O homem está diante
da mulher. Tomado de encanto, o homem olha a mulher
que dorme. Arrebatado por um afeto meigo, põe-se
confortável e observa. Há
bom tempo está ali, absorto, extasiado a contemplar.
Não há paixão, não há
desejo, há uma ternura delicada. Um ímpeto lhe dirige
a mão, levando-a ao
rosto tão bonito, descansado pelo sono. Contém o
gesto. Tocá-la seria quebrar
o encanto, o carinho é não a tocar. O carinho é só
olhar.
A mulher acorda. Levemente acorda. Seu
olhar diz nada, embora sorria como
criança acariciada. O homem a admira, a mulher se
sente admirada. Os olhos
se vão acendendo, senta-se na cama, põe-se, também, a
olhar. Pergunta um
delicado “Que é, não consegues dormir?” “Conseguiria,
estou cansado”, disse
o homem, “mas não quero; quero te contemplar”. “Que
lindo”, disse a mulher,
“é tão gostoso acordar assim, com a meiguice ao
lado”.
O homem não fala, fica no silencioso
tomar conta do que pensava. Sereno por
todo o corpo, não quebrará a paz, não quer falar. Não
fala. A mulher entende. A
mulher parece entender, mas está a imaginar o que se
passa. Perscruta o que
vai pelos devaneios do homem. Súbito se inquieta:
“Que pensas? Pareces
longe, noutro lugar”. O homem retorna, e diz como se
dissesse para si mesmo:
“Eu não sei onde estava, mas talvez vá para lá”.
Tarde da noite, outra vez o silêncio do
homem, outra vez o quer saber da
mulher. Mas seria de perguntar? Melhor não, algo de
estranho se esboçava no
ar. Podia ser nada, mas se via que havia distância na
fala, ou no jeito de falar.
“Eu te amo muito, nunca amei alguém tanto assim. Tu
és a melhor amiga, a
única pessoa amiga, uma pessoa com quem sei que posso
contar”, disse o
homem. A mulher entendia que devia entender alguma
coisa. Não entendeu,
mas não se consentiu perguntar.
“Somos bons amigos. Nunca tive tanto
apego, nunca quis tanto alguém. Vou
embora”, seguiu o homem. Já não cabia calar. “Amor,
amigo, embora?”,
balbuciou a mulher. “Amor”, disse o homem, “um amor
que me enche o
coração, onde mora a minha amiga, a amiga que me toca
tanto. Precisas,
amiga, que eu me vá. Preciso eu me ir. O amor que
sentes, o amor que sinto
não é o de ficar. Faltam as vontades do começo, falta
a paixão. Temos outro
amor: admiração, entendimento, gratidão”.
Abatimento, lágrima, compreensão. Alívio,
medo. Silêncio, olhar meditativo da
mulher. “Eu sei, também me falta o início. Mas tenho
medo de me desgarrar
das coisas da nossa vida, de te não ter e de não me
encontrar. Fascínio do
chamado a ir; temor da incerteza a querer ficar. Mas
eu sei companheiro
querido, amigo de conversar. Eu sei, esse nosso amor
é de jornada ao fim, é
amor de recomeçar”. Silêncio, e nem cabia qualquer
palavra. Se faltou dizer
algo, foi dito com um sorriso ou com um olhar.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário