Um
grupo com pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da
Universidade de Toronto (Canadá), em parceria com a ONG Associação de Ensino,
Pesquisa e Assistência à Saúde (AEPAS) e com a Clínica de Reabilitação Increasing,
publicaram os resultados, após quase dez anos de estudo, de uma técnica
cirúrgica inovadora para reabilitação de pacientes com lesão medular.
A
técnica, conhecida como Possover-LION, consiste na implantação de
eletrodos sobre nervos da região pélvica (ciático e femoral) em pessoas com
paraplegia e tetraplegia. A partir da estimulação elétrica programada desses
nervos, associada a um programa de reabilitação específico, foi possível a
melhora significativa de diferentes funções fisiológicas, como controle
urinário, controle gastrointestinal, recuperação da sensibilidade tátil e
controle motor. Três meses após a cirurgia, a maioria dos pacientes com
paraplegia já conseguia se levantar e iniciar o treino de marcha em barras
paralelas, mesmo tendo sofrido uma lesão motora completa.
Os resultados desse estudo foram publicados na revista médica Neuromodulation. “Esta revista tem um grande impacto na sociedade médica e esperamos com esta publicação disseminar a importância deste procedimento para auxiliar na reabilitação de pessoas com lesão medular”, afirma o pesquisador Nucelio Lemos (Universidade de Toronto, Departamento de Ginecologia da Unifesp, Increasing e AEPAS), médico responsável pela publicação e por trazer a técnica cirúrgica da Suíça para o Brasil em 2014.
Impacto na mobilidade - Para
avaliar a mobilidade dos pacientes foram utilizadas duas escalas: a WISCI II
(Walking Index for Spinal Cord Injury) e a MAsTER (Mobility
Assessment Tool for Evaluation of Rehabilitation). A escala WISCI II é
muito utilizada. “Porém, percebemos que nossos pacientes apresentavam evoluções
importantíssimas com a melhora na mudança de posição - rolar, transferir etc.,
que não eram contempladas nesta escala. Para isso aplicamos a escala MAsTER,
que considera a dependência de terceiros para realizar as mudanças de posição e
também inclui toda a evolução desde as melhoras na transferência como no
ortostatismo [capacidade de ficar em pé, a posição ereta do corpo] e na
marcha”, explica Lemos, responsável pelo
projeto.
Com
esse resultado os pacientes podem tornar-se menos dependentes da cadeira de
rodas para caminhar distâncias curtas, especialmente em casa. Eles também se
tornam progressivamente menos dependentes de ambientes adaptados -- por
exemplo, passam a ser capazes de se levantar e pegar objetos de prateleiras ou
entrar em um chuveiro não adaptado e se sentar em uma cadeira padrão para tomar
banho.
Após
um ano de acompanhamento, 18 de 25 (72%) dos pacientes com lesão torácica e 3
de 5 (60%) pacientes com lesão cervical conseguiram estabelecer uma marcha
assistida por andador.
Impacto na função urinária - A função urinária foi avaliada através de quatro ferramentas: uma escala
de incontinência urinária geral, outra escala de perdas urinárias durante o
sono, um questionário de qualidade de vida urinária validado e o estudo
urodinâmico.
O
que se observou foi que 47,8% dos pacientes melhoraram sua categoria de
incontinência urinária, ou seja, passaram a apresentar menos episódios de
incontinência, e 52,2% permaneceram inalterados; nenhum piorou. As perdas
noturnas melhoraram em 30,4% dos pacientes.
Impacto na função intestinal - A função intestinal foi avaliada através do tempo que o paciente
demorava para evacuar e também por meio da aplicação de um questionário de
avaliação de incontinência fecal (escape de fezes).
A
evolução encontrada na função intestinal foi mais evidente. Usando a escala de
incontinência, a capacidade de controle do intestino, em 12 meses, foi em média
9 vezes maior em comparação com o controle intestinal antes da cirurgia. No
pré-operatório, 52% (dos pacientes necessitaram de mais de 30 minutos para
realizar sua evacuação e no seguimento, 65% dos pacientes reduziram para menos
de 30 minutos sua rotina intestinal).
Impacto na função sexual - Os pacientes preencheram questionários de função sexual, que mostrou uma tendência à melhora da ereção em pacientes do sexo masculino. Além disso, 71%, de ambos os sexos, afirmaram terem apresentado melhora na sensibilidade na região genital.
O grupo de pesquisadores também disponibilizou um vídeo sobre o trabalho, disponível neste link.
Além de continuar as avaliações clínicas, atualmente já está em curso outros
projetos derivados desse estudo. Em dois deles os pesquisadores Jean Faber
(Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Unifesp), Gustavo Fernandes (Increasing
e AEPAS) e Nucelio Lemos (Universidade de Toronto, Unifesp, Increasing e
AEPAS), e colaboradores, estão quantificando as mudanças da atividade cortical
promovidas pelo processo de neuromodulação e reabilitação. A ideia é entender
melhor os mecanismos fisiológicos envolvidos nesse processo e propor índices
quantitativos que avaliem as mudanças neurofisiológicas dos pacientes e promova
um melhor prognóstico sobre evolução dos pacientes com a técnica.
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