Experimentos conduzidos na Unicamp mostram que
o SARS-CoV-2 é capaz de infectar adipócitos humanos e que a carga viral é três
vezes maior nas células envelhecidas. Resultados podem ajudar a entender por
que obesos e idosos correm mais risco de desenvolver a forma grave da COVID-19 (microscopia de fluorescência de
adipócitos; imagem: Andréa Rocha e Danilo Ferrucci)
Experimentos conduzidos na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) confirmam que o novo coronavírus
(SARS-CoV-2) pode ser capaz de infectar células adiposas humanas e de se manter
em seu interior. Esse dado pode ajudar a entender por que indivíduos obesos
correm mais risco de desenvolver a forma grave da COVID-19.
Além de
serem mais acometidos por doenças
crônicas,
como diabetes, dislipidemia e hipertensão – que por si só são fatores de risco
–, os obesos teriam, segundo a hipótese investigada na Unicamp, um maior
reservatório para o vírus em seu organismo.
“Temos células adiposas espalhadas
por todo o corpo e os obesos as têm em quantidade e tamanho ainda maior. Nossa
hipótese é a de que o tecido adiposo serviria como um reservatório para o
SARS-CoV-2. Com mais e maiores adipócitos, as pessoas obesas tenderiam a
apresentar uma carga viral mais alta. No entanto, ainda precisamos confirmar
se, após a replicação, o vírus consegue sair da célula de gordura viável para
infectar outras células”, explica à Agência FAPESP Marcelo Mori professor
do Instituto de Biologia (IB) e coordenador da investigação.
Os experimentos com adipócitos
humanos estão sendo conduzidos in vitro, com apoio da
FAPESP, no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve). A unidade tem
nível 3 de biossegurança, um dos mais altos, e é administrada por José Luiz Proença Módena,
professor do IB e coordenador, ao lado de Mori, da força-tarefa criada pela Unicamp
para enfrentar a pandemia (leia mais em agencia.fapesp.br/32861).
Os resultados ainda são preliminares e não foram publicados.
Como
explica Mori, não é em qualquer tipo de célula humana que o SARS-Cov-2 consegue
entrar e se replicar de forma eficiente. Algumas condições favoráveis precisam
estar presentes, entre elas uma proteína de membrana chamada ACE-2 (enzima
conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês) à qual o vírus se conecta
para invadir a célula.
Nas comparações feitas in vitro, os pesquisadores da Unicamp observaram que o
novo coronavírus infecta melhor os adipócitos do que, por exemplo, as células
epiteliais do intestino ou do pulmão.
E a
“dominação” da célula de gordura pelo vírus torna-se ainda mais favorecida
quando o processo de envelhecimento celular é acelerado com uso de radiação
ultravioleta. Ao medir a carga viral 24 horas após esse procedimento, os
pesquisadores observaram que as células adiposas envelhecidas apresentavam uma
carga viral três vezes maior do que as células “jovens”.
“Usamos a
radiação UV para induzir no adipócito um fenômeno conhecido como senescência,
que ocorre naturalmente com o envelhecimento. Ao entrarem em senescência, as
células expressam moléculas que recrutam para o local células do sistema imune.
É um mecanismo importante para proteger o organismo de tumores, por exemplo”,
explica Mori.
O
problema, segundo o pesquisador, é que tanto nos indivíduos obesos como nos
idosos e nos portadores de doenças crônicas as células senescentes começam a se
acumular no tecido adiposo, tornando-o disfuncional. Tal fato pode resultar no
desenvolvimento ou no agravamento de distúrbios metabólicos.
Ainda de
acordo com Mori, o envelhecimento acelerado do adipócito induzido pela radiação
UV mimetiza o que costuma ocorrer no tecido adiposo de indivíduos obesos e nos
idosos.
“Recentemente,
começaram a ser testados em humanos alguns compostos capazes de matar células
senescentes: são as chamadas drogas senolíticas. Nos experimentos com animais,
esses compostos se mostraram capazes de prolongar o tempo de vida e reduzir o
desenvolvimento de doenças crônicas associadas ao envelhecimento”, conta Mori.
