Da esquerda para a direita: Maria Cristina Domingues (IPT), Dora Kaufman (PUC-SP), Fausto Augusto Jr. (Dieese), Fabio Cozman (USP) e Anderson Rocha (Unicamp) (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP) |
Anúncio feito na Conferência Estadual de Ciência e Tecnologia expressa uma possibilidade de nacionalização de tratamentos médicos. Também foram debatidas no evento questões relacionadas à saúde mental e inteligência artificial
Na próxima sexta-feira (15/03)
começa em Ribeirão Preto, interior paulista, a seleção de pessoas com leucemia
interessadas em participar de um teste de avaliação de segurança e eficácia de
uma das formas de terapia celular chamada de CAR-T (sigla de receptor quimérico
de antígeno; o T se refere aos linfócitos T, um grupo de células brancas do
sangue).
Desenvolvida nos Estados Unidos
em 2017, e, no Brasil, desde 2019, pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) em colaboração com o Instituto Butantan
e apoio da FAPESP (projetos 13/08135-2 e 14/50947-7), essa técnica consiste na retirada de linfócitos do próprio paciente,
que são manipulados em laboratório e reaplicados no organismo. O objetivo é
preparar os linfócitos para identificar e eliminar células tumorais que não
foram detidas por outras terapias medicamentosas (leia mais em: agencia.fapesp.br/31656 e agencia.fapesp.br/38914).
O médico hematologista Diego
Clé, da FMRP-USP, anunciou o teste e expôs suas expectativas com essa forma de
terapia celular na última quinta-feira (07/03) durante a sessão “Grandes
desafios na área da saúde” na Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e
Inovação (CECTI), que termina sexta-feira (08/03) na Secretaria Estadual de Ciência,
Tecnologia e Inovação, na capital paulista. O objetivo do encontro é preparar
as sugestões e contribuições do Estado de São Paulo para a 5ª Conferência Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que será realizada entre 4 e 6 de
junho, em Brasília.
Com apoio da FAPESP e do
Ministério da Saúde (MS), deverão participar da terapia CAR-T 81 pessoas com
leucemia e leucemia linfoide aguda que não responderam a outras formas de
tratamento. Os pacientes serão atendidos inicialmente no Hospital das Clínicas
de Ribeirão Preto.
Clé comentou que 20 pessoas já
foram tratadas previamente com as células preparadas no Núcleo de Terapia Celular Avançada de
Ribeirão Preto (Nutera-RP, um Centro de
Ciência para o Desenvolvimento da FAPESP), em alguns casos com bons resultados.
“Essa forma de terapia celular pode mudar a forma de tratamento de leucemias
resistentes, mas o custo é quase proibitivo para um país como o nosso”,
comentou. O tratamento por paciente pode chegar a R$ 2 milhões, com
medicamentos importados ‒ a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
já aprovou três para uso no Brasil.
“O produto nacional vai custar
um sexto do importado”, estimou o médico infectologista Esper Kallás,
diretor do Butantan, em sua apresentação. Isso deverá ocorrer porque os custos
de produção serão menores. “Sem esse tipo de solução, o SUS [Sistema Único de
Saúde] quebra.” Kallás enfatizou a necessidade de expandir a produção de
vacinas, medicamentos e insumos farmacêuticos no Brasil. “Temos infraestrutura
e boas cabeças, mas ainda muitas travas burocráticas e dificuldade de dar
continuidade aos investimentos”, afirmou.
Por sua vez, o psiquiatra Jair Mari, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressaltou as
perspectivas da saúde mental, outro tema debatido na tarde de quinta-feira.
“Por causa do desmonte do sistema para cuidados imediatos e casos graves, mesmo
em uma cidade como São Paulo haveria dificuldade para internar uma pessoa que
teve uma crise aguda”, comentou. “Onde está a falha? Na falta de leitos em
enfermarias de hospitais gerais.”
A seu ver, a prioridade das
políticas públicas nessa área deveria ser a saúde mental na infância e
adolescência, quando emergem os distúrbios mentais. “A depressão aparece na
adolescência, principalmente entre meninas”, disse. Outra sugestão foi a
disseminação dos programas de identificação e prevenção de transtornos mentais
em escolas.
Durante a primeira sessão da
tarde também fizeram apresentações Guilherme Polanczyk, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e a
geneticista Carolini Kaid, da startup Vyro.
Impactos
da IA
O sociólogo Fausto Augusto Jr.,
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), falou na segunda parte da tarde, durante a sessão “Transição digital
e inteligência artificial”. Ele comentou que a inteligência artificial (IA)
amplia o impacto causado por outras grandes mudanças tecnológicas, como a indústria
4.0, ao intensificar a precarização do trabalho, flexibilizar a jornada e os
contratos de trabalho, reduzir a oferta de empregos (principalmente os de
tarefas repetitivas), enfraquecer organizações coletivas como os sindicatos e
dificultar a construção de identidades profissionais.
“A IA, como antes as mudanças
causadas pelo fogo, a agricultura e a indústria, tem o potencial de nos alterar
como trabalhadores, cidadãos e seres humanos”, comentou. “Ampliaremos nossas
desigualdades sociais se pensarmos que o mercado vai disciplinar a transição
tecnológica.” Para ele, a negociação entre as empresas e os trabalhadores seria
uma das formas de amenizar o impacto das novas tecnologias.
“Vivemos um momento de euforia
excessiva na IA, parece que tudo vai dar certo, mas os programas ainda podem
alucinar e passar informações falsas”, observou o engenheiro eletricista Fabio Cozman, da Escola Politécnica da USP. Ele foi um dos autores do documento “Recomendações para o avanço da
inteligência artificial no Brasil”, lançado
em novembro de 2023 pela Academia Brasileira de Ciências (ABC).
A seu ver, o projeto de lei
sobre IA, em discussão no Congresso Nacional, “talvez seja excessivamente inflexível”,
comentou. “Seria melhor deixar os próprios órgãos elaborarem suas políticas,
como já fez o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] para as eleições.”
A economista Dora Kaufman, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por sua vez, propôs que
o Estado de São Paulo deveria criar um órgão para liderar as propostas de
regulamentação do uso da IA, diagnosticar as aplicações, os riscos para os
usuários e criar uma espécie de “framework de governança”. Segundo ela, esse
framework incluiria as informações a serem exigidas dos gestores de
programa de IA e o monitoramento dos riscos para os usuários.
Outros palestrantes da segunda
sessão da tarde foram o cientista da computação Anderson Rocha, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), e a analista de sistemas Maria Cristina Domingues, do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT).
O vídeo com as duas últimas sessões de quinta-feira pode ser acessado em: www.youtube.com/watch?v=cDRUhdyKs0U.
Carlos Fioravanti
Revista Pesquisa FAPESP
https://agencia.fapesp.br/usp-de-ribeirao-preto-inicia-teste-de-terapia-celular-contra-o-cancer/51055
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