Não é de hoje que o Brasil evoca a época das capitanias hereditárias, período em que os donatários e seus familiares possuíam todos os direitos e privilégios enquanto os demais - quase totalidade da população - viviam como vassalos condenados a uma existência de necessidades e modernamente hoje denominados de classe D e E. É triste, porém verdadeiro. Nossa nação parece sentenciada a assistir sempre à repetição que já nos tirou do mapa do desenvolvimento socioeconômico e humano e nos levou ao atraso de mais de 30 anos. Um ciclo nefasto que somente será rompido com uma ampla e inadiável reforma.
Isso nos remete à histórica frase de Karl Marx,
segundo a qual “a história repete-se sempre, pelo menos duas vezes, a primeira
como tragédia, a segunda como farsa”. O Brasil de hoje vive uma situação
lastreada em mentiras e atos corruptos dos donatários do século XXI.
A se julgar pelo momento que vivemos e pelos sinais
do governo que já completa o seu primeiro ano com indicadores das ações
prometidas em campanha bem aquém do esperado. Nenhuma referência a metas
de redução de desperdícios e das benesses ou ao combate efetivo da corrupção em
todos os níveis, mas sim, no esforço predominante para obter de R$ 160 a R$ 180
bilhões para os gastos extras, ou seja, desconsidera-se que isso significa
adquirir mais dívidas bancárias e pagar mais encargos financeiros anuais
superiores à 10% a.a.
Além disso, não se firmou qualquer compromisso para
a redução do déficit fiscal brasileiro no presente exercício. Observa-se uma
descoordenação evidente entre o atual Presidente e o Ministério da Fazenda,
caracterizada pela ausência de consenso, divergência de linguagem e os
pronunciamentos presidenciais são capazes de desvalorizar os esforços empreendidos
pelo Ministro da Fazenda e pelo Congresso Nacional, na busca pela credibilidade
do comprometimento coeso e unânime do governo com a disciplina orçamentária.
Pelo contrário. Para acomodar, aglutinar e, claro,
recompensar os líderes políticos e partidários, será necessário onerar ainda
mais o orçamento, elevando o já gigantesco custo da máquina pública por meio de
brutal incremento do número de ministérios, que passaram de 23 para 37 e já em
estudos para 38 (Segurança Pública). Não é demais lembrar, ainda, que o
novo governo apoiou e negociou a alteração da Lei das Estatais para permitir
que políticos, até então impedidos pela lei vigente, pudessem ser nomeados, e
remunerados com os maiores vencimentos do serviço público.
O Brasil caminha por estradas tortuosas há décadas
e não tem mais tempo a perder. Somente uma reforma política pode evitar a
perpetuação do desastre. É premente rever o instituto da reeleição, proibindo a
recondução no Executivo e garantindo um mandato maior do que o atual, de forma
a possibilitar a conclusão dos programas de governo. Tornar imprescritíveis os
crimes contra a administração pública.
Tal reforma, contudo, não será hábil se não for
proibida a formação de chapas para o Senado, para os governos estaduais e para
a Presidência da República com familiares dos candidatos figurando como
suplentes e vices. É preciso também aumentar o período de quarentena para
membros do Judiciário e do Ministério Público que deixam o cargo para se
candidatarem a cargos públicos.
Para coibir o “toma-lá-dá-cá” e a “farra dos
suplentes”, a reforma poderia limitar (talvez a 10%) a nomeação de
parlamentares para Ministérios, Secretarias de Estado ou Secretários de
Municípios, ou exigir que parlamentares renunciem aos cargos se quiserem ocupar
pastas no Executivo.
A ética e a moralidade recomendam, ainda, que os
cargos de diretores e conselheiros de empresas estatais somente possam ser
ocupados por ex-presidentes, ex-governadores e ex-prefeitos após o cumprimento
de um afastamento de 10 anos, contados do fim do cargo eletivo. Além disso, os
membros dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios deveriam
ser escolhidos exclusivamente por meio de concurso público.
Para aperfeiçoamento da democracia, a reforma
deveria abranger a exigência de ficha limpa para os cidadãos que desejem se
filiar a algum partido político, condição estendida a candidatos a cargos públicos
eletivos do Executivo e do Legislativo.
Um país com falta de recursos para investimento em
setores básicos precisa redimensionar os Fundos Partidário e Eleitoral,
estabelecendo limites financeiros compatíveis com a realidade da Nação e
definindo novos critérios de distribuição, tornando-os mais democráticos e
transparentes, ao contrário de hoje, em que os dirigentes de partidos gozam de
enorme poder graças à esfera discricionária de distribuição de recursos. O
ideal, ainda, seria que coligações e federações partidárias somente fossem
homologadas mediante a apresentação de programas de governo e/ou de metas,
atualmente ignorados.
Em outra esfera, é necessário também estabelecer
limites ao Poder Judiciário, sem tolher sua autonomia constitucional, mas vedando
a manifestação fora dos autos e a concessão de entrevistas sobre temas ainda
não transitados em julgado, bem como reduzir as decisões monocráticas. Pelo
contrário. Ninguém se compromete em acabar com a reeleição nem em combater
efetivamente a corrupção, mal antigo que onera e envergonha o país, arruinando
o sonho das futuras gerações. A leniência com que a questão é tratada e os maus
exemplos transmitem a imagem de que não vale a pena estudar e trabalhar porque
o crime compensa.
Não haverá evolução, não existirá aprendizado se o
país insistir nos mesmos erros em vez de corrigi-los, e se os brasileiros
continuarem acreditando em discursos fáceis e sem profundidade, iludindo-se com
a promessa vã de que as soluções para tudo serão trazidas por um ou outro
político.
Convém meditarmos sobre o que ensinou o economista
e filósofo político norte-americano Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o
impossível somente os mentirosos podem satisfazê-las".
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