Recentemente, médicos da Sobramfa –
Educação Médica & Humanismo foram convidados a dar uma série de
palestras e workshops em universidades italianas. O “Giro Umanistico” teve como
objetivo sensibilizar médicos e demais profissionais da saúde sobre a
importância de se conectarem mais com pacientes. Falar em humanização da saúde
vem se tornando cada vez mais recorrente no mundo todo. Mas o que significa de
fato a Medicina Humanista? Na opinião de Pablo González Blasco,
diretor-fundador da Sobramfa, ainda há muita desinformação sobre o tema, não
por parte da sociedade, mas principalmente por médicos, estudantes de medicina
e tantos outros profissionais do setor de saúde.
“Não se trata de mudar a iluminação dos
hospitais nem de pintar as paredes de verde ou azul para aumentar o conforto
visual. Isoladamente, também não se trata de trazer palhaços, personagens do
universo infantil, leitores voluntários ou ainda animais de pequeno porte para
que o paciente internado possa se esquecer pelo menos por alguns minutos do dia
o calvário de sua doença. Tampouco se deve pensar que humanizar a saúde se
restringe a diminuir as filas de atendimento e recorrer a programas de
prevenção de doenças. Obviamente, tudo isso tem grande importância dentro do
contexto em que estão inseridos milhares de pacientes. Mas o principal, quando
se fala em Medicina Humanista, é despertar a empatia adormecida dentro de cada
profissional, aquela mesma que, durante os anos de estudo, foi guardada numa
gaveta em nome do tal distanciamento profissional”, diz Blasco.
Durante um workshop promovido por um dos
principais institutos de cardiologia de São Paulo, que integra uma lista
pequena de hospitais de ensino, uma médica bastante competente e engajada
revelou o quanto se sentiu desamparada e despreparada quando, ainda no quinto
ano da faculdade de medicina, perdeu seu primeiro paciente. “Fui para casa
chorar. A gente se dedica tanto aos estudos para ingressar na faculdade e mais
ainda depois, durante nossa formação de médicos. Mas em nenhum momento somos
devidamente preparados para os fracassos do dia a dia. Pior ainda, somos
orientados constantemente a manter um distanciamento de segurança, a não
demonstrar nossas emoções nem deixar que elas venham à tona em público. Naquela
época, eu e outros estudantes montamos um grupo de discussões filosóficas para
nos apoiarmos uns nos outros. Só assim conseguimos superar a morte dos nossos
pacientes, depois de termos tentado de tudo para mantê-los vivos”. Na opinião
de Blasco, esse tipo de médico – que reconhece suas limitações e fraquezas, mas
que nem por isso foge à sua responsabilidade – é quem busca transformar o
ambiente em que trabalha num convívio mais colaborativo e em sintonia com seus
pacientes.
“É notório o progresso técnico da medicina.
Não há como negar que ela está curando muito mais do que antes. Mas as pessoas
continuam morrendo, já que esse é o destino do ser humano. Sendo assim, a culpa
não é do jovem médico que experimenta o fracasso quando comprova que a sua
ciência cura menos do que ele esperava, mas do processo de formação que está
equivocado”, afirma o diretor da Sobramfa. “O que se pode esperar quando a
ordem recomendada para a atuação do médico é curar, aliviar e, em último caso,
confortar? O lógico é pensar que estou avançando do mais importante para o
menos importante, para o detalhe. Quando não consigo curar, tenho que aliviar.
E quando nem aliviar consigo, resta‐me confortar.
Proceder nessa sequência fatalmente apresenta o alívio
e o conforto como um prêmio de consolação. Mas há aí um
terrível engano. Enquanto confortar é algo que deve ser feito sempre, pela
altíssima prevalência, o curar apresenta uma prevalência muito menor. Seria
lógico, então, que o processo da atuação médica contemplasse essa proporção
para produzir melhores médicos”.
Segundo Blasco, a ordem dos fatores altera o
produto. A ênfase, o tempo que se dedica nos anos de formação, respeitando as
proporções ‘epidemiológicas’, faz toda a diferença. “Um médico que não sabe
confortar nem aliviar não deveria ter diploma de médico nem atuar
profissionalmente. Mas o que a avaliação formal quer medir é tão somente o
conhecimento que, em determinadas e limitadas circunstâncias, lhe permitiriam
curar alguns pacientes. E nem isso avalia corretamente, já que da teoria até a
prática há uma distância enorme. Hoje, o estudante de medicina entra na
faculdade sabendo o que é cuidar. Com o tempo, se esquece dos pacientes por
estar muito ocupado com ‘a medicina´. É fundamental revisar todo esse processo.
Nos estágios
oferecidos pela Sobramfa, os alunos acompanham médicos experientes em todas as
visitas aos pacientes, aprendendo na prática o que é desenvolver empatia, o que
significa prestar o melhor atendimento possível ao paciente e à sua família,
respeitando suas crenças, opiniões, limitações e vontades”.
Vale dizer, também, que o percurso que a
medicina tem seguido nestes últimos anos, enfatizando a técnica e negligenciando
o humanismo, acarreta novos problemas que, além de prejudicar o paciente — que
sempre leva a pior —, também causa transtornos ao médico. “Todo o tema do erro
médico encontra aqui a sua explicação mais profunda. A medicina não é uma
ciência exata. Tem falhas que só podem ser reparadas com amor e dedicação.
Quando não se entende isto, quando um médico apresenta a medicina como uma
ciência exata, deverá pagar também as consequências do insucesso. Quando o
médico se apresenta como um mecânico de pessoas, deverá aceitar a punição se
não fizer os cálculos certos para ‘consertar o estrago’. Quando o paciente
percebe que o médico carece da dimensão humana, pedirá satisfações e cobrará
uma reparação se o profissional não conseguir cumprir suas promessas. Já a atenção
e o carinho, quando verdadeiros, estabelecem outra dimensão de relacionamento
entre médico e paciente. O doente sabe que pode contar com seu médico e que,
ainda que o prognóstico não seja bom, este irá permanecer a seu lado, fazendo o
seu melhor, até o fim”, conclui Blasco.
Fonte:
Prof. Dr. Pablo González Blasco -
diretor-fundador da SOBRAMFA Educação Médica & Humanismo – www.sobramfa.com.br
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