O Brasil é o segundo país tanto em número de casos
de infecção pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, quanto em número de óbitos
atribuídos à doença associada a este vírus, a COVID-19. Desde o início da
pandemia, a comunidade científica neurológica preocupa-se com os possíveis
efeitos da infecção no sistema nervoso. Ao longo destes 14 meses de pandemia,
diversas manifestações neurológicas já foram associadas ao SARS-CoV-2. E agora,
quando o mundo todo inicia o processo de imunização com as vacinas já
disponíveis, uma segunda preocupação emerge, qual seja as possíveis implicações
da imunização em pacientes portadores de doenças neurológicas, sobretudo as
doenças inflamatórias autoimunes e as degenerativas, e os riscos da imunização
em pacientes neurológicos imunossuprimidos. Este documento, elaborado pelos
mais diversos Departamentos Científicos da Academia Brasileira de Neurologia,
visa a esclarecer, à luz dos conhecimentos atuais, os possíveis riscos e
potenciais complicações da vacina contra o SARS-CoV-2 em pessoas portadoras de
doenças neurológicas.
PRINCÍPIO GERAL
As vacinas atualmente aprovadas no Brasil pelas
agências reguladoras contra a doença SARS-CoV-2 são formuladas com vírus
inativado (Sonovac) ou vetor viral adenovírus não replicante (Astra-Zeneca).
Não há qualquer indício, no presente momento, de que doenças neurológicas sejam
contraindicação para a utilização das vacinas atualmente disponibilizadas.
Incluem-se dentre as doenças neurológicas as neurodegenerativas, vasculares,
infecciosas, imunomediadas, carenciais, epilepsia, transtornos do sono,
síndromes álgicas como a cefaleia e a fibromialgia, as síndromes vestibulares e
as herdadas geneticamente, entre as mais comuns. Os principais efeitos
colaterais associados às vacinas aprovadas para a SARS-COV2 são febre baixa,
mialgia, cefaleia, náuseas, fadiga e dor/ vermelhidão no local de aplicação da
injeção. Esses efeitos foram mais frequentes após a segunda dose (dose de
reforço) da vacina e foram autolimitados. Dados adicionais serão disponíveis ao
longo do tempo pelos programas de monitorização de vacinas existentes dos
diversos países. É importante ressaltar que a maioria das vacinas foram
testadas em pacientes acima de 18 anos de idade, porém não em gestantes. Neste
grupo, não houve nenhuma evidência de efeitos colaterais para a gestante ou
para o feto quando a vacina foi utilizada antes de que a gestação tivesse sido
reconhecida.
USO DE MEDICAMENTO IMUNOSSUPRESSOR e DOENÇAS IMUNOMEDIADAS
Em razão das vacinas já aprovadas por agências
reguladoras ou em desenvolvimento serem formuladas com ácidos nucleicos (RNA ou
DNA), vetor viral com adenovírus, vírus inativado ou componente proteico do
vírus, ou seja, tipos de vacina onde não existe chance de replicação de vírus,
as vacinas são seguras para uso em pacientes imunossuprimidos, não sendo
necessário a suspensão ou modificação da posologia das terapias citadas no item
2. Não há qualquer evidência de que as vacinas até o momento aprovadas estejam
contraindicadas em pacientes com doença neurológica e em uso de
imunossupressor. Não é indicada a suspensão ou modificação da posologia de
pacientes em tratamento imunossupressor (lista abaixo). No entanto, não se sabe
se a imunossupressão potencialmente diminui a eficácia da vacinação, portanto,
após a vacinação, os cuidados (uso de máscara, distanciamento social) devem ser
mantidos. Não é indicado o uso de vacinas a base de vírus vivo atenuado, caso
aprovadas no futuro por alguma agência reguladora. Não existe, até o momento,
nenhuma evidência de que a vacinação seja contraindicada em pacientes que
tiveram doenças neuroimunológicas agudas no passado (exemplos: síndrome de
Guillain-Barré, mielite, encefalite, etc.)
Lista de terapias imunossupressoras/imunomoduladoras:
Imunossupressores orais: Azatioprina, Micofenolato
mofetil, Fumarato de Dimetila, Fingolimode, Teriflunomida, Cladribina,
Siponimode, Prednisona Imunomoduladores: Interferons Beta, Acetato de
Glatiramer Imunobiológicos/ Imunossupressores venosos: Natalizumabe,
Rituximabe, Ocrelizumabe, Alemtuzumabe, Mitoxantrone, Ciclofosfamida,
Imunoglobulina humana (endovenosa Transplante Autólogo de medula óssea
Terapias gênicas Observações: 1. Recomenda-se um
intervalo mínimo de um mês após transplante de medula óssea ou após a rejeição.
O intervalo após o emprego de Rituximab deve ser de 3 meses. 2. Como explicado
acima, é necessário enfatizar que não se sabe se a imunossupressão diminui a
eficácia da vacinação. Os cuidados de uso de máscara e distanciamento social
devem ser mantidos.
PRIORIZAÇÃO DE PACIENTES COM DOENÇAS NEUROLÓGICAS
Até o momento não há qualquer normativa por parte
das autoridades em relação à priorização baseada em doenças neurológicas.
RECOMENDAÇÕES ESPECIFICAS
1. A febre, que pode ocorrer depois da vacinação
pode facilitar o aparecimento de crises epilépticas, motivo pelo qual
recomenda-se o uso de antitérmico caso haja aumento da temperatura corporal.
Outra opção seria o uso regular de antitérmicos durante as 48 horas pós
vacinação, especialmente com a vacina da Astra-Zeneca, que pode provocar febre
mais frequentemente. 2. Não há qualquer indicação para a interrupção dos
medicamentos em uso.
Referências
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Comissão Científica e Comissão de Consultores, composta pelos vários
departamentos científicos e coordenada pelo Dr. Wilson Marques Júnior. Comissão
Científica da ABN: Comissão de Consultores: Dr. Ricardo Nitrini Dr. Wilson
Marques Júnior Dr. Orlando Barsottini e Coordenadores dos Departamentos
Científico Dr. Jamary Oliveira Filho Agradecimentos a todos coordenadores dos
Departamentos Científicos pelas contribuições enviadas