Por dia, no Brasil, nascem aproximadamente mil
bebês filhos de mães adolescentes. Independentemente de onde ou como vivem, há
pensamentos e emoções compartilhadas por todas essas jovens mulheres que vivem
o gestar. ”Será que estou? O peito foi mudando, a barriga foi crescendo — fiz o teste e aí veio
o baque”, “escondi da minha mãe por uns três dias”, “primeiro a gente acha que
a vida acabou, mas depois vê que é só um começo”.
As vozes de 1.177 mulheres de cinco regiões do país foram ouvidas pelo Projeto Adolescentes Mães. Liderado pelo Hospital Moinhos Vento por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde, o estudo apresentou os resultados finais em Porto Alegre, em evento que tratou sobre os impactos da gestação na adolescência no Brasil.
“Os resultados que alcançamos com o estudo demonstram uma premissa simples: precisamos falar mais sobre gravidez na adolescência ainda em 2023/2024 e olhar para as mães adolescentes. Hoje temos o dobro dos nascidos vivos destas jovens em comparação a países desenvolvidos”, destacou o pediatra Tiago Dalcin, líder do projeto Adolescentes Mães do Hospital Moinhos de Vento.
A população avaliada foram meninas
de 10 a 19 anos de idade, bem como seus filhos, em comparação a mães adultas de
20 a 29 anos. O objetivo do projeto foi avaliar o perfil biopsicossocial
(trata-se de uma abordagem multidisciplinar que considera dimensões biológicas,
sociais e psicológicas) dessas mulheres.
Resultados
Para o estudo foram consideradas 1.177 mulheres, sendo 49,5% adolescentes – das quais 2,12% são meninas que foram mães entre 10 e 14 anos – e 50,4% adultas.
A média de idade de participação das adolescentes no estudo é de 17 anos. De mães adultas, é de 24 anos. A maioria das participantes se considera parda – 62% das adolescentes e 57,2% das adultas.
Há uma prevalência de mães solteiras. Entre as mães adolescentes, a estimativa é de 88,5%, e entre as adultas, de 73,7%.
No que diz respeito à escolaridade, a maioria das adolescentes – 38,2% – têm Ensino Médio incompleto. Entre as adultas, esse percentual é de 59,7%. Tanto as adolescentes (48,7%) como as adultas (62,2%) estão, em maioria, desempregadas.
A idade média da primeira relação
sexual das mães adolescentes foi de 14 anos, com a primeira gestação aos 16. Já
entre as mães adultas, a primeira relação foi por volta dos 16 anos, com a
primeira gravidez aos 22.
20,4% das mães adolescentes afirmaram não saber
como evitar filhos. A maioria (64,49%) engravidou sem querer. Entre as adultas,
a maioria (58%) engravidou porque queria ser mãe, e 51,5% engravidou sem
querer.
De acordo com o estudo, a ausência
de educação e de informações sobre sexualidade são fatores que contribuíram
para a gravidez não planejada em 21.3% dos casos das mães adolescentes.
No caso das mães adolescentes, 25% foi abandonada pelo cônjuge ao descobrir a gravidez e 10% não manteve vínculo com o pai do filho. Entre as mães adultas, isso aconteceu com 15,4%, e 4,3% não manteve contato com o pai.
67% das mães adolescentes não estavam estudando quando o filho nasceu e 79% não estavam estudando no momento da entrevista. Para a maioria das meninas mães, uma das principais consequências da maternidade foi o abandono do estudo.
A mudança impactou também a vida social das meninas: 65% consideram a vida mais difícil, 58% perderam amigos após a gestação e 17% consideram que a gestação foi o pior período da vida.
Além dos impactos emocionais e sociais, o estudo identificou que o impacto econômico da gestação na adolescência é de mais de R$ 1,2 bilhões, recursos que poderiam ser realocados em estratégias para prevenção de gestação nesta faixa etária
Os dados foram coletados entre
agosto de 2022 e maio de 2023.
