O despertador do iPhone 14 Pro toca às 5h30. Eu me
levanto e vou ao banheiro para lavar o rosto. Na sala, peço à Alexa para me
informar a temperatura e a previsão do dia. Pego uma xícara de café na minha
máquina e me sento para ler, no meu iPad Pro, as principais notícias do dia
sobre tecnologia, conferir a bolsa de Nova York e os tweets do Elon Musk.
Após fazer outras atividades diárias, pego o meu
carro e ouço os áudios do WhatsApp, envio e-mails e faço ligações, tudo pelo
bluetooth. Por fim, chego na minha obra, onde visto a minha botina suja, com
bico rasgado, a minha calça jeans com marcas de ferrugem do vergalhão e a minha
tradicional camisa xadrez. E, fazendo isso, é como se dissesse: “Ah, agora sou
engenheiro raiz, tirem essas tecnologias de perto de mim”. Isso soa familiar?
Existem diversos fatores que contribuem para a
baixa adoção de tecnologia na construção de edifícios no Brasil. Segundo o
estudo “Produtividade e oportunidades para a cadeia de construção”, da
Deloitte, um dos principais motivos é a cultura conservadora do setor que,
muitas vezes, é resistente a mudanças e inovações. Além disso, a falta de conhecimento
e capacitação dos profissionais da área em relação às novas tecnologias também
é um obstáculo. Outro fator que o estudo menciona é o alto custo de investimento
em inovação que, muitas vezes, é visto como um gasto desnecessário pelas
empresas da área. Aliás, a falta de padronização e interoperabilidade entre as
diferentes soluções disponíveis no mercado também pode dificultar a adoção.
Compreendo tudo isso, mas, afinal de contas, será
que veicular um QR Code para a análise e visualização de projetos é um custo
tão alto assim? Fazer uma pergunta técnica para uma IA (Inteligência
Artificial) disponível no WhatsApp é tão caro? Implantar ferramentas que centralizem
as informações em um único lugar irá estourar o orçamento? Pouco
provável.
Há uma verdade que o engenheiro raiz se recusa a
enxergar: como as construtechs podem ajudar na produtividade da construção de
edifícios de diversas maneiras. Uma das principais, é por meio da adoção de
tecnologias inovadoras que permitem a automatização de processos, redução de
erros e retrabalhos, aumento da eficiência e produtividade.
Além disso, as startups podem oferecer soluções
integradas que conectam diferentes atores da cadeia de construção, como
projetistas, construtores, fornecedores e clientes, permitindo uma gestão mais
eficiente e colaborativa do projeto. A propósito, as construtechs também podem
oferecer soluções de análise de dados e IA, permitindo uma tomada de decisão
mais confiável e uma gestão mais eficiente dos recursos.
Por vezes, o setor de construção civil também
utiliza o argumento de que o segmento é grotesco e não está preparado para a
cultura da tecnologia. Na visão de muitas pessoas os mestres de obras,
pedreiros, serventes e demais profissionais não têm acesso a dispositivos ou,
até mesmo, não saberão utilizar as inovações nas obras, o que não é verdade.
Hoje, a maioria dos brasileiros têm acesso a smartphones e já estão acostumados
a utilizar apps em seu dia a dia. Prova disso, há mais celulares inteligentes (242 milhões) do que habitantes (214
milhões) no país, segundo um levantamento da FGV (Fundação Getúlio
Vargas), com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Ainda assim, existe uma certa resistência quando
falamos em levar a tecnologia para os times de campo, como se as equipes não
fossem se adaptar a essa evolução. Os times de campo precisam assumir que já
são usuários da tecnologia, seja ao enviar uma foto ou vídeo pelo WhatsApp ou,
até mesmo, ao fazer a compra de um bilhete QR Code para o uso do transporte
público. Estamos caminhando para uma nova era! Quantas vezes as tecnologias que
surgiram para a construção civil foram tidas como elementos muito à frente das
suas necessidades? Foi assim com o CAD e com a RA (Realidade Aumentada). A
verdade é que, quando comparados com outros setores, ainda seguimos com
processos construtivos arcaicos simplesmente pelo “medo do novo” ou por
acharmos tecnologias caras
Se pararmos para analisar, o dia a dia de um
engenheiro de obra, em sua maioria, está ligada ao uso da tecnologia. O celular
de última geração, a Alexa, o carro com bluetooth, o computador, etc. O
engenheiro que usa a tecnologia em cada momento do seu dia precisa implementar
todos os recursos disponíveis também no canteiro de obras - onde, por vezes,
ainda há muita resistência para aderir a soluções inovadoras.
Está na hora de deixar de lado a velha camisa xadrez para se tornar o
engenheiro tecnológico que a nova geração da construção civil não apenas
merece, mas precisa ter.
Cícero Sallaberry -
sócio-fundador da Construflow. Formado em Engenharia Civil pela UFRGS
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul), possui experiência em gestão de
canteiro de obras de grandes construtoras e em projetos na plataforma BIM. Além
disso, é empreendedor na área de inovação e tecnologia, incentivador da mudança
de mentalidade e melhoria da produtividade da construção civil.
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