Campanha alerta para doença capaz de causar infertilidade em estágios avançados conta com novos tratamentos ainda mais eficazes e precisos
Março é tempo de refletir sobre os desafios femininos do cotidiano.
Embora os obstáculos sociais enfrentados pelas mulheres sejam a pauta em foco,
também é necessário que todos se conscientizem da saúde feminina – como no caso
da campanha Março Amarelo, que traz luz à importância de falar sobre a
endometriose.
Ainda que seja uma condição comum, que afeta cerca de 8 milhões de
brasileiras, segundo dados do Ministério da Saúde, há amplo desconhecimento
sobre esse problema, que pode causar dores intensas e até mesmo infertilidade
em estágios avançados. Essa informação soa ainda mais alarmante quando é
adicionado o fato de que a condição é mais prevalente entre jovens mulheres –
entre 25 e 35 anos.
Desvendando a endometriose
O Dr. Thiago Borges, cirurgião e coordenador do Serviço Especializado em
Endometriose do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), explica que se trata de
uma doença inflamatória crônica. “A patologia se caracteriza pela presença e
crescimento de glândulas endometriais fora da cavidade uterina, que pode afetar
não somente o órgão reprodutor feminino, como também órgãos em sua proximidade,
como o intestino e a bexiga.”
Existem diversas teorias sobre o surgimento e as possíveis causas da
endometriose. No entanto, ainda não há nenhuma comprovação exata na literatura
médica. Desse modo, é conveniente analisar os fatores de risco, que podem ser
não modificáveis, como prematuridade ao nascimento; baixo peso ao nascer;
menarca precoce (antes dos 12 anos) e fatores genéticos ao nascer; ou
modificáveis, por exemplo, alimentação e hábitos de vida.
Um dos grandes obstáculos para a medicina quando o assunto é
endometriose, no entanto, é sua detecção precoce, uma vez que se trata de uma
condição assintomática em muitos casos. O médico aponta ainda que a dificuldade
do diagnóstico reside na impossibilidade de identificar a doença durante exames
de rotina ginecológica, como ultrassonografia transvaginal ou até mesmo a
ressonância magnética não especializada.
“Identificar a condição, na maioria das vezes, demora de 7 a 10 anos, e,
infelizmente, não é uma realidade apenas do Brasil, mas do mundo todo. Alguns
estudos afirmam que um profissional experiente na área tem uma chance de
acertar o diagnóstico em até 70% sem a necessidade de nenhum exame, apenas com
uma boa investigação na história dessas pacientes e um exame físico detalhado.
Para um tratamento adequado, precisamos pensar em detecção precoce”, afirma
Borges.
Segundo o cirurgião, o reconhecimento da enfermidade acontece geralmente
aos 30 anos, embora a doença possa estar presente durante todo o período fértil
da mulher – do momento da primeira menstruação até a menopausa. “A endometriose
é uma enfermidade associada ao estrogênio, hormônio liberado durante a fase
fértil da mulher. Enquanto houver estrogênio circulante, a condição é uma possibilidade.
Portanto, não existem métodos primários de prevenção, tendo em vista que não há
uma única causa ou fator de risco. A ausência de medidas específicas não
significa, porém, que a mulher deva negligenciar os cuidados com a saúde. As
visitas regulares ao ginecologista devem acontecer desde a adolescência”,
afirma.
“É necessário ter atenção diante de sinais de cólicas de forte
intensidade durante o período menstrual; dor na relação sexual; dor ao evacuar;
dor ao urinar; distensão abdominal com constipação intestinal associada e
infertilidade conjugal sem causa aparente.”
O especialista também reforça que entre 30% e 40% das pacientes com
endometriose podem ter um quadro de infertilidade conjugal associado. “Por
diversos fatores, como problemas causados nos ovários, nas tubas uterinas ou no
próprio útero. Embora não haja cura, é muito importante salientar que há
tratamentos adequados para as pacientes, e cada uma deve ter seu tratamento
individualizado”, explica.
“Individualizar o tratamento significa levar em consideração queixas,
desejos e extensão da doença. Inicialmente, deve-se começar com uma mudança nos
hábitos de vida, como a prática de atividades físicas, uma dieta
anti-inflamatória e o uso de hormônios para bloquear a menstruação com o intuito
de controlar os sintomas para as mulheres sem desejo gestacional no momento”,
acrescenta Borges, que ressalta: “Além disso, devemos ter uma abordagem
multidisciplinar no tratamento, com o auxílio de urologista, coloproctologista
e até cirurgião torácico em alguns casos. Além das especialidades cirúrgicas,
necessitamos de suporte de fisioterapeuta, nutricionista, fertileuta, médico da
dor e auxílio psicológico para as pacientes. A necessidade de cirurgia para uma
paciente com endometriose é considerada apenas em caso de falha no tratamento
clínico ou quando as lesões oferecem risco de prejuízo orgânico a ela”,
finaliza.
Cirurgia robótica: uma alternativa que traz otimismo
Segundo o dr. Thiago Borges, cirurgião do CHN, a chegada da cirurgia
robótica como opção para o tratamento da endometriose é um fato recente e que
vem se estabelecendo como uma opção segura e efetiva. “A visão tridimensional e
mais nítida proporcionada pela utilização do robô dá ao médico mais precisão
durante o procedimento, que, em geral, apresenta menos riscos de complicações,
menor dor no pós-operatório e recuperação mais rápida para a paciente”,
explica.
O cirurgião aponta que os benefícios da robótica em relação à cirurgia
convencional de laparotomia são muito grandes. “Os cortes são muito pequenos (5
a 8 mm), o que causa menos infecções, menos dor, melhor qualidade estética das
cicatrizes e menor tempo de internação hospitalar. Em relação à laparoscopia, a
robótica é considerada um avanço, pois permite que o cirurgião tenha uma visão
3D e melhor precisão dos movimentos, sem tremores, de modo que consiga fazer
uma sutura com qualidade microcirúrgica.
Borges afirma que todas as pacientes com endometriose podem se
beneficiar da cirurgia robótica. “Porém, em casos de endometriose diafragmática,
de assoalho pélvico com acometimento das raízes sacrais ou endometriose
intestinal, a tecnologia apresenta ainda mais benefícios.” O médico conta que
já realizou três cirurgias robóticas para endometriose no CHN, todas com
excelentes resultados.
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