Especialista em tumores de pulmão
comenta sobre impactos do tabagismo à saúde e maiores chances de desenvolver
doenças respiratórias e câncer como consequência do hábito
O aumento do consumo de cigarros e dispositivos vape vem
levando a intensos debates entre a comunidade médica e científica quanto aos
riscos de retrocesso nos índices de incidência de diversas doenças relacionadas
ao hábito de fumar, incluindo vários tipos de câncer, como é o caso do de
pulmão, fígado, estômago, pâncreas, rins, ureter, cólon e reto, bexiga,
ovários, colo do útero, cavidade nasal e seios paranasais, cavidade oral,
faringe, laringe, esôfago e leucemia mieloide aguda, segundo o Instituto
Nacional de Câncer (Inca).
Entre os mais jovens, o cigarro eletrônico tem sido sensação.
Justamente por vir “disfarçado”, jovens têm preferido os dispositivos e
acreditam ser menos danosos à saúde. Diferente da versão convencional, os
sabores e aromas agradáveis acabam mascarando e tornando os riscos invisíveis
para o grupo.
De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Inca, o cigarro
eletrônico aumenta mais de três vezes o risco de experimentação do cigarro
convencional e mais de quatro vezes o risco de uso do cigarro. Além disso, o
levantamento reforça ainda que o cigarro eletrônico eleva as chances de iniciar
o uso do cigarro tradicional para aqueles que nunca fumaram.
"Há cerca de 30 anos, o cigarro convencional era visto como
sinônimo de status e isso não tem sido diferente para o cigarro eletrônico,
principalmente entre os mais jovens. Apesar de na última década o Brasil ter
diminuído 40% o número de fumantes, não devemos fechar os olhos para um
problema que, mesmo tendo um outro formato, faz parte da narrativa atual",
comenta a Dra. Mariana Laloni, oncologista da Oncoclínicas São Paulo.
Tabagismo aumenta incidência de câncer do pulmão
O tabagismo continua sendo o maior responsável pelo câncer de
pulmão no Brasil e no mundo. Aliás, não apenas deste tipo de tumor: segundo o
Inca, 161.853 mil mortes poderiam ser evitadas anualmente se o tabaco fosse
deixado de lado, sendo que cerca de ⅓
destes óbitos são decorrentes de algum tipo de câncer
relacionado ao hábito de fumar.
Apenas no Brasil, é estimado que durante o triênio 2020-2022 cerca
de 30.200 casos da doença sejam descobertos a cada ano. A maioria dos pacientes
com câncer de pulmão apresenta sintomas relacionados ao próprio aparelho
respiratório. “Os sinais de alerta são tosse, falta de ar e dor no peito.
Outros sintomas inespecíficos também podem surgir, entre eles perda de peso e
fraqueza. Em poucos casos, cerca de 15%, o tumor é diagnosticado por acaso,
quando o paciente realiza exames por outros motivos. Por isso, a atenção aos
primeiros sintomas é essencial para que seja realizado o diagnóstico precoce da
doença, o que contribui amplamente para o sucesso do tratamento”, diz.
Contratempos
Aproximadamente, 10% da população brasileira acima de 18 anos é
tabagista. E, apesar dos avanços, o vício afeta mais de 20 milhões de pessoas
no país. "Quando falamos do cigarro eletrônico, o Ibope Inteligência
aponta que o problema dobrou em apenas um ano, passando de 0,3% para 0,6% da
população no Brasil", explica a oncologista. Dentro desse cenário,
especialistas estimam que cerca de 600 mil pessoas fazem uso do dispositivo.
Apesar de proibidos desde 2009 pela Resolução de Diretoria
Colegiada nº 46 da Anvisa, os cigarros eletrônicos atraem cada vez mais
usuários. "Os vapes ou e-cigarretes passaram a ser mais socialmente
aceitos em diversos ambientes, além de serem mais atrativos devido sua
tecnologia. Mas, podem fazer tão mal quanto o cigarro tradicional, apesar de
uma imagem distorcida. Eles possuem várias substâncias tóxicas que, quando
combinadas, acabam mascarando os efeitos prejudiciais à saúde. Contudo, é
importante lembrar que elas existem e podem causar enfisema pulmonar, doenças
respiratórias e até mesmo câncer", reforça Mariana Laloni.
O aditivo de aromatizantes, como mentol, chocolate, chiclete,
entre outros, é usado para atrair um maior público. Quanto à fumaça liberada
pelos vapes, é possível encontrar elementos que vão além da nicotina, como:
chumbo, propilenoglicol, glicerol, acetona, sódio, alumínio, ferro, entre
outros.
Risco invisível
Além das substâncias presentes no dispositivo serem mais viciantes, algumas pesquisas sobre o tema apontam que o cigarro eletrônico, assim como o convencional, pode afetar não só o sistema respiratório, como também desregular alguns genes do organismo. O estudo realizado por um professor da USC Ahmad Besaratinia, mostrou que esse impacto ocorreu nos genes mitocondriais e chegou a interromper vias moleculares que fazem parte da imunidade e resposta inflamatória. Ou seja, os elementos que compõem os dispositivos podem futuramente desencadear doenças autoimunes e atrapalhar na recuperação de outros distúrbios do corpo.
"Na tentativa de deixar o tabagismo, é preocupante que muitos
usuários ainda usem os cigarros eletrônicos. Essa apelação pode torná-los
usuários duplos e fazer com que o vício ocorra em ambas as frentes. Por isso, é
preciso ter muita força de vontade e saber pedir e aceitar ajuda. O fumante
precisa transformar seus hábitos e estilo de vida. De duas a 12 semanas sem
cigarro há a melhora da função pulmonar e da circulação, entre 1 e 9 meses a
tosse e falta de ar diminuem e em 10 anos a mortalidade por câncer de pulmão
chega a ser a metade da de um fumante. É possível superar o vício e apostar em
uma nova vida sem o cigarro, seja ele eletrônico ou tradicional", explica
Mariana Laloni.
Vida nova
Para a oncologista, parar de fumar é a forma mais eficaz de
prevenir o câncer de pulmão e diversos outros tumores, além de doenças
cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonia, AVC (acidente
vascular cerebral) e complicações severas decorrentes da contaminação pela
Covid-19.
"Deixar o hábito de lado é dar uma segunda chance aos
pulmões. Lá na frente, as pessoas que abandonaram esse vício irão se deparar
com diversos benefícios ao organismo, como um menor risco de desenvolver vários
tipos de cânceres e ainda a recuperação de sequelas adquiridas pelo tabagismo.
Entretanto, antes de remediar, é fundamental que as neoplasias sejam
prevenidas. Ou seja, a melhor alternativa é sempre parar de fumar e alertar a
população de forma geral, principalmente os mais jovens, sobre os riscos que o
cigarro tradicional e eletrônico podem causar", finaliza.
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