O grupo da
Unicamp teve então a ideia de testar o efeito de algumas drogas senolíticas no
contexto da infecção pelo SARS-CoV-2. Em experimentos feitos com células
epiteliais do intestino humano, observou-se que o tratamento reduziu a carga
viral das células submetidas à radiação UV.
“Alguns
compostos chegaram a inibir em 95% a presença do vírus. Agora pretendemos
repetir o experimento usando adipócitos”, conta Mori.
Até o momento, foram usados nos
testes adipócitos diferenciados in vitro a
partir de um tipo de célula-tronco mesenquimal (pré-adipócito) isolada de
pacientes não infectados e submetidos a cirurgia bariátrica. Após a
diferenciação, as células foram expostas a uma linhagem do novo coronavírus
isolada de pacientes brasileiros e cultivada em laboratório por pesquisadores
do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (leia mais em: agencia.fapesp.br/32692).
As etapas
seguintes da pesquisa incluem a análise de adipócitos obtidos diretamente de
pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19, obtidos por meio de biópsia.
“Um dos objetivos é avaliar se essas células encontram-se de fato infectadas
pelo SARS-CoV-2 e se o vírus está se replicando em seu interior.
Também serão conduzidas análises de
proteômica para descobrir se a infecção pelo SARS-CoV-2 afeta o funcionamento
do adipócito e se deixa alguma sequela de longo prazo na célula. Essa etapa da
pesquisa será feita em colaboração com o professor do IB-Unicamp Daniel Martins de Souza.
“A ideia é
comparar todas as proteínas que estão expressas nas células com e sem o vírus.
Desse modo, conseguimos identificar as vias de sinalização que são alteradas
pela infecção e como isso impacta o funcionamento celular”, explica Mori.
Envelhecimento precoce
No
Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do IB-Unicamp, Mori tem se
dedicado nos últimos anos a estudar a biologia do envelhecimento. Em seu projeto
atual, o pesquisador investiga por que idosos e pessoas com doenças associadas
ao envelhecimento são mais suscetíveis às complicações da COVID-19.
“Esse achado de que adipócitos
senescentes apresentam maior carga viral aponta um possível link entre doenças metabólicas, envelhecimento e
maior severidade da COVID-19”, avalia o pesquisador.
No
entanto, ainda não se sabe se a carga viral é mais elevada nessas células
porque elas se tornam mais facilmente infectáveis quando expostas ao SARS-CoV-2
em cultura ou se a quantidade de vírus que entra é a mesma, mas o patógeno
consegue se replicar mais. “Precisamos fazer novos experimentos e acompanhar a
evolução da carga viral ao longo do tempo”, explica Mori.
Caso se
confirme que o vírus causa algum tipo de impacto metabólico no adipócito,
afirma Mori, as implicações poderão ser grandes. “As células de gordura têm um
papel muito importante na regulação do metabolismo e na comunicação entre
vários tecidos. Elas sinalizam para o cérebro quando devemos parar de comer,
sinalizam para o músculo quando é preciso captar a glicose presente no sangue e
atuam como um termostato metabólico, dizendo quando há necessidade de gastar ou
armazenar energia. Pode ser que o vírus interfira nesses processos, mas por
enquanto isso é apenas especulação”, diz o pesquisador.
Esses aspectos estão sendo
investigados em parceria com o pesquisador Luiz Osório Silveira Leiria,
professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Peto (FMRP-USP). Leiria coordena
um projeto – apoiado pela
FAPESP – que tem como objetivo descobrir o papel de determinados lipídeos no
controle da inflamação causada no organismo pelo SARS-CoV-2.
“A pesquisa também conta com uma
ampla rede de colaboradores que integram a Força-Tarefa Unicamp Contra a
COVID-19”, ressalta Mori.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
http://agencia.fapesp.br/estudo-sugere-que-tecido-adiposo-pode-servir-de-reservatorio-para-o-novo-coronavirus/33612/
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