A saúde visual no Brasil foi organizada com base
nos Decretos n° 20.931/1932 e 24.492/1934. Poucos sabem, mas essa legislação
evitou que a Optometria – ciência que estuda o ato visual – e o profissional
que a estuda, o Optometrista, se desenvolvessem em nosso país.
Na década 1990, surgiram os primeiros cursos de
Optometria do Brasil, destacando-se o Bacharelado em Optometria da Universidade
do Contestado, elaborado com base no modelo norte-americano de formação
optométrica. Plenamente reconhecidos pelo MEC, os cursos superiores em
Optometria tiveram sua legalidade reconhecida pelo STJ (MS 9.469/DF) por conta
de ação promovida pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia na tentativa de
extingui-los. A partir daí se intensificou o questionamento sobre a vigência
dos Decretos de 1932 e 1934, que são utilizados até hoje para tentar impedir os
atendimentos realizados por profissionais formados em Optometria.
O Ministério do Trabalho já havia reconhecido a
profissão do Optometrista ao descrever as competências e habilidades do
profissional no campo da atenção primária à saúde visual. Durante os onze anos
de tramitação da Lei do Ato Médico no Congresso Nacional, a classe médica lutou
para que a prescrição de óculos e lentes de contato continuassem protegidos por
sua reserva de mercado. O dispositivo que renovaria as proibições foi objeto de
veto presidencial sob a justificativa de que a atuação de profissionais não
médicos no âmbito da saúde visual já era reconhecida pelo STJ (REsp 975.322/RS)
e que tal privatividade prejudicaria os atendimentos nessa área. Os vetos foram
mantidos pelo Congresso Nacional.
A liberdade profissional do Optometrista vem sendo
reconhecida por decisões monocráticas e colegiadas de Juízes e Tribunais
Estaduais e Federais de vários estados e regiões, havendo ainda aqueles que
optam pela reserva de mercado guiados muitas vezes pela desinformação propagada
pelos médicos.
Desde 2008 tramita a ADPF 131 – ação constitucional
que questionou a constitucionalidade de parte dos Decretos 1932 e 1934 e que
foi promovida pelo Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria – CBOO. O
julgamento da ADPF 131 trouxe para Optometria o reconhecimento necessário para
o seu desenvolvimento, ressaltando-se os seguintes pontos fundamentais: i) a
prescrição de lentes de grau não é ato privativo de médico; ii) os artigos 38,
39 e 41, do Decreto 20.931/1932, e dos artigos 13 e 14 do Decreto 24.492/1934
sofreram processo de inconstitucionalização desde o surgimento dos primeiros
cursos de nível superior em Optometria; iii) que há recomendação expressa ao
Congresso Nacional que regulamente a profissão para que seja dada segurança
jurídica aos profissionais.
Os serviços públicos de saúde, em sua grande
maioria, não possuem profissional responsável pela atenção primária da visão e
a espera por atendimento especializado pode chegar a até dois anos – tempo
suficiente para que casos graves evoluam para cegueira. Nos países
desenvolvidos, como Reino Unido, Suíça, Dinamarca, Noruega, Suécia e Espanha,
os oftalmologistas são responsáveis por menos de 25% dos atendimentos primários
e prescrição de lentes corretivas. Resta saber por quanto tempo o Estado
brasileiro e os Poderes constituídos vão demorar para reconhecer a Optometria e
resolver a demanda reprimida por atendimento primário em saúde visual no
Brasil.
Fabio Meger - advogado do Conselho Regional de
Óptica e Optometria do Estado do Paraná (CROO-PR).
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