No mês de celebração dos direitos dos idosos, uma provocação ainda encontra lugar: se envelhecer não é mais como antigamente, qual é o novo lugar daqueles que atingem a maturidade? Conhecer a história é sempre um exercício de descolamento e lucidez. Olhamos para o passado, enxergamos a construção do hoje e nos preparamos para construir o que podemos ser. Assim é também a nossa noção de envelhecimento – das sociedades mais primitivas até a realidade líquida que hoje vivemos. No Outubro Prateado, essa reflexão nos ajuda a construir novos espaços de protagonismo para uma geração que não quer mais ser definida pela sua idade.
No início, as sociedades patriarcais e matriarcais
dedicavam aos mais velhos o posto de aconselhamento e tomada de decisão das
tribos. Envelhecer era sinônimo de sabedoria e, por consequência, mais escuta e
respeito. Até o século XIX, na sociedade pré-industrial, os papéis de cada
pessoa em uma família não eram tão determinados pela idade em si. As fases da
vida não eram tão bem delimitadas como o são hoje: infância, adolescência, vida
adulta e maturidade. A aposentadoria não era um direito garantido por lei, nem
convencionado socialmente – as pessoas trabalhavam até quando tivessem
resistência física; em muitos casos, até o último dia de vida. As famílias, por
sua vez, eram extensas, com diferentes gerações coabitando a mesma casa,
criando uma convivência intergeracional bastante diversa. Porém, quando a
sociedade industrial emergiu, o conceito de velhice ganhou novos contornos.
A partir de então, o valor do ser humano passou a
ser associado à capacidade produtiva para o trabalho. O conceito de
aposentadoria passou a determinar esse grande marco na vida de uma pessoa;
depois, ela era considerada inválida para o trabalho, portanto, precisaria da
assistência do Estado, do apoio da família e de cuidados externos para continuar
existindo. Essa mudança levou os mais velhos, gradativamente, a um espaço de
marginalização e exclusão. Nesse momento, a noção de velhice e de terceira
idade ganhou força. Em paralelo às conquistas trabalhistas, havia também um
forte movimento médico-científico para derrubar as barreiras do corpo
envelhecido e da morte prematura. Assim, o envelhecer – que antes ocupava
espaços filosóficos, ao lado de questões profundas como a existência e a morte
–, foi ganhando um status puramente biológico.
A partir da década de 1960, chegar aos 60 anos – ou
cruzar o marco da aposentadoria – significava também ganhar uma série de
atributos, direitos, deveres e lugares sociais já pré-determinados por essa
identidade etária da velhice. Até então, “velho” era o termo usado para definir
quem chegasse nessa etapa da vida, um conceito que foi sendo substituído por
“idoso” para se tornar mais respeitoso. Nesse período, um novo imaginário foi
nascendo sobre esse período da vida. Por meio da narrativa da indústria do
envelhecimento, da década de 1980, se aposentar passou também a ser visto de
forma idealizada, como o momento de realização pessoal do que não foi possível
fazer durante a juventude. Consumo, viagem e descanso eram a grande motivação.
O trabalho de décadas seria recompensado por uma
fase de férias sem fim. Nesse caminho, políticas públicas passaram a assegurar
os direitos dos idosos à autonomia, integração e participação efetiva na
sociedade. Com a Política Nacional do Idoso, de 1994, o marco dos 60 anos foi
definido juridicamente como o início da velhice. Quase 10 anos depois, surgiu o
Estatuto do Idoso que garante, ente outros direitos, passagem gratuita em
ônibus, vagas preferenciais, prioridade na restituição do Imposto de Renda e
descontos de 50% nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e
de lazer. Dezessete anos depois, alguns pontos determinados nesse Estatuto – o
envelhecimento, sendo parte dos currículos escolares – ainda não foram
implementados, criando uma grande lacuna entre os direitos determinados pela
lei e a realidade exercida pelos novos maduros. Porém, como bem sabemos, a vida
não espera pela lei. As transformações sociais são tão aceleradas que a
identidade dos novos maduros não é mais cristalizada em rituais de
aposentadoria, marcos de idade ou definições de como agir na família, na
sociedade ou no trabalho. Se a idade é um conceito colocado em xeque, ainda
estreito para definir o estilo de vida de alguém, o que definirá, então, uma
pessoa madura? A busca por essa identidade leva os maduros, a cada dia, a
desbravar novos espaços sociais.
Vemos uma geração buscando seu
lugar, individualmente, por uma vida com mais satisfação, propósito e
felicidade que se torna, aos poucos, uma transformação também coletiva,
inspirando as gerações seguintes. Como consumidores, eles demandam novos
produtos, serviços e experiências de marcas que ainda estão aprendendo a
escutá-los e melhor representá-los em sua comunicação. Como seres digitais, já
ocupam as redes sociais, influenciam outras pessoas e cocriam nossa experiência
virtual, abrindo diálogo e sendo a voz de uma geração que não quer mais ficar
de fora. Já como empreendedores, eles encontram os próprios caminhos de
produção ativa, criativa e útil, diante de um mercado de trabalho que ainda
exclui a maturidade.
Outubro Prateado vem nos lembrar que
envelhecer é um processo de ressignificar os termos cristalizados que
aprendemos em torno da maturidade. Velho, terceira idade e envelhecimento são
palavras sendo riscadas e reescritas. Por isso, neste mês, faço um convite:
como você pode, nas próximas semanas, oferecer um espaço de protagonismo aos
maduros que estão perto de você? Pode começar com um diálogo, a representação
na comunicação ou um simples espaço de escuta. Muitas vezes, para algo novo
nascer, só precisamos de uma folha em branco, livre de preconceitos, pronta
para ser reescrita.
Layla Vallias -
cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor
sênior e da Janno – startup agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+
em seu novo plano de vida. Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre
Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0
São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o
envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação, com
especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou
com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.
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