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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Você é a favor do aborto?

"Ninguém é a favor do aborto. Somos a favor da preservação da vida e da saúde das mulheres"



A pergunta acima geralmente é a primeira feita àqueles que defendem a descriminalização do aborto. O tema, apesar de frequentemente abordado em reportagens de todo o país, ainda é envolto em desinformação, gerando debates acirrados, inclusive por pessoas com as mesmas convicções.

Esta questão revela a falta de conhecimento sobre o assunto não apenas da população em geral, mas também da imprensa, da classe política e, inclusive, de profissionais da área da saúde, explica o dr. Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto - GEA, Professor Livre-Docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo e membro da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).

"Obviamente não somos a favor do aborto, ninguém é a favor do aborto. Somos a favor da preservação da vida e da saúde das mulheres".

Ter filhos, avalia o especialista, é um projeto afetivo, um projeto de vida, de mulheres e homens, e não uma questão de maioria. "Ter ou não filhos é uma decisão soberana da mulher e não deve ser uma imposição de qualquer natureza ou da opinião de outros. Não há Estado ou lei no mundo que deva ou consiga obrigar uma mulher a ter um filho indesejado. O Estado e suas leis não deveriam interferir em uma questão que é particular. Cada um tem suas ponderações, valores éticos e morais a esse respeito. É um desrespeito à mulher considerar que ela venha a interromper de maneira irresponsável uma gravidez. Quando ela decide por esta alternativa, ela deve ser acolhida, não penalizada".


STF debate aborto em agosto

No Brasil, já está definida a lista de inscritos para a audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, discutida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSol).
A ministra Rosa Weber já definiu os cerca de 40 participantes, entre eles o Dr. Thomaz Gollop, coordenador do GEA, que se apresentarão nos dias 3 e 6 de agosto.

A ADPF questiona os artigos 124 e 125 do Código Penal, que criminalizam a prática do aborto. O partido autor da ação pede que se exclua do âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação, alegando a violação de diversos princípios constitucionais fundamentais.

Escreve o Professor de Direito Oscar Vilhena Vieira: "Da perspectiva jurídica, é fundamental destacar que a Constituição de 1988 não protege a vida desde o momento da concepção. Esse direito só pode ser reivindicado a partir do nascimento com vida. A criminalização do aborto ofende de uma só vez os direitos à dignidade, à liberdade, à privacidade e à intimidade das mulheres, quando transfere o controle sobre o seu corpo para as mãos do Estado".



O aborto no Brasil


Uma em cada cinco mulheres com até 40 anos  já fez pelo menos um aborto na vida. Este número foi demonstrado na Pesquisa Nacional de Aborto, realizada pela professora Débora Diniz, antropóloga, membro do GEA e professora de Direito da Universidade de Brasília (UnB), e pelo sociólogo Marcelo Medeiros, também da UnB e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A professora, inclusive, tem sido alvo de ofensas em suas páginas e perfis em redes sociais e passou a receber ligações e mensagens com xingamentos e graves ameaças de morte.

A grande questão defendida pela professora, pelos demais integrantes do GEA e demais ativistas em favor da descriminalização do aborto, é que estas mulheres, no Brasil, não sejam mais vistas como criminosas. Pela legislação atual, a mulher que realizar um aborto inseguro, deve cumprir pena de um a três anos de reclusão. 

Estas mulheres, se submetem a um procedimento inseguro, colocando a própria vida em risco pela exposição a uma série de agravos à saúde, tais como infecções, perfurações de órgãos como útero e intestino ou hemorragias, por absoluta falta de opção, em um ato de desespero.  

"O abortamento inseguro é a terceira causa de mortalidade materna no Brasil. Entre estes riscos, estão o da esterilidade e até mesmo a morte, o que faz com que o aborto eleve  significativamente os já altíssimos índices de mortalidade materna no Brasil, que é aquela relacionada com a gravidez e o período de 8 semanas após o parto", explica o dr. Thomaz Gollop.


Aborto em números


Somente no Brasil, estima-se que sejam realizados 500 mil abortos inseguros por ano. No ano de 2017, foram registrados, no país, 331 processos pela prática do autoaborto, que é o aborto provocado pela própria gestante, ou por terceiros com o seu consentimento. Boa parte dos casos foram originados a partir de denúncias dos profissionais de saúde que atenderam estas mulheres em prontos-socorros, quando procurados para tratar complicações decorrentes do procedimento realizado de forma insegura.


O levantamento, promovido pelo Portal Catarinas em parceria com a GHS Brasil, reuniu casos de autoaborto (artigo 124 do Código Penal), e de aborto provocado por terceiros (artigo 125 - sem o consentimento da gestante, e 126 - com o consentimento da gestante).


Os números, obtidos nos tribunais de justiça dos estados, podem ser ainda maiores, pois em muitos casos os crimes são classificados genericamente como aborto, sem que sejam tipificados em algum artigo do código penal, não entrando, portanto, nestas estatísticas.
Para o Dr. Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), "a penalização da mulher que deseja interromper sua gravidez é um grande absurdo em qualquer circunstância. A única explicação para que ainda haja quem apoie esta legislação é que grande parte da população e certamente muitos deputados e senadores pouco conhecem sobre dados de saúde pública referentes ao aborto inseguro".



O aborto no mundo


No último dia 25 de maio, a Irlanda, um país com 78% de sua população católica, aprovou por referendo popular a legalização do aborto até a 12ª semana. A conquista derrubou a 8ª Emenda, de 1983, que previa o "direito à vida do feto". Considerada uma das mais rígidas e retrógradas leis do mundo, previa pena de 14 anos de prisão para quem a infringisse.


O voto de 66,4% dos eleitores em favor da legalização do aborto é considerado o início de uma nova era na história do país, que aguarda, agora, a elaboração de uma nova legislação sobre o aborto, que será apresentada para discussão pelo Parlamento. Nesta nova legislação, a mulher terá direito ao aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez, mas deverá ouvir conselhos médicos e passar por um período de espera de três dias para rever sua decisão. Sob circunstâncias excepcionais, o aborto será permitido até 24 semanas de gravidez. O governo espera que o novo regime de aborto seja implementado legalmente até o final do ano.


Enquanto isso, na vizinha Argentina, o projeto que descriminaliza o aborto nas primeiras 14 semanas de gestação foi aprovado em 14 de junho, na Câmara dos Deputados. Na proposta apresentada, o Estado deverá garantir o acesso ao atendimento adequado às mulheres que optarem pela interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação, tanto na rede pública quanto na privada.
Caso a lei seja aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Maurício Macri, a Argentina se juntará aos poucos países da América Latina que já descriminalizaram o aborto. São eles Cuba, onde a interrupção da gravidez é legal desde 1968 até a 8ª semana de gestação, e Uruguai, que em 2012 legalizou a interrupção da gestação até a 12ª semana.

Na Argentina, assim como no Brasil, o aborto é uma das principais causas de mortalidade materna. As intercorrências resultantes de abortos inseguros levam à 50 mil internações em hospitais públicos. A atual legislação do país permite a interrupção da gravidez nos casos em que a vida ou a saúde da mulher estão em risco, se fruto de estupro ou de atentado ao pudor cometido contra uma mulher com deficiência intelectual.


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