"Ninguém
é a favor do aborto. Somos a favor da preservação da vida e da saúde das mulheres"
A pergunta acima geralmente é a
primeira feita àqueles que defendem a descriminalização do aborto. O tema,
apesar de frequentemente abordado em reportagens de todo o país, ainda é
envolto em desinformação, gerando debates acirrados, inclusive por pessoas com
as mesmas convicções.
Esta questão revela a falta de
conhecimento sobre o assunto não apenas da população em geral, mas também da
imprensa, da classe política e, inclusive, de profissionais da área da saúde,
explica o dr. Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto -
GEA, Professor Livre-Docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo
e membro da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por
Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
"Obviamente não somos a favor
do aborto, ninguém é a favor do aborto. Somos a favor da preservação da vida e
da saúde das mulheres".
Ter filhos, avalia o especialista,
é um projeto afetivo, um projeto de vida, de mulheres e homens, e não uma
questão de maioria. "Ter ou não filhos é uma decisão soberana da mulher e
não deve ser uma imposição de qualquer natureza ou da opinião de outros. Não há
Estado ou lei no mundo que deva ou consiga obrigar uma mulher a ter um filho
indesejado. O Estado e suas leis não deveriam interferir em uma questão que é
particular. Cada um tem suas ponderações, valores éticos e morais a esse
respeito. É um desrespeito à mulher considerar que ela venha a interromper de
maneira irresponsável uma gravidez. Quando ela decide por esta alternativa, ela
deve ser acolhida, não penalizada".
STF debate aborto em agosto
No
Brasil, já está definida a lista de inscritos para a audiência pública no
Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do aborto até a 12ª
semana de gestação, discutida na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSol).
A
ministra Rosa Weber já definiu os cerca de 40 participantes, entre eles o Dr.
Thomaz Gollop, coordenador do GEA, que se apresentarão nos dias 3 e 6 de
agosto.
A
ADPF questiona os artigos 124 e 125 do Código Penal, que criminalizam a prática
do aborto. O partido autor da ação pede que se exclua do âmbito de incidência
dos dois artigos a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas
de gestação, alegando a violação de diversos princípios constitucionais
fundamentais.
Escreve
o Professor de Direito Oscar Vilhena Vieira: "Da perspectiva jurídica, é
fundamental destacar que a Constituição de 1988 não protege a vida desde o
momento da concepção. Esse direito só pode ser reivindicado a partir do
nascimento com vida. A criminalização do aborto ofende de uma só vez os
direitos à dignidade, à liberdade, à privacidade e à intimidade das mulheres,
quando transfere o controle sobre o seu corpo para as mãos do Estado".
O
aborto no Brasil
Uma em cada cinco mulheres com até
40 anos já fez pelo menos um aborto na vida. Este número foi demonstrado
na Pesquisa Nacional de Aborto, realizada pela professora Débora Diniz,
antropóloga, membro do GEA e professora de Direito da Universidade de Brasília
(UnB), e pelo sociólogo Marcelo Medeiros, também da UnB e do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada).
A professora, inclusive, tem sido
alvo de ofensas em suas páginas e perfis em redes sociais e passou a receber
ligações e mensagens com xingamentos e graves ameaças de morte.
A grande questão defendida pela
professora, pelos demais integrantes do GEA e demais ativistas em favor da
descriminalização do aborto, é que estas mulheres, no Brasil, não sejam mais
vistas como criminosas. Pela legislação atual, a mulher que realizar um aborto
inseguro, deve cumprir pena de um a três anos de reclusão.
Estas mulheres, se
submetem a um procedimento inseguro, colocando a própria vida em risco pela
exposição a uma série de agravos à saúde, tais como infecções, perfurações de
órgãos como útero e intestino ou hemorragias, por absoluta falta de opção, em
um ato de desespero.
