Estilos parentais influenciam o modo como os filhos encaram suas emoções e ultrapassam dificuldades
Em meu trabalho como professor e facilitador de terapia sistêmica – que considera não só o indivíduo, mas também todo o seu sistema familiar –, observo com frequência a dificuldade dos membros de um sistema familiar em aceitar a dor que provocam os conflitos familiares. Por quê? Porque não fomos educados emocionalmente para enfrentá-los.
Por trás de todo padrão de sofrimento familiar que se repete por gerações, há também um legado de como as emoções, que estão em jogo, são difíceis de administrar.
Quatro “estilos” de pais
O renomado psicólogo John Gottman, no livro “A Inteligência Emocional e a Arte de Educar nossos Filhos” (editora Objetiva), distingue quatro estilos parentais. Isso não quer dizer que temos sempre o mesmo estilo, mas que um geralmente é preponderante. Descrevo abaixo cada um deles e seus possíveis impactos para os filhos.
O objetivo não é culpar os pais, porque eles também receberam essa educação de seus próprios pais. Quando vemos padrões que se repetem, eles se repetem no roteiro de um universo emocional limitante que vem de longe.
Quando observamos padrões de sofrimento em uma família, conseguimos detectar um roteiro de emoções limitantes que passam de geração para geração.
Pais simplistas
O pai desvia os olhos da TV e, demonstrando não gostar muito daquela atitude por causa de um brinquedo, pergunta:
– O que acontece?
– Quebrou meu brinquedo.
– Ah... Mas deixa isso pra lá. Que tal assistirmos a um desenho juntos? Vem!
– Mas eu queria brincar com meu brinquedo – insiste o menino, ainda chorando. Já meio irritado, o pai faz outra proposta:
– Bom, o que podemos fazer é... Hoje à tarde, vamos à loja comprar um brinquedo igualzinho a esse. O que você acha?
– Eu queria esse brinquedo... E antes de o filho terminar a frase, o pai interrompe, já demonstrando um pouco de nervosismo.
– Vem aqui! Vem, vem! Quer jogar no celular?
O que aconteceu aqui? O pai não sabe o que fazer, então minimiza a cena e os sentimentos do filho, desviando o foco para outro lugar ou substituindo um brinquedo por outro para que o menino acalme as emoções.
O modelo de administrar as emoções que o pai simplista transmite é desconsiderá-las, minimizá-las, quase que desaprová-las e desviar o foco.
Se o filho a leva adiante sistematicamente, também criará um modelo de administrar as emoções. Na adolescência, se ele sentir angústia, desapontamento e frustração com o fim de um rompimento afetivo, este jovem poderá não saber nem como se chama o que está sentindo e tentará desviar o foco: “vou jogar futebol com meus amigos”, “vou arranjar outra namorada”.
Inadequação e baixa autoestima também são comuns nesse tipo de administração das emoções. Quem é educado nesse modelo simplista, diante dos desafios da vida se sente sem recursos para enfrentá-los emocionalmente.
O objetivo aqui não é culpar os pais, porque os pais receberam também essa educação de seus próprios pais. Sucessivamente.
Quando vemos padrões que se repetem, eles se repetem no roteiro de um universo transgeracional emocional limitante.
Pais desaprovadores
O menino chora porque quebrou o brinquedo. O pai observa e pergunta, com tom áspero:
– O que foi?
– Quebrou meu brinquedo!
– E você está chorando por causa disso? Só por um brinquedo que se quebra? Ah! Faça o favor!
– Mas eu queria brincar com meu brinquedo...
– Cala a boca de uma vez! Deixa esse brinquedo de lado. É assim, é? Chorar não leva pra lugar nenhum, menino. Que isso? O menino, acuado, começa a chorar novamente.
– Chega! Engole o choro!
Os pais desaprovadores são assim chamados porque desaprovam a emoção diretamente. O simplista considera a emoção, mas muda o foco. O desaprovador anula, censura, castra o mundo emocional do filho. Elas não são coisas do humano, muito menos dos homens, afinal “homens não choram”.
Como vai se sentir essa criança quando for adolescente ou adulto? Pode ser que seja demitido no seu primeiro emprego, ou estágio, e vai considerar inadequadas emoções de tristeza e frustração. Além de perder o emprego, fica com a autoestima embaixo na terra.
O que ela faz para sair desse lugar, se não tiver ajuda terapêutica ou um amigo com quem falar? Ou vai achar que a gente tem que ser forte, levar muita porrada e continuar?
Essa reação mina o campo da autoestima. A pessoa pode evoluir muito intelectualmente, pode ser um excelente aluno, mas quando se trata de se relacionar, namorar, ter amizades, lidar com a vida, é incompetente emocionalmente.
Pais laissez-faire
Imaginemos mais uma vez a cena do menino com o brinquedo quebrado.