Conclusões
- O estudo permitiu compreender que a gestação
na adolescência impacta diretamente nos níveis socioeconômicos,
especialmente se tratando do nível de escolaridade e perspectivas de
futuro das mães adolescentes.
- Ao compreender os motivos que levam à
gestação na adolescência, identificou-se um abismo entre ser um projeto de
vida, um desejo de muitas meninas e a falta de conhecimento e informação
sobre uma educação abrangente em sexualidade.
- É necessário ampliar o acesso dos
adolescentes aos serviços de Atenção à Saúde do SUS, a fim de promover uma
educação abrangente em sexualidade para reduzir os índices de gestações
precoces no país.
- As mães adolescentes demandam um olhar
diferenciado dos profissionais de saúde e das políticas públicas no
contexto da gestação, visto que 20% apresentam diagnóstico de ansiedade e
depressão e demonstram prejuízos psicossociais.
- A escolaridade incompleta agravou as
dificuldades socioeconômicas.
- Mães adolescentes apresentaram maior
prevalência de desnutrição e ansiedade pré-gestacional.
- A taxa preocupante de repetição gestacional
de 20%, associada ao menor uso de contraceptivos ressalta a necessidade de
intervenções para prevenir gestações não planejadas.
- Entre as complicações gestacionais, a anemia
foi a mais observada em mães adolescentes, o que pode ter sido decorrente
de consultas pré-natais tardias e em menor número e de condições de saúde
prévias.
- Não foram identificadas complicações
significativas nos recém-nascidos de mães adolescentes, indicando que,
apesar dos desafios, não houve impactos substanciais nos bebês na amostra
coletada no presente estudo.
Adolescentes Mães
O projeto Adolescentes Mães é o nome breve do
Projeto Vulnerabilidades da Gestação Precoce no Brasil: impactos na mãe
adolescente e na criança liderado pelo Hospital Moinhos Vento por meio do
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde
(Proadi-SUS) do Ministério da Saúde, avaliou o perfil biopsicossocial das
adolescentes mães e das mães adultas.
“A gente teve o cuidado de entrar na trajetória de vida de cada
menina e mulher durante o projeto”, relatou a enfermeira e pesquisadora do
projeto, Daniela Guaranha.
Para isso, foram analisados os níveis de
ansiedade e depressão, os fatores de risco associados à gravidez na
adolescência, as complicações gestacionais e as características de
desenvolvimento dos bebês nascidos das duas populações avaliadas. Também foi
realizado um estudo econômico que considerou os custos de gestação, ou seja, o
impacto orçamentário da gestação da adolescência também pela perspectiva do
Sistema Único de Saúde (SUS).
O projeto também se propôs a criar um material
educativo relacionado ao tema que pudesse impactar nos dois lados, tanto em
profissionais de saúde como nos adolescentes do país. Além de cartilha,
videoaula e podcast, o projeto produziu um documentário em formato de série com
4 episódios, intitulada Menina-Mãe. Esta série ainda dará origem a um filme
curta-metragem.
Menina-Mãe
Meninas nativas de Porto Alegre (RS), Rio de
Janeiro (RJ), Campo Grande (MS), São Luís (MA) e Manaus (AM) — cidades
escolhidas para representar as cinco regiões do Brasil — participaram de uma
produção audiovisual com quatro episódios: Aconteceu Comigo; Corpo mundo;
Primeiro Olhar e Mãe-Menina. Ainda não há data de estreia para o material.
O líder do projeto Tiago Dalcin esclarece que os
materiais dão voz aos números. “Profissionais de saúde e adolescentes de todo o
país poderão ser impactados com essa realidade por meio dessas histórias”,
explica.
Para Carmem de Souza, pedagoga e consultora técnica do projeto,
falar de educação no meio da saúde é um desafio. “Quando fazemos uma pesquisa
não queremos que ela fique apenas na seara científica, queremos que todos
tenham acesso”, ressalta. “Não foi fácil para as meninas falarem, não foi
simples conseguir o aceite. Elas estão aprendendo a ser mães ainda jovens,
ainda meninas, é uma realidade doída que tentamos traduzir de uma forma branda e
emocionante”, conta.
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