A pandemia de Covid-19 provocou um aumento expressivo
de ações trabalhistas no primeiro semestre deste ano. Somente de janeiro a
maio, foram mais de 8,6 mil processos classificados com o tema, segundo dados
do Tribunal Superior do Trabalho do país. Entre as principais reclamações estão
os pedidos de verbas rescisórias, devido ao aumento das demissões no período,
além de questões ligadas ao fornecimento inadequado de equipamentos de proteção
individual, regras de home-office e redução da multa de 40%
do FGTS.
Por mais que seja compreensível o momento pelo qual
muitas empresas estão passando, fato é que a pandemia não é pretexto para que o
empregador descumpra as obrigações trabalhistas. Em tal contexto, não obstante
a crise econômica que passa o país, é delicado falar em como evitar ações
trabalhistas neste momento, mesmo porque o ajuizamento de ação constitui
exercício regular de um direito, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXV
e LV da CF). Portanto, qualquer brasileiro que se sinta lesado de alguma forma pode
se socorrer do Judiciário, não havendo qualquer óbice para o exercício do
direito de ação. O que discutiremos a seguir é como as empresas podem se
resguardar juridicamente para se defender futuramente em eventuais ações
reflexas desse período. E a resposta é simples, demonstrando sua
responsabilidade social e o respeito aos direitos trabalhistas mesmo neste
momento de calamidade pública.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que,
apesar desse aumento no número de ações, elas representam apenas a ponta de um
iceberg que vai vir à tona nos próximos anos. O trabalhador tem até dois anos
para reclamar um processo na Justiça laboral e pedir eventuais indenizações
decorrentes do contrato de trabalho. Sabemos que é um momento conturbado, em
que muitos temem perder seus empregos, e essa insegurança faz com que alguns
optem por não processar o empregador, mesmo havendo irregularidades em seu
contrato de trabalho. Isso significa que o que não emergir agora certamente
virá à tona nos próximos anos.
O segundo ponto de atenção é que não é porque
estamos em uma crise econômica e de saúde pública que o empregador pode entrar
em desacordo com a Constituição Federal e as normas trabalhistas. As
flexibilizações feitas pelas diversas medidas provisórias emitidas desde o
início da pandemia não aboliram de forma alguma os direitos e princípios
trabalhistas, como a proteção ao trabalhador e a irrenunciabilidade dos
direitos do trabalho. Portanto, não há justificativa para o empregador não
observar e cumprir a legislação em vigor, sendo um dos seus deveres fornecer um
meio ambiente do trabalho sadio. Principalmente porque o Supremo Tribunal
Federal ao suspender a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória 927, atribuiu
ao empregador a responsabilidade de provar a inexistência do nexo causal no
caso de empregado que adquirir o coronavírus.
Neste contexto, é responsabilidade da empresa
adotar todas as medidas preventivas recomendadas pelo Ministério da Saúde,
Organização Mundial da Saúde e órgãos trabalhistas. Além dos cuidados básicos
individuais, como o fornecimento de álcool em gel, luvas e máscaras com
frequência, há outras ações bastante interessantes, como criar comitês com a
participação dos próprios colaboradores, de modo que eles mesmos fiscalizem o
cumprimento das orientações, e possibilitar maneiras de o trabalhador evitar o
transporte público. Disponibilizar álcool 70% e sabonete por toda a empresa,
desde a entrada, até nas mesas de trabalho e corredores, e até medir a
temperatura dos funcionários são exemplos possíveis para zelar por sua saúde e
segurança. É dever patronal a adoção de todos os cuidados em relação à
segurança de seus colaboradores, sendo que a omissão do empregador negligente é
um fator que amplia o valor das indenizações trabalhistas.
Além disso, é preciso documentar todas essas ações.
Entregou os EPIs? Colha a assinatura do trabalhador que recebeu. Garanta
documentos que comprovem que os colaboradores estavam cientes das medidas
preventivas adotadas pela empresa, porquanto é seu o ônus de provar a entrega
dos equipamentos de proteção individual e coletivo e da fiscalização da
utilização dos mesmos. Hoje, o essencial é ser diligente, proporcionar um
ambiente seguro e saudável de trabalho e seguir as orientações das autoridades
de saúde, mas também deve o empregador orientar seus empregados a se protegerem
fora do ambiente de trabalho. Tudo que o empregador deixa de formalizar hoje,
ele deixa de provar amanhã.
Por fim, é importante ressaltar que o diálogo com
os trabalhadores deve ser claro. O empregador deve respeitar os princípios da
dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, ainda mais em tempos
tão difíceis. Ter emprego e renda garante não só o sustento do trabalhador, mas
a qualidade de vida física e mental diante de tanta instabilidade. É preciso
transmitir confiança para as equipes. Assim, poderemos superar essa crise
juntos.
Sibele
Pimenta - advogada trabalhista no escritório Marcos
Martins Advogados.
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