Entrei
no taxi – taxi mesmo, o que já se torna raro – e puxei assunto: “Como estão as
coisas no negócio de vocês?”. Resposta: “Este país não tem jeito. Sempre
explorado. O litoral brasileiro está cheio de navios estrangeiros levando
nossas riquezas. É assim desde o Descobrimento”. Fui tomado por uma vontade irresistível de
ficar só e mergulhar fundo nos meus próprios pensamentos. Neles, ando em
círculos, sei, mas não perco dois atributos dos quais tenho estoque limitado:
ciência e paciência.
Meu interlocutor, pela
idade, fazia parte da segunda geração de filhos de Paulo Freire. Muito
provavelmente, se constituiu família, já estava transmitindo aos seus
descendentes essa mesma visão de mundo e de história, sem perceber a que tipo de
existência os estava condenando. E
assim prossegue o “patrono da Educação brasileira”, com a retórica
explorado/explorador, oprimido/opressor e outros tantos litígios que a
criatividade humana pode conceber para exportar responsabilidades e substabelecer
cidadanias, perpetuando rotinas que são, enfim, os objetivos políticos dessas
falácias nas salas de aula. Quem entrar numa faculdade de Educação ou
num curso de Pedagogia e desenrolar críticas à obra de Paulo Freire se tornará
receptáculo de todas as maldições conhecidas desde Tutancâmon. É possível
atacar e vilipendiar tudo que for sagrado sem que qualquer dedinho se mova em
gesto negativo, mas criticar Paulo Freire? Não. Isso não é coisa que se faça. O
motivo pouco ou nada tem a ver com Pedagogia ou com Educação propriamente
ditas. Tem a ver com política (e o “p” vai minúsculo).
Quando Freire fez uma
experiência pedagógica em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963, para
alfabetizar três centenas alunos em 40 horas, o resultado final deu a todos, em
política, uma nota de aprovação superior à de alfabetização. Numa entrevista em
Recife, no ano de 1979, indagado sobre possível filiação a um partido político,
Freire respondeu: “Faço política através da pedagogia”. No ano seguinte,
estaria entre os fundadores – adivinhe de qual partido? Pois é. Acertou. No
livro “Ação Cultural para a Liberdade” (1975) ele trata ainda mais extensamente
do engajamento político inerente à ação educadora, enfatizando-a como
instrumento para a libertação das classes dominadas. Qualquer semelhança com
marxismo cultural não é mera coincidência. Qualquer semelhança com Teologia da
Libertação não é semelhança: é identidade. Com efeito, a retórica marxista
sobre proletariado é copiada e colada para formar o conceito herético de “povo
de Deus” na Teologia da Libertação. Nela, o povo de Deus é o povo oprimido,
conscientizado, lutando por sua libertação.
O resultado disso em sala
de aula vem sendo desastroso. Nossos estudantes disputam entre os piores
lugares nos indicadores internacionais. Em grande número, quando concluem o
ensino médio, já tiveram suas potencialidades neutralizadas; adquiriram, ao
preço exorbitante de seu próprio tempo de vida, as piores ideias políticas e o
respectivo kit de chavões paralisantes. Ao se posicionarem mal num mercado de
trabalho onde a maioria dos empreendedores anseia por recursos humanos
qualificados, trabalham muito, produzem pouco, em tarefas mal remuneradas. Ao
final, dão razão a quem mais os prejudicou: os professores que lhes fizeram a
cabeça e os maus políticos em quem consequentemente passaram a votar. Com eles,
repetem o bordão segundo o qual essa mínima liberdade econômica de que dispomos
em nosso país é o “demoníaco” capitalismo, feito para explorá-los e oprimi-los.
É perfeitamente previsível
o drama dos filhos de Paulo Freire. Deus seja louvado, então, pelos muitos bons
professores que com seu trabalho, em meio a essa infindável luta pelo atraso,
enriquecem e abrem horizontes aos alunos que lhes entram pela porta da sala de
aula.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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