Opinião
Recentemente, durante uma palestra, o professor
lançou uma pergunta à 'queima roupa', para a plateia, na certeza de que
rapidamente a resposta viria: "o que você faz com excelência, ou seja,
aquilo que ninguém faz melhor do que você, que te confere uma marca?" Como
eu era a primeira da fila, fiquei olhando para ele com desespero imediato...
Logo, pensei, ele vai apontar para mim e terei que dar uma resposta! Mas o professor,
com uma generosidade absurda, continuou ajudando, "na gastronomia, na
costura, no desenho..." Pensando, creio eu, que me ajudaria, mas só piorou
a minha situação. Não conseguia me lembrar de nada. Foi quando pensei: será que
eu sou uma farsa? Não existe nada que eu faça muito bem?
A dinâmica atual da vida nos impele a fazer de tudo
um pouco - e essa multifuncionalidade nos afasta, pouco a pouco, da
sofisticação própria da especialidade. Se você fizer parte de uma equipe
diretiva escolar, então terá que transitar da pedagogia ao financeiro, passando
pelo jurídico, administrativo, contabilidade, construção civil, nutrição,
pediatria, enfermagem, etc. Quase que um pouco de tudo. Novamente, lá vem o
professor com a pergunta: “o que você faz, livre de dúvidas, algo que ninguém
faria melhor?” Entraria em crise, não fosse a tese defendida pelo Millôr
Fernandes e resgatada naquele momento, em pensamento, de que: "quem não
tem dúvidas está mal informado".
Com isso, não quero deixar uma fresta sequer para a
acomodação, todavia, quero trazer essa minha constante desconfiança diante
estado de excelência, por mim entendido como transitório, de passagem, ou ainda
melhor, um horizonte que, cada vez que conquistado, se afasta. Sendo assim, o
conforto da dúvida é próprio de todos aqueles que estão em movimento -
trabalhando, a serviço - e menos daqueles que detém as verdades, que se “acham”
excelentes.
No tempo da velocidade, da fluidez, do volume,
dormimos com uma realidade e acordamos com outra. Durante a nossa escolaridade,
nunca ninguém questionou o fato de que Plutão poderia não ser um planeta. Já
durante a escolaridade dos nossos filhos, em um ano se afirmou que era um
planeta e, no outro, deixou de ser... Logo, nunca foi tão necessário o cultivo
da curiosidade, característica humana que habita no nosso lado criança. É nesse
lado criança, também, que reside o viés perguntador, ousado, que se atira para
desvendar o que desconhece e que cria o que ainda não existe. Infelizmente, na
passagem para o ‘reino’ adulto, muitos de nós desabilitamos o lado criança e,
por consequência, as suas características humanas inerentes. Ora, desde quando
é passaporte para ser adulto apagar a criança que existe em nós?
Bom é crescer sendo criança, mantendo a leveza que
permite rir de nós mesmos e perguntar tudo o que não sabemos, sem medo dos
julgamentos alheios. A fase dos “porquês” não pode passar... deve ser eterna!
Nossas escolas ensinam mais a dar respostas certas que fazer boas perguntas e,
creio que isso precisaria ser revisto, pois tão importante quanto dar respostas
certas ou fazer algo com "excelência" é saber construir boas
perguntas para despertar novas dúvidas para humanidade. Foi assim que
aconteceram os principais avanços no mundo.
Acedriana Vicente Vogel - diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.
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