No anteprojeto do novo Código Penal, podemos fazer uma distinção entre Assédio e Molestamento Sexual: O Assédio é uma investida sexual, repetida ou não, onde alguém faz insinuações, convites e tentativas de aproximação afetiva e sexual com alguém que não dá abertura e pede, repetidamente, que aquele comportamento seja interrompido. É uma tentativa de aproximação que causa desconforto a quem recebe, mas não tem uma imposição física no ato.
Já o Molestamento Sexual se caracteriza quando
alguém comete o que o código chama de “ato libidinoso”, como tocar, apalpar e
tentar forçar um contato sexual sem a reciprocidade da outra pessoa.
Recentemente houve um caso rumoroso em prédio comercial de alto padrão, em
Fortaleza, com a imagem filmada do homem tocando as mãos e depois os seios de
uma moça no elevador. Ela chorando copiosamente. Ele saiu indiferente ao efeito
do seu ato. A imprensa chamou isso de Assédio. Está errada. Isso foi um
Molestamento, uma Agressão Sexual. Os advogados do homem alegaram que ele
apenas tentou “alertá-la aos riscos do tabagismo”. Como é que é, cara pálida?
Dá para repetir?
O presidente Lula demitiu seu ministro Silvio
Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) no começo de Setembro por suposto
comportamento de assédio sexual, documentado e vazado por uma ONG, Me Too, que
o ministro defenestrado promete processar. Mas rumores sobre seu comportamento
circulam há meses pelos cantos de Brasília. A Imprensa noticiou que sua colega
e ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) também sofreu os tais “atos
libidinosos”, perpetrados pelo colega, com contatos e atos físicos não consentidos.
Mais impressionante foi o relato de uma professora, que relatou ter sido
bolinada “com vontade” debaixo de uma mesa em evento onde Silvio Almeida
sentou-se a seu lado, em 2019. Isso não foi Assédio. Se comprovado, é bem pior
que um assédio.
Quando uma pessoa faz uma denúncia de Assédio ou
qualquer crime sexual, vai se deparar com diversos tipos de agressão e
descrédito, tentando negar e minimizar a alegação feita. Talvez o efeito mais
cruel seja a própria pessoa que sofreu a agressão duvidar se aquilo ocorreu ou
foi “um exagero” de sua parte. Como no caso do agressor de Fortaleza, a reação
é de Negação: “Estava só ajudando a moça”, junto com a minimização - ela que
interpretou mal a preocupação do homem com a sua saúde. Finalmente, a manobra
antiga de culpar a vítima: “ela que estava com vestido curto”; “ela que
provocou” e assim por diante.
Quem já leu meus textos sabe da minha implicância
com a cultura Woke de vitimização e cancelamentos de pessoas e biografias por
suposto comportamento inadequado, ou de “direita”. Esse texto fala do assunto
pelo ângulo de quem sofre a violência. O ângulo da vítima, que ainda ouve que
deve “parar de mimimi”. Um ataque que a própria ministra recebeu é a divulgação
de troca de mensagens com Sílvio, de Agosto para cá, mostrando que eram amigos.
A insinuação é clara: se eu estava fazendo isso, por que ela é simpática nas
mensagens? Aí eu resolvi meter a minha colher nesse assunto.
As pessoas que sofrem abusos graves relatam com
estranheza uma culpa, por não ter reagido, não ter gritado, não ter esmurrado o
agressor, o assediador. Como a moça no elevador, que podia ter dado um chute
bem colocado no homem que apalpava seus seios. Ela apenas congelou e chorou
desconsolada. Mas botou a boca no trombone depois, ao contrário de muita gente
que prefere apenas seguir em frente e esquecer aquilo. Até para não passar pela
cascata de Negação e Culpabilização que, com certeza, virá. Mas, alguém pode
perguntar: Por que a professora demorou quase cinco anos para falar sobre o
assunto? Por que outras denúncias demoram anos ou décadas para vir à tona?
São vários os mecanismos, mas vou destacar dois
muito importantes: o Congelamento e a Dissociação.
Diante de uma situação de ataque ou violência,
nosso Cérebro pode entrar em modo de Luta ou Fuga, o que pode fazer uma pessoa
correr ou partir para cima de um agressor segurando uma arma. A resposta de
Congelamento, ou Freezing, é a da moça no elevador, ou da professora de Santo
André: não consegue mexer um músculo, só congelar. Depois de um tempo, pode se
perguntar: por que não revidei? Porque seu Cérebro, as áreas que processam o medo,
não deixaram. Bloquearam qualquer reação.
Outro mecanismo é a Dissociação. Diante de uma
situação de risco, que não tem como fugir, ou reagir, a mente pode cindir a
experiência, para não ter contato com o estresse extremo: é como se a vivência
fosse colocada numa gaveta, para ser vivida em outra ocasião. Essa é a
Dissociação. Algumas vezes, a experiência nem é lembrada. Já tive casos onde a
verdade veio à tona algumas décadas depois do ocorrido. A Memória é repelida e
isolada, como um corpo estranho, nas profundezas de nossas redes neurais. No
futuro, essas memórias encapsuladas podem dar origem a transtornos
psiquiátricos severos, como depressões graves, alcoolismo e abuso de drogas.
Esse é o mecanismo que isola a memória do abuso.
Quando o abusador é denunciado, temos uma enxurrada de novas denúncias, seja
porque a pessoa se sente amparada pelas outras vítimas, seja porque a memória
retorna com uma intensidade devastadora e não pode mais ser suprimida. Por isso
as vozes que se levantam todas em uníssono. A memória dissociada volta
berrando.
O trabalho com o Trauma é uma das vertentes mais
potentes na pesquisa Psiquiátrica e Psicológica. Entrevistas padronizadas sobre
experiências adversas e traumáticas na infância ou em qualquer período da vida
estão sendo espalhadas para profissionais de saúde, e não apenas da área Psi,
como Psiquiatras e Psicólogos. Espero que, com o tempo, seja da grade de
formação das faculdades.
É uma questão importantíssima de saúde pública, e
que bom que está sendo cada vez mais endereçada. Fatos como esse dão uma
visibilidade dolorosa ao assunto.
Agora, fica uma última e impertinente pergunta: não
fosse o grito de um Ministra de Estado, a reação teria sido assim rápida?
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