submetidos a um protocolo de corrida em
esteira durante uma hora, por oito semanas. À medida que ganhavam
condicionamento físico, a velocidade e a inclinação da esteira eram aumentados.
Ao final, os cientistas notaram, além da melhora na performance, uma elevação
significativa na expressão de DICER nos adipócitos, que foi acompanhada de
redução do peso corporal e da adiposidade visceral.
Ao repetir o experimento com animais geneticamente modificados
para não expressar a DICER nas células adiposas, o grupo notou que o efeito do
exercício aeróbico foi bastante reduzido. “Os animais não perderam peso e nem
gordura visceral e não houve melhora no condicionamento. Além disso, notamos
que as células adiposas estavam usando o substrato energético de uma forma
diferente que a dos animais não modificados, deixando menos glicose disponível
para os músculos”, explica Mori.
Em humanos, seis semanas de treinamento intervalado de alta
intensidade (HIIT, na sigla em inglês) foram suficientes para aumentar em mais
de cinco vezes, em média, a quantidade de DICER no tecido adiposo. O efeito foi
observado tanto em voluntários jovens (em torno de 36 anos) quanto nos idosos
(em torno de 63 anos). Contudo, a resposta variou bastante entre os indivíduos,
sendo que em alguns deles o nível de DICER chegou a crescer 25 vezes e, em
outros, praticamente não mudou.
Mecanismo detalhado
O papel de DICER e do processamento de microRNAs no tecido
adiposo foi descrito pela primeira vez em
2012 na revista Cell Metabolism em trabalho
liderado por Mori enquanto fazia parte de um grupo internacional de
pesquisadores chefiado por Kahn. Nesse trabalho, observou-se que a expressão da
enzima diminuía no tecido adiposo de camundongos à medida que os animais
engordavam e que isso reduzia a longevidade. Descobriu-se ainda que o efeito
deletério da obesidade poderia ser revertido com a restrição de calorias.
Em 2016, na revista Aging, o grupo de Mori mostrou,
também em camundongos, que a restrição calórica preveniu a queda da produção de
microRNAs pelo tecido adiposo causada pelo envelhecimento, bem como o
desenvolvimento de diabetes do tipo 2. Na Nature, em 2017, os
pesquisadores comprovaram que os microRNAs produzidos pelo tecido adiposo caíam
na circulação e agiam em tecidos distantes, regulando a expressão gênica (leia mais em agencia.fapesp.br/24786/).
“Neste novo trabalho, vimos que o exercício aeróbico, assim como
a restrição calórica, consegue reverter a queda na expressão de DICER e na
produção de microRNAs graças à ativação de um sensor metabólico muito
importante: a enzima AMPK [sigla em inglês para proteína quinase ativada por
monofosfato de adenosina]”, diz Mori.
Segundo o pesquisador, esse sensor é ativado quando a célula
consome ATP (trifosfato de adenosina, a molécula que serve de substrato
energético para a célula) e surge um déficit de energia. Nos experimentos com
camundongos, observou-se que o exercício aeróbico ativou a AMPK nas células
musculares e isso, de algum modo, induziu a expressão de DICER nas células
adiposas.
“O óbvio seria que o efeito sobre a expressão gênica ocorresse
na mesma célula em que há o déficit energético, o que de fato acontece. Mas,
nesse caso, o sensor também é ativado no músculo e controla a resposta que
acontece no tecido adiposo”, explica.
Com o objetivo de confirmar a comunicação entre os tecidos, os
cientistas coletaram soro sanguíneo de um animal treinado e injetaram em um
roedor sedentário. Esse “tratamento” aumentou a expressão de DICER no tecido
adiposo. Em outro experimento, adipócitos em cultura foram incubados com o soro
de camundongos treinados e o mesmo efeito foi observado.
“Esse resultado sugere que existe uma ou mais moléculas na
circulação de indivíduos treinados capazes de por si só induzirem uma melhora
metabólica no tecido adiposo. Se conseguirmos identificar quais componentes são
esses, podemos investigar se eles também conseguem induzir outros benefícios do
exercício aeróbico, como a cardioproteção. E, no futuro, talvez possamos pensar
em transformar isso em um fármaco”, afirma Mori.
Buscando detalhar ainda mais o mecanismo de regulação
metabólica, os pesquisadores analisaram todos os milhares de microRNAs
expressos no organismo dos camundongos treinados e compararam com os
encontrados no animal sedentário.
“Identificamos uma molécula chamada miR-203-3p, cuja expressão
aumenta tanto com o treinamento quanto com a restrição de calorias, e mostramos
que esse microRNA é o responsável por promover o ajuste metabólico do
adipócito. Quando fazemos um exercício prolongado e o estoque de glicogênio do
músculo é consumido, sinais moleculares são enviados ao tecido adiposo. Nesse
momento entra em ação o miR-203-3p, que faz uma espécie de ajuste fino do
metabolismo do adipócito. Vimos que essa flexibilidade metabólica é fundamental
para a saúde e também para o ganho de performance”, explica Mori.
Quando essa modulação não acontece, acrescenta o pesquisador, o
adipócito aumenta seu consumo de glicose durante o exercício, deixando menos
substrato energético disponível para o músculo. Isso poderia levar a uma
hipoglicemia precoce, considerada um dos principais limitadores da performance
de atletas.
“No animal que não expressa DICER nos adipócitos, essa conversa
entre tecido adiposo e músculo não acontece. É um modelo que mimetiza o animal
envelhecido e também o obeso. Ou seja, quando DICER está diminuída, a saúde
metabólica é pobre e os processos degenerativos são acelerados”, diz.
A pesquisa contou com apoio da FAPESP por meio de diversos
projetos: (17/01184-9, 17/07975-8, 18/21635-8, 17/03423-0, 17/04377-2, 15/01316-7, 15/03292-8, 12/04079-8, 12/06238-6 e 10/52557-0).
Os resultados descritos na PNAS foram comentados na
revista Science no início de outubro.
O artigo Dynamic changes in DICER levels
in adipose tissue control metabolic adaptations to exercise pode
ser lido em www.pnas.org/content/117/38/23932.
Karina
Toledo
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-detalha-como-o-exercicio-aerobico-reverte-o-processo-degenerativo-que-leva-a-doencas-metabolicas/34542/