– O que acontece? – o pai pergunta ao vê-lo chorar.
– Quebrou meu brinquedo.
O pai se comove e diz em tom também de lamento:
– Oh... Quebrou o brinquedo da criança... Oh, mãe! Vem aqui, quebrou o brinquedo do menino.
– É quebrou... – diz a criança, chorando.
O pai tenta consolar:
– É quebrou... Chora, né? Tem que chorar. Quebrou o brinquedo afinal.
O pai para por aí. Ao menos não anula as emoções, mas também não ajuda. Esse modelo de educar se chama laissez-faire (do francês, deixar acontecer). É um modelo permissivo, já que permite que a criança chore. Mas o que acontece com esse menino? Não sabe o que fazer com isso. E o pai, que seria o modelo de educador, não lhe oferece nenhuma possibilidade.
Quando essa criança se tornar adolescente e tiver a primeira ejaculação – ou a menina tiver a primeira menstruação – e se encontrar com a angústia de um corpo diferente do que era, vai falar com a mãe, com as amigas, com o terapeuta etc.
A solução é catártica, isto é, expressar o que sente, falar tudo o que acontece, mas ela não sabe que pode se apropriar daquilo e conduzir a um caminho de solução. A pessoa fala do problema, mas não quer uma solução porque não sabe que há solução. Falar sobre o que aconteceu é o modelo que ela tem de administrar as emoções.
Pai
educador emocional
– Quebrou meu brinquedo.
O pai dá uma pausa na TV, aproxima-se da criança e pergunta de novo:
– O que aconteceu?
Então ele se abaixa, colocando-se na mesma altura do filho, já criando um campo de empatia, comunicando com o corpo que o que aconteceu é significativo.
Não é algo para fazer de conta que não está acontecendo, para desaprovar ou para não fazer nada. Ele provoca intimidade. Não é apenas o brinquedo que está quebrado. No mundo interno, na alma do menino, algo se fissurou, se fraturou.
– Quebrou... – diz a criança, chorando.
– Seu brinquedo acabou de quebrar, e você está com raiva. Está com raiva porque você não queria que quebrasse.
– É...
– E está triste porque você não vai ter ele inteiro de novo.
– Sim...
– Está muito angustiado porque acaba de se quebrar algo que você não sabe nem como lidar.
O que está fazendo o pai? Está dando um vocabulário emocional, está dizendo “isso que aconteceu, acontece também na vida”. Emoções têm nome. Podemos simbolizar nossas emoções e elas não são do outro mundo. As emoções fazem parte da vida. Hoje está um dia lindo; amanhã, um vendaval, cidade alagada; daqui a quatro dias, novamente sai sol. Tudo isso é dito quando pai nomeia as emoções: “é tristeza, é angústia é raiva”.
Essa criança, quando se torna adolescente e passa por um rompimento, pode dizer: “estou sentindo angústia, frustração, tristeza porque queria muito aquela pessoa”.Com a educação emocional, estamos formando um ser que vai se sentir mais empoderado no futuro. Voltando ao menino, o pai diz:
– O que você acha que podemos fazer? Porque tudo tem solução.
O filho começa a pensar...
O que o pai está dizendo? Todo distúrbio emocional tem solução. Há tristeza, raiva, mas tem solução. Qual solução damos a isso? E o pai não dá a solução. Ele pergunta. Quando pergunta, ele está dizendo: você pode! Está dando elementos para o menino enfrentar as situações, por mais difícil que a vida seja. Ele pode superar as dificuldades.
– Amarrar ou colar...
– Que legal, temos cola em casa!
O pai pode ajudar, porque o filho só tem cinco ou seis anos, mas deixa que ele tome a iniciativa.
– Parabéns, você colou o brinquedo!
Esse menino, quando adulto, ao ser demitido ou se separar da namorada, vai sentir o que tem que se sentir, o que precisa ser sentido, mas vai sentir dentro dele a mensagem “eu vou aprender com isso, tem solução e está em minhas mãos.”
Assim, estamos transformando também um
padrão familiar. Se meus avós e pais foram desaprovadores, eu tenho em mim a
chance de, com muito respeito ao que eles puderam dar,
transformar-me em um educador emocional. Não quer dizer que eu não os ame; quer
dizer que o faço também por meus filhos, por mim e por todos nós.
Mario Koziner - formou-se em psiquiatria
pela Universidade de Buenos Aires (UBA) em 1985 e trabalha há 30 anos com
workshops, palestras e cursos de formação nas áreas de Constelações Sistêmicas,
da neurociência, dos novos paradigmas da ciência e da consciência. É autor dos
livros “Ciclo de excelência do constelador: desenvolvendo habilidades
essenciais para facilitar constelações sistêmicas” e “Da sombra à luz: Uma
jornada de transformação pessoal” (lançamento em breve).