"O abortamento inseguro é a
terceira causa de mortalidade materna no Brasil. Entre estes riscos, estão o da
esterilidade e até mesmo a morte, o que faz com que o aborto eleve
significativamente os já altíssimos índices de mortalidade materna no Brasil,
que é aquela relacionada com a gravidez e o período de 8 semanas após o
parto", explica o dr. Thomaz Gollop.
Aborto
em números
Somente no
Brasil, estima-se que sejam realizados 500 mil abortos inseguros por ano. No
ano de 2017, foram registrados, no país, 331 processos pela prática do
autoaborto, que é o aborto provocado pela própria gestante, ou por terceiros
com o seu consentimento. Boa parte dos casos foram originados a partir de
denúncias dos profissionais de saúde que atenderam estas mulheres em
prontos-socorros, quando procurados para tratar complicações decorrentes do
procedimento realizado de forma insegura.
O levantamento,
promovido pelo Portal Catarinas em parceria com a GHS Brasil, reuniu casos de
autoaborto (artigo 124 do Código Penal), e de aborto provocado por terceiros
(artigo 125 - sem o consentimento da gestante, e 126 - com o consentimento da
gestante).
Os números,
obtidos nos tribunais de justiça dos estados, podem ser ainda maiores, pois em
muitos casos os crimes são classificados genericamente como aborto, sem que
sejam tipificados em algum artigo do código penal, não entrando, portanto,
nestas estatísticas.
Para o Dr. Thomaz Gollop,
coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), "a penalização da
mulher que deseja interromper sua gravidez é um grande absurdo em qualquer
circunstância. A única explicação para que ainda haja quem apoie esta
legislação é que grande parte da população e certamente muitos deputados e
senadores pouco conhecem sobre dados de saúde pública referentes ao aborto
inseguro".
O aborto no mundo
No último dia 25
de maio, a Irlanda, um país com 78% de sua população católica, aprovou por
referendo popular a legalização do aborto até a 12ª semana. A conquista
derrubou a 8ª Emenda, de 1983, que previa o "direito à vida do feto".
Considerada uma das mais rígidas e retrógradas leis do mundo, previa pena de 14
anos de prisão para quem a infringisse.
O voto de 66,4%
dos eleitores em favor da legalização do aborto é considerado o início de uma
nova era na história do país, que aguarda, agora, a elaboração de uma nova
legislação sobre o aborto, que será apresentada para discussão pelo Parlamento.
Nesta nova legislação, a mulher terá direito ao aborto nas primeiras 12 semanas
de gravidez, mas deverá ouvir conselhos médicos e passar por um período de
espera de três dias para rever sua decisão. Sob circunstâncias excepcionais, o
aborto será permitido até 24 semanas de gravidez. O governo espera que o novo
regime de aborto seja implementado legalmente até o final do ano.
Enquanto isso,
na vizinha Argentina, o
projeto que descriminaliza o aborto nas primeiras 14 semanas de gestação foi
aprovado em 14 de junho, na Câmara dos Deputados. Na proposta apresentada, o
Estado deverá garantir o acesso ao atendimento adequado às mulheres que optarem
pela interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação, tanto na rede
pública quanto na privada.
Caso a lei seja aprovada pelo
Senado e sancionada pelo presidente Maurício Macri, a Argentina se juntará aos
poucos países da América Latina que já descriminalizaram o aborto. São eles
Cuba, onde a interrupção da gravidez é legal desde 1968 até a 8ª semana de
gestação, e Uruguai, que em 2012 legalizou a interrupção da gestação até a 12ª
semana.
Na Argentina,
assim como no Brasil, o aborto é uma das principais causas de mortalidade
materna. As intercorrências resultantes de abortos inseguros levam à 50 mil
internações em hospitais públicos. A atual legislação do país permite a
interrupção da gravidez nos casos em que a vida ou a saúde da mulher estão em
risco, se fruto de estupro ou de atentado ao pudor cometido contra uma mulher
com deficiência intelectual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário