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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Dia de Finados: como lidar com a dor da perda?


Historicamente, é sabido que, desde o século II, os cristãos rezam por seus falecidos, tanto que, no século V, a igreja passou a dedicar um dia do ano para a prática. Nessa data, eram realizadas orações a todos os falecidos pelos quais ninguém rezava. No século XI, os Papas Silvestre II, João XVII e Leão IX passaram a obrigar a comunidade católica a dedicar um dia aos mortos, mas, foi no século XIII, que o 2 de novembro passou a ser dedicado para a ocasião, por conta da comemoração da Festa de todos os Santos, realizada no dia 1º do mês.

Embora a data tenha origem católica, outras denominações também prestam suas homenagens aos seus entes queridos nesta ocasião. Quase todas as religiões, desde a pré-história, contam com um dia específico dedicado à memória dos mortos e, mesmo aquelas que não creem no purgatório e não possuem o hábito de rezar seus mortos, também acabam por se valer da data para algum tipo de homenagem ou a utilizam, para lembrar aqueles que se foram.

A necessidade de lembrar daqueles que partiram é uma pratica de reconciliação mais consigo mesmo do que qualquer outra coisa. A psicóloga Glaucineia G. Lima, professora do curso de Psicologia da Universidade Anhembi Morumbi, nos explica um pouco melhor os motivos que nos faz tão resistentes quando nos deparamos com a morte. Afinal, por que é tão difícil lidar com a perda de alguém? Por que a morte, ainda, não é algo natural?

No entendimento da profissional, a perda de um ente querido é um evento que abala o “eu” de quem perde, algo como se parte dele se perdesse junto com quem se foi e isso se dá por uma série de fatores, como apego e investimento psíquico. “Este investimento intenso continua mobilizado, quando se perde alguém. Exige um esforço mental intenso, para que o enlutado elabore a perda de alguém amado”. Em outras palavras, a ausência daquele que se foi acaba por deixar um “vácuo” físico e psíquico, que não desaparece facilmente. É como se a pessoa ainda estivesse ali, embora não esteja mais.

Não é por acaso que alguns não se recuperam. Lidar com a perda de alguém próximo, amado, é um processo muito doloroso para quem fica. Dependendo da ligação intensa que se tem com aquele que se foi, os recursos psíquicos de cada um, o modo particular como lida com a questão da morte, aspectos culturais e sociais que permitam uma significação ou outra para a perda, o sentido pessoal dado e as circunstâncias em que a perda se deu, podem levar a respostas diferentes diante de cada partida. “Algumas situações podem dificultar a vivência da ausência, ainda mais dependendo do momento vivido por aquele que passa por ela”. A professora destaca ainda que o sujeito pode estar atravessando um momento de outras dores e perdas que colaboram para que a dor se torne insuportável.

Esse tipo de resposta é mais comum de se encontrar em relações amorosas de muitos anos. “A ideia de fusão entre os parceiros amorosos, a ilusão de completude possibilitada pela relação pode levar os pares a se verem como um só. Dessa forma, a perda do amado pode ser vivida como uma dor muito grande, causando no sujeito dificuldade de elaboração que pode resultar em doença, melancolia e até a própria morte”. A psicóloga defende que nestes casos é possível que, aquele que perdeu, perceba a sua própria existência como vazia e que a identificação com quem se foi seja tamanha a ponto de tornar a vida, com essa perda, insuportável.

Não há, contudo, uma perda que possa ser considerada maior ou menor. A Profa. Glaucineia destaca que as ausências que são intensamente sentidas, a priori, podem ser resignificadas, ao longo do tempo. Da mesma forma, é difícil estabelecer maior ou menor intensidade na dor, independente se ela se dá de modo repentino ou por um processo que acontece ao longo do tempo. Não se pode definir qual seria a dor mais sentida. “Muitas vezes a dor pode ser negada, recusada e mascarada. Perdas que, aparentemente, não foram sentidas, podem ocultar uma dor silenciosa e difícil de ser tratada”.

Para a profissional, a morte ainda é um tabu na sociedade pois a ideia da morte por si só é perturbadora. Em geral, nós não imaginamos a nossa própria morte, quase como se acreditássemos em nossa própria imortalidade. “O ser humano não admite de bom grado a perda de uma pessoa querida, a vida parece se empobrecer diante da perda de alguém querido. Isso porque lidar com a ideia da morte é admitir que ela é uma certeza para cada ser vivo”. Em outras palavras, lidar com a morte diz respeito ao sofrimento que a ideia de mortalidade e finitude causam. “Por esta razão, evitamos a todo custo lidar com a ideia, para não termos que enfrentar o desprazer e a angústia que esse tipo de pensamento causa”, conclui.

Diante de fatos tão avassaladores, a melhor forma de confortar uma pessoa enlutada é oferecendo conforto, que pode vir em forma de amizade, presença, cuidado e interesse genuíno. Ás vezes, o acompanhamento profissional também se faz necessário. Poder contar com uma terceira pessoa para partilhar os momentos de dor pode acabar por criar, ou mesmo fortalecer, novos laços. “Pode-se construir um “nós” no enfrentamento dos nós que foram rompidos.”.

O luto possui fases pelas quais a maioria das pessoas acaba por passar, alguns de forma mais intensa, outros mais superficiais, mas em alguma instância as etapas são bastante comuns a todos. A psiquiatra Elisabeth Kluber-Ross, a partir de entrevistas com pacientes terminais e familiares, identificou em seu livro “Sobre a morte e o morrer”, de 1969, que o luto passa por alguns estágios:  negação ou isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.

A negação e isolamento é o estágio inicial que funciona como uma fase de adaptação, que é seguido pela raiva, momento em que o enlutado é acometido por um sentimento de revolta e ressentimento com total falta de sentido. A barganha chega como uma ponta de esperança, quando o indivíduo se cerca de objetivos e ações com a finalidade de se distrair da dor, na esperança de, desta forma, conseguir minimizar o seu sofrimento. A depressão acontece quando a tristeza, debilitação, solidão e saudades possibilitam a elaboração da perda, abrindo espaço para a aceitação.

De acordo com a professora, quando o indivíduo passa pela dor da perda, ele tem uma oportunidade de dar um outro significado esta perda, elaborando-a, através de um processo, que pode ser lento e doloroso. Por vezes, esta pode ser a oportunidade de reconectar antigos laços ou mesmo redescobrir novos horizontes. Mas, de qualquer forma é importante entender que essa é uma dor passível de elaboração e que vai ser vivida de acordo com questões singulares, sociais, temporais, espaciais e dependem das contingências nas quais a perda se deu. Não há uma formula ou um roteiro, ou um modo mais certo ou errado de lidar com a dor da perda. Construir uma narrativa sobre a perda e reverenciar os entes queridos que se foram permitem lidar com a ausência, retornar o investimento no eu e construir novos laços na vida.





Profa. Glaucineia G. Lima - Cursou graduação em Psicologia em 1989, mestrado em Educação em 1996 e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. Atua como psicóloga e professora e supervisora de estágio acadêmico do curso de Psicologia da Universidade Anhembi Morumbi. É psicanalista. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanalise, educação, infância, feminilidade, maternidade e corpo.
Anhembi Carreiras

Laureate International Universities

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