A pandemia causada pelo novo coronavírus obrigou o mundo a se
adequar a uma inesperada realidade de distanciamento social, o que gerou uma
abrupta alteração nas formas de relações humanas, que se intensificaram no
mundo virtual, seja no campo profissional, seja no âmbito pessoal e íntimo.
Com o afastamento das pessoas, principalmente dos casais, ocorreu o aumento das
vídeochamadas e do compartilhamento de imagens entre namorados, paqueras ou os
chamados contatinhos. Em decorrência disto, ocorreu um aumento
nos envios de nudes (imagens de nudez), bem como na prática do chamado
sexo virtual.
Considerando que o envio de nudes normalmente se dá de forma
privada, não é possível mensurar quantos nudes costumam ser enviados,
todavia, segundo uma pesquisa realizada recentemente pelo aplicativo de
relacionamento Happn, 31% dos entrevistados já compartilharam momentos
íntimos pela internet, seja trocando mensagens eróticas (16%), seja enviando e
recebendo nudes (10%) ou até realizando encontros sexuais por
vídeo (5%). Além disso, no Twitter, que é uma das poucas redes sociais que
permitem o compartilhamento público de material sexual, notou-se, durante a
pandemia, um aumento deste tipo de conteúdo.
Salienta-se que a prática de relações íntimas, inclusive do sexo presencial,
jamais se compara ao envio de nudes ou com a prática sexual
virtual. O sexo virtual, por acontecer na internet, possibilita a captura de
imagens, sem que o parceiro tenha ciência. Tais imagens, assim como os nudes,
podem ser armazenadas, compartilhadas e publicadas na web, acarretando
prejuízos irreparáveis e imensuráveis àqueles que, desta forma, são expostos,
tornando-se vítimas.
Diante disto, é importante advertir que, dependendo da situação, tais condutas
podem caracterizar crime.
Quando um nude retratar a própria pessoa que
o compartilha, seu envio não é crime, desde que haja o consentimento do
destinatário adulto. No caso do recebimento de um nude
indesejado, aquele que enviou pode responder pelo crime de injúria, previsto no
artigo 140 do Código Penal.
Por outro lado, quando a imagem enviada é de terceiro, e contém cena de sexo,
nudez ou pornográfica, é obrigatória a autorização expressa da pessoa retratada
na imagem, para tal compartilhamento. Caso não exista autorização ou
consentimento por parte do terceiro, o responsável pelo envio, e também os que
compartilham, poderão responder pelo crime do artigo 218-C do Código Penal,
sujeitando-se a uma pena de 1 a 5 anos de reclusão.
Destaca-se que, no caso do referido crime de divulgação de
conteúdo íntimo, quando o vazamento for realizado por alguém que mantinha
relação íntima de afeto com a vítima, ou com a finalidade de vingança ou
humilhação, tem-se a chamada pornografia de vingança (revenge
porn), e a pena de 1 a 5 anos será aumentada de 1/3 a 2/3.
A simples ameaça de divulgar imagens íntimas de alguém também é crime, previsto
no artigo 147 do Código Penal. Ainda mais grave é a conduta daquele que exige,
para não divulgar tais imagens, algum pagamento ou envio de novos nudes,
neste caso, estar-se-ia diante de sextorsão (crime de extorsão, envolvendo conteúdo
sexual), punido com pena prevista no artigo 158 do Código Penal, de 4 a 10 anos
de reclusão.
Por derradeiro, quando as imagens, recebidas ou enviadas, retratarem cenas
sexuais ou pornográficas, envolvendo crianças ou adolescentes, estar-se-á diante
de pedofilia, tipificada nos artigos 240 e seguintes do Estatuto da Criança ou
do Adolescente, cujos crimes contemplam, dentre outras condutas, as de
adquirir, possuir, armazenar, oferecer, trocar, transmitir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio, inclusive pela internet, fotografia, vídeo ou
outro registro íntimo com crianças ou adolescentes. Nestes casos, as penas
serão de até 8 anos.
Portanto, as relações sexuais podem ser realizadas de forma virtual,
respeitando-se, assim, o distanciamento social necessário durante a pandemia,
mas sempre com os devidos cuidados, pois o envio de nudes
próprios, mesmo sem ser crime (quando autorizado por quem recebe), é arriscado,
já que pode tornar a pessoa que envia, vítima de vazamentos ou até de
sextorsão.
Por outro lado, o compartilhamento de nudes de terceiro, especialmente
quando envolver criança ou adolescente, jamais deve ocorrer, pois resultará na
prática de graves crimes, com sérias consequências a todos os envolvidos. Fica,
assim, o alerta: com nudes não se brinca!
Adriana Filizzola
D’Urso – advogada criminalista,
professora, mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca
(Espanha).
Flávio Filizzola D’Urso –
advogado criminalista, mestrando em Direito Penal na USP e ex-conselheiro da
OAB/SP.
Luiz Augusto Filizzola
D’Urso – advogado especialista em Cibercrimes,
Professor de Direito Digital no MBA da FGV, Presidente da Comissão Nacional de
Cibecrimes da ABRACRIM e Conselheiro da Digital Law Academy.