O Netflix tem um documentário de 2021, “Federer x Fish “. O lendário tenista Roger Federer aparece no título para captar cliques, porque o filme é, na verdade, sobre a vida, trajetória e queda de Mardy Fish, um tenista americano de bom nível e bons momentos na carreira, mas que acabou sendo uma espécie de Rubens Barrichello do Tênis.
Por que estou dizendo isso? Rubinho Barrichello foi
um excelente piloto, com fama merecida de ser um ótimo acertador de carros, que
chegou à Fórmula 1 muito cedo e dirigiu o carro de uma escuderia icônica, a
Ferrari. Rubinho teve dois grandes azares: carregou a responsabilidade de
suceder o maior piloto brasileiro de todos os tempos, Ayrton Senna, e correr
junto com outro monstro do esporte, Michael Schumacher. Foi muito criticado,
ridicularizado e mesmo injustiçado por não ser nem Ayrton Senna, nem
Schumacher. Mardy Fish também teve o mesmo azar. Chegou ao tênis com o peso do
legado de dois monstros americanos, André Agassi e Pete Sampras, e viu despontar
na sua geração o quase imbatível Roger Federer. Passou para a história como um
tenista mediano, que dava para trás na hora H. Cruel para um tenista que esteve
entre os Top 10 da sua modalidade.
Mas o que esses dois tenistas, tão diferentes entre
si, tem a dizer para a Psiquiatria? O documentário mostra, de maneira
dramática, o desmoronamento de Mardy Fish em plena quarta de final de um
torneio muito importante do circuito. É como você lutar a vida toda por uma
oportunidade, um objetivo, e ter um esgotamento na hora de realizar o seu
sonho. E dizer para todos que depositaram a sua esperança e torcida, que não
vai dar. Não vai conseguir nem entrar em quadra. A decepção absoluta de todos
que torceram por seu trabalho.
Para a Psiquiatria, interessa, nos dois atletas, a
estratégia de manejo da pressão. Mardy Fish era amigo e escudeiro de outro
tenista que derreteu diante da expectativa, Andy Roddick. Os dois cresceram
juntos e treinaram juntos na direção dos grandes torneios. Na hora que se
cruzavam, Andy conhecia bem as inseguranças do seu amigo e sempre levava a
melhor.
Depois de anos de frustração, Mardy Fish resolveu
que aquilo iria mudar: treinou como um louco, emagreceu vários quilos e virou
um tenista veloz, aplicado, dominante. Finalmente derrotou o amigo e asa negra
em jogos e finais. Parecia que, finalmente, os Estados Unidos iria ter
novamente um núnero 1 no tênis. Seria como o Rubinho virar o Ayrton Senna. No
seu auge, Mardy Fish derreteu. O filme mostra esse processo em detalhes: Mardy
Fish projetou para si o plano de ser um tenista forte, dominante na quadra.
Exigia de si, força e domínio absoluto de si e do jogo. Encontrou do outro lado
um tenista que parecia ter reinventado o Tênis: Federer jogava horas em alta
performance e parecia sair da quadra sem desfazer o penteado nem suar a camisa.
Mardy Fish saía esgotado, descabelado, babando na raquete.
Os gurus motivacionais propõem a intensidade. Viva
ao máximo, viva no limite, tenha um desempenho incrível. Acomodação é a morte,
gritam em seus vídeos e palestras de encerramento de workshops da empresa.
Vençam o estresse com o entusiasmo. Não pode fraquejar! Tem que segurar a onda!
Esse modelo de enfrentar o medo e a acomodação com
um entusiasmo barulhento é imposto em palestras, em vídeos de Youtube, em
gritos nos templos de coachs corporativos ou espirituais. O resultado é o mesmo
nas quadras e na vida corporativa: o esgotamento, o burnout, a perda de
comprometimento e o teatro de personas que parecem que entregam, mas não
entregam o resultado.
Mardy Fish ficou dois anos sem jogar tênis. Não
conseguia levantar a raquete. Sucumbiu à pressão gigantesca da expectativa
projetada nele. Simone Biles, multi medalhista da Ginástica Artística,
abandonou a equipe em plena Olimpíada. Ficou afastada também por dois anos, vi
que voltou a competir nessas semanas. O que aconteceu? Não aguentam a pressão,
são mais frágeis e mimados? Ou, pelo contrário, o modelo de Alta Pressão e
Expectativa que se coloca nessas pessoas leva, com precisão matemática, esses
atletas e outros profissionais, ao colapso e ao Burnout?
Usei Roger Federer em uma entrevista em um Podcast
que ainda não foi ao ar, como modelo Anti-Stress. Federer parecia uma máquina
sem emoções. Seus movimentos eram econômicos e harmônicos. Parecia que jogava
ao som de uma valsa. A Psicologia Positiva descreve os estados de Fluxo, onde
se consegue o máximo de concentração com o mínimo de esforço. Grandes atletas,
grandes artistas e pessoas de alta performance conseguem desenvolver e
desempenhar seu trabalho em estado de Fluxo. Alternam o alto desempenho com uma
grande capacidade de relaxamento. Não se cobram a resiliência absoluta, mas a
precisão fria e relaxada. Não se via Federer quebrar raquetes ou berrar um
“Vamos lá!!” para a torcida. Jogou em alto nível até perto dos quarenta anos,
mesmo competindo com outras lendas, como Nadal e Dyokovic.
O alto desempenho demanda relaxamento, redução de
fricção, economia de energia e atenção relaxada. O Anti-Stress é Fluir, é
deslizar sobre as tarefas. Cuidar do repouso tão bem como do desempenho. A
delicadeza vence a gritaria. E queima menos neurônios.
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