Imagem do Morro da Baleia, em São Sebastião, obtida por
meio do Google Earth com os escorregamentos destacados
em vermelho (crédito: Carlos Henrique Grohmann)
Inventário
identificou mil pontos de escorregamento de solo em São Sebastião; agora, os pesquisadores empregam método de sensoriamento
remoto com laser e outras variáveis para criar metodologia de maior precisão
São Sebastião,
município do litoral norte de São Paulo que ficou parcialmente isolado no
carnaval de 2023 após chuvas de volume recorde, tem mil pontos de
escorregamento de solo. O dado faz parte de um inventário realizado por
pesquisadores dos institutos de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
(IAG) e de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP) usando imagens
aéreas feitas logo após o desastre.
Com base nesse
levantamento, os cientistas estão agora analisando imagens com mais resolução –
obtidas com o emprego da técnica LiDAR – e fazendo um cruzamento com outras
variáveis para desenvolver um método capaz de identificar com maior precisão o
risco para novos deslizamentos. Sigla em inglês para Light Detection
and Ranging, LiDAR é um método de sensoriamento remoto que usa luz na forma
de laser pulsado para medir alcances (distâncias) da Terra, obtendo dados com
alta precisão.
“Em análise de
suscetibilidade, aplica-se o conhecimento disponível nas áreas que
escorregaram, juntamente com dados como relevo, geologia e outros, e depois
extrapola-se para outras regiões. Atualmente temos modelos digitais de elevação
com resolução espacial [tamanho do pixel] de 30 metros. Os dados LiDAR nos
permitem dar um passo além, com modelos de elevação de alta resolução [até 1
metro] e mais precisão”, conta o professor do IAG-USP e coordenador do
projeto Carlos Henrique Grohmann.
Modelos digitais de elevação com resolução espacial de 30m (à esquerda) e de 1m crédito: Carlos Henrique Grohmann) |
Para desenvolver o
trabalho, ele tem apoio da FAPESP
e parceria com o Instituto Geográfico e Cartográfico de São Paulo (IGC-SP), que
está montando um banco de imagens de laser de todo o Estado. É a primeira vez
que a comunidade científica tem acesso a dados LiDAR de toda a região da Serra
do Mar.
A previsão é que,
até o fim de 2025, seja possível ter essa nova metodologia com as áreas
suscetíveis de deslizamento, podendo ser usada em planejamentos e
desenvolvimento de políticas públicas no município.
Em fevereiro de
2023, São Sebastião decretou estado de emergência decorrente dos estragos
provocados por um volume de chuvas sem precedentes – foram 683 milímetros (mm)
em menos de 15 horas, enquanto a média mensal é de 300 mm. Pelo menos 60
pessoas morreram e centenas ficaram desalojadas, além das perdas de
infraestrutura e danos materiais. Estradas foram arrastadas ou bloqueadas,
causando dificuldades de transporte e locomoção.
Praia do Camburizinho, ao lado do Morro da Baleia, em São Sebastião; fotos de campo obtidas em 2023 (à esquerda) e em 2024 (crédito: Carlos Henrique Grohmann |
“O que ocorreu em São Sebastião no ano passado foi um evento atípico, fora do padrão. Mas sabemos que no verão há chuvas fortes, com quedas de encostas e morros. A questão é que agora temos áreas que estavam cobertas de vegetação e perderam essa proteção, ficando mais vulneráveis”, explica Grohmann à Agência FAPESP.
Estudos científicos já demonstram
que, com o aquecimento global, eventos extremos climáticos – como secas, chuvas
torrenciais, ciclones tropicais – serão cada vez mais frequentes e intensos. De
acordo com o Relatório Síntese 2023 do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a temperatura
global atingiu 1,1°C a mais do que a do período pré-industrial (1850-1900) e
deve aumentar 1,5°C na primeira metade da década de 2030. O ano passado é
considerado o mais quente da história do planeta, segundo a Organização
Meteorológica Mundial (OMM). Essa nova realidade demanda ações de prevenção e
planejamento com base nas informações atualizadas.
Em São Sebastião, o último levantamento divulgado pelo Instituto
de Pesquisas Tecnológicas (IPT) mostra que o município tinha cerca de 2.200
casas em 21 áreas de risco de deslizamento em 2018. O órgão foi contratado em
fevereiro deste ano pela prefeitura para atualizar esse mapa de risco após a tragédia.
Com um território de 402 quilômetros
quadrados e pouco mais de 81 mil moradores, o município tinha entre os bairros
listados à época pelo IPT Barra do Una, Juquehy, Barra do Sahy, Baleia,
Camburi, Boiçucanga e Itatinga – também atingidos pela chuva de fevereiro de
2023.
Novas ferramentas
Os deslizamentos são processos
geológicos comuns em regiões montanhosas, especialmente com clima tropical,
como na Serra do Mar, onde está localizado o município. Podem ocorrer em
diversas escalas espaciais e temporais, sendo um dos principais agentes de
erosão responsáveis por mudanças geomórficas de encostas.
Pelos efeitos destrutivos,
principalmente em áreas ocupadas de forma irregular, tornam-se foco de estudos
de identificação, caracterização, monitoramento e prevenção. “Existem análises
sendo realizadas por outros órgãos de governo. Também pretendemos comparar os
dados obtidos na pesquisa a esses oficiais”, completa o professor.
Os cientistas da USP estão usando
imagens de drone, modelagem em 3D e o sensoriamento por LiDAR, que permite, por
exemplo, determinar a altura dos objetos captados nas imagens por meio da
diferença de tempo entre o disparo e o recebimento dos feixes de laser lançados
de um avião.
Combinados com outros dados
registrados pelo sistema aéreo, geram informações tridimensionais sobre o
formato da Terra e particularidades da superfície, permitindo não só
caracterizar a estrutura da vegetação como “enxergar” o solo sem essa cobertura
vegetal. Isso permite, entre outros, avaliar a topografia do local sem a
influência da floresta ou de construções.
Além de determinar o comportamento
das áreas de escorregamento em São Sebastião, o grupo espera obter uma
caracterização morfométrica e avaliação de mudanças da superfície topográfica
em um escorregamento no bairro de Toque-Toque Grande (que vem sendo monitorado
desde 2010) e de pontos no Morro da Baleia e Sahy.
O inventário que mapeou os pontos de
deslizamento no município foi publicado na
sexta-feira (20/09) no Brazilian Journal of Geology. Os dados
ficarão disponíveis no Zenodo, um repositório de publicações e informações de
acesso aberto criado para facilitar o compartilhamento de dados e software.
Esse trabalho também foi apoiado pela FAPESP por meio de dois projetos (22/04233-9 e 19/26568-0).
O artigo Landslides of the
2023 summer event of São Sebastião, southeastern Brazil: spatial dataset pode
ser acessado em: www.scielo.br/j/bjgeo/a/JdQqXz7nP3BXr7bnv8Z6hnB/?lang=en.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/grupo-da-usp-usa-imagens-de-alta-resolucao-para-criar-modelo-que-preve-risco-de-deslizamento-no-litoral/52823
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