Em doenças genéticas raras, o tratamento combinado a fisioterapia é essencial para o progresso motor
A A terapia gênica vem ganhando destaque como uma
abordagem inovadora capaz de modificar o curso natural de doenças genéticas,
multifatoriais e até mesmo alguns cânceres. Essa opção terapêutica visa
corrigir problemas causados por genes defeituosos, seja substituindo o gene
defeituoso por um gene saudável, corrigindo diretamente o gene defeituoso ou
desativando um gene que está causando problemas.1 No entanto, para
que o potencial dessa terapia seja plenamente realizado, é crucial que ela seja
associada a cuidados multidisciplinares, principalmente em casos de doenças
genéticas raras. Um exemplo é a deficiência da descarboxilase de L-aminoácidos
aromáticos (deficiência de AADC), cuja combinação entre a terapia gênica e a
fisioterapia tem mostrado grandes ganhos motores, como o desenvolvimento da
marcha.
A A deficiência de AADC é um distúrbio genético que afeta a comunicação entre as
células do sistema nervoso devido à falta ou baixa produção de neurotransmissores
essenciais, impactando funções como coordenação motora, controle da dor,
comportamento e fluxo sanguíneo. Os sintomas, que podem surgir nos primeiros
meses de vida, incluem hipotonia (diminuição do tônus muscular), atraso no
desenvolvimento, crises oculogíricas (movimentos oculares involuntários),
convulsões e outros movimentos involuntários.2,3,4 "Nos
primeiros meses, já podemos notar alguns sinais, como a hipotonia, que deixa a
criança mais 'molinha', e atrasos no desenvolvimento motor, como a incapacidade
de firmar a cabeça ou rolar", explica Maria Angélica Zanquetta,
fisioterapeuta especialista em neurologia infantil.
DDe acordo com a especialista, a terapia gênica faz
com que os neurotransmissores passem a ser produzidos, porém, devido à
hipotonia, a criança ainda não passou pelos marcos do desenvolvimento, rolar,
engatinhar e andar. “É nesse momento que a fisioterapia se torna essencial para
garantir esses progressos motores”, explica a especialista.
AA fisioterapia intensiva, caracterizada pela alta
duração e intensidade, tem sido utilizada para promover ganhos rápidos de
habilidades em pacientes que receberam terapia gênica para o tratamento da
deficiência de AADC. “O protocolo que seguimos envolve um mês de fisioterapia,
terapia ocupacional e fonoaudiologia diárias, com sessões de três a quatro
horas. Após esse período, é feito um intervalo de dois meses. A partir desses
diferentes estímulos, a criança aprende coordenações motoras básicas que não haviam
sido adquiridas ou estavam estagnadas, como sentar-se, andar, engolir, mastigar
e falar”, afirma.
UUm exemplo que ilustra os benefícios dessa
combinação é a história da família Poulin. A filha do casal, diagnosticada com
deficiência de AADC, recebeu terapia gênica aliada a um intenso acompanhamento,
que incluiu fisioterapia e outras terapias de suporte. Assim, em alguns anos, a
menina que antes enfrentava grandes desafios motores, de desenvolvimento, além
de complicações respiratórias e convulsões, passou a realizar atividades que antes
pareciam distantes. Hoje, ela não apenas anda, mas também nada, fala, lê e
desempenha de atividades esperadas para a sua idade, mostrando que a combinação
de terapia gênica com cuidados adequados pode proporcionar um progresso
significativo e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com essa condição
rara.5
AApesar das evidências quanto aos benefícios gerados, Maria Angélica afirma que há desafios, como tornar a fisioterapia intensiva mais acessível para as pessoas afetadas, bem como de a prática ser mais adotada por outros profissionais.
EEla alerta ainda que a falta de profissionais de saúde especializados pode levar a orientações incorretas, já que a deficiência de AADC é de difícil diagnóstico, sendo confundida com outras condições, como a paralisia cerebral. “A conscientização dos profissionais é crucial para garantir as melhores práticas. Os fisioterapeutas precisam conhecer a doença para orientar corretamente. Pacientes com a doença devem realizar exercícios com peso moderado, garantindo avanços sem sobrecarga”, explica Zanquetta, que também reforça os benefícios do uso de uma vestimenta ortopédica, composta por colete, calções, joelheiras e sapatos conectados por elásticos ajustáveis. “Esse aparato melhora o controle dos movimentos, a força muscular e a coordenação, proporcionando suporte e resistência que facilitam a fisioterapia de forma eficaz e segura”, completa.
AADC
Referências
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(2017). Gene therapy: advances, challenges and perspectives. Einstein (são
Paulo), 15(3), 369–375. https://doi.org/10.1590/S1679-45082017RB4024
[2] Wassenberg T,
Molero-Luis M, Jeltsch K, et al. Consensus guideline for the diagnosis and
treatment of aromatic l-amino acid decarboxylase (AADC) deficiency. Orphanet J
Rare Dis. 2017;12(1):12. doi: 10.1186/s13023-016-0522-z
[3] Hwu WL, Chien
YH, Lee NC, et al. Natural history of aromatic L-amino acid decarboxylase
deficiency in Taiwan. JIMD Rep. 2018;40:1-6. doi: 10.1007/8904_2017_54.
[4] Lee WT.
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as epilepsy. Epilepsy & Seizure. 2010;3(1):147-153. https://www.jstage.jst.go.jp/article/eands/3/1/3_1_147/_article/-char/en.
[5] POULIN, Richard E. The
Journey of Beautiful Destinations. AADC News, 2022. Disponível em: https://aadcnews.com/the-journey-of-beautiful-destinations-richard-e-poulin-iii/. Acesso em: 29 ago. 2024.
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