(Se o usuário for obrigado a digitar
informações em excesso, não estaremos mais em um modelo digital, mas sim num
modelo "digit all", para usar um trocadilho em inglês)
Já
vai se tornando popular o hábito brasileiro de abrir contas bancárias sem precisar
se deslocar até uma agência e sem sequer ser necessário acessar um serviço de
call center. Através da câmera do smartphone, milhares de usuários já capturam,
todos os dias, seus dados pessoais diretamente do documento físico, e
fotografam sua assinatura e sua face como se esta câmera portátil fosse um
scanner de alta precisão e como se todas as garantias de privacidade,
autenticidade e segurança já estivessem plenamente superadas.
As vantagens do modelo são
inegáveis, mas há pontos a discutir, e não são todas as soluções para este tipo
de captura que irão, de fato, dar conta dessa transformação digital que,
convenhamos, ainda tem sido motivo de dores de cabeça para bancos grandes e
pequenos.
De fato, a tecnologia de captura e
conversão de documentos e informações em imagem digital atingiu há muito tempo
um nível de evolução que permitiria a abolição completa do papel, do plástico e
das fotografias impressas para efeito de documentação. Associado aos modernos
sistemas de manejo e gerenciamento inteligente, esse fabuloso conjunto de
tecnologias já teria colocado abaixo a existência de arquivos físicos,
cartórios, centrais de triagem etc.
É bem verdade, aliás, que esta
substituição vem ocorrendo a passos de gigante, como comprova o próprio avanço
dos novos modelos de captura móvel, ancorada em autosserviço.
Mas há sempre uma significativa
defasagem entre o avanço ultrarrápido dos dispositivos - bem como da TI
dedicada ao backoffice para processar as informações colhidas - e os ajustes
regulatórios que venham a garantir o pleno valor documental das imagens no que
diz respeito a aspectos tais como: sua absoluta unicidade (só existe realmente
um original e cada eventual cópia é claramente identificada e posicionada numa
série), sua autenticidade inegável (com claras e inexpugnáveis identificação da
origem e autoria de sua lavra, bem como de seu conteúdo).
Tudo isto sem falar nas salvaguardas
de fidedignidade dos dados e informações que integram o documento e sua
conformidade com as exigências forenses, legais e institucionais de qualquer
natureza.
Devido a seu grande poder de fogo e
sua posição de vanguarda tecnológica - inclusive em termos globais - o sistema
financeiro do Brasil foi o que até aqui mais avançou, tendo conquistado
economias bilionárias ao longo da última década, a partir da universalização da
"truncagem" (substituição coordenada da compensação do cheque em
cédula de papel pelo processamento por imagem).
BILHÕES A MENOS EM CARROS FORTES
Só com a eliminação dos custos de transporte físico de cheques em carro forte
até as instalações do BACEN, os bancos deixaram de gastar, em 2011, algo em
torno de R$ 1 bilhão (em valores atualizados) segundo dados da FEBRABAN naquele
primeiro ano de funcionamento do sistema. Pelos cálculos da M2Sys,
primeira a oferecer tecnologia de outsourcing para serviços de truncagem, a
economia dos bancos superou a casa dos R$ 5 bilhões nos primeiros dois
anos do modelo.
Consolidada a truncagem,
instituições como Bradesco, HSBC, Itaú, Banco do Brasil e Caixa puderam
simplesmente encerrar a operação de inúmeros centros de triagem e conferência
física, substituindo por verificações regulatórias por imagens, com drástica
redução de custos e grandes avanços em performance. Em paralelo, uma parte
dessas instituições ainda avançava em terceirizar estes serviços.
Mesmo antes de concluir a truncagem,
com a adesão completa dos bancos, a tecnologia mais avançada disponível já
propunha um passo a mais, que dispensaria os bancos, inclusive, de trafegar
cheques e documentos de transações entre a agência e os centros de
processamento do próprio banco. Tais soluções faziam a abolição desses trâmites
e os substituía por um modelo baseado na captura das imagens dos documentos em
scanners posicionados na agência.
Se já era impressionante a economia
obtida pela truncagem inicial, este novo modelo de captura descentralizada
passou a permitir que cada agência capturasse seus próprios cheques (além, é
claro de boletos e documentos não financeiros) e os integrasse em um fluxo
totalmente baseado em imagem e 100% compatível com os marcos legais e
institucionais.
Trata-se de um avanço extremamente
representativo e que o Brasil já exporta como modelo para economias de todos os
continentes como o mais maduro e evoluído até agora.
No que tange à captura por
smartphone, a evolução acontece de forma acelerada, a ponto de uma única
central brasileira de processamento de imagem já operar diariamente na abertura
de mais de 10 mil contas correntes via celular para bancos do Brasil e da
América Latina. Daí a começarmos a capturar também cheques no próprio balcão do
comerciante (para que não precisem ser levados fisicamente até a agência), é só
uma questão de tempo.
Algumas
iniciativas neste sentido já são oferecidas por alguns bancos. Porém, a
tecnologia utilizada por estes ainda requer muito esforço por parte do cliente
e pela retaguarda da instituição, dificultando sua implantação em larga escala.
Resta ao mercado como um todo entender que a câmera do celular - mesmo equipada
com recursos avançados de alta qualidade, estabilização e foco das imagens,
ainda está distante de um dispositivo preparado para captação de imagens como
um scanner.
Ao fotografar, por exemplo, uma
carteira de identidade, o usuário pode fazê-lo a distâncias aleatórias. Seu
enquadramento pode não ser adequado, havendo cortes ou ângulos no documento.
Ainda que continue legível, este tipo de distorção pode acarretar em capturas
não apropriadas e não autênticas segundo a legislação vigente. O documento, não
raramente, poderá ser capturado sem foco, com sombras, brilho e outras
interferências além da própria característica gráfica de certos documentos nem
sempre favorecer esta captura móvel.
Outro ponto que vem sendo procurado
pelos bancos é a interpretação dos dados dos documentos através de
reconhecedores de caracteres ópticos (ou OCR, no acrônimo em Inglês), uma forma
de extrair dados dos documentos sem exigir a digitação pelo cliente.
Seja como for, uma coisa é obvia: se
a imagem não foi capturada de forma adequada, os índices de reconhecimento
serão extremamente precários. De outro lado, a tecnologia de reconhecimento
ainda não está preparada para reconhecer todas as informações de um documento,
mesmo a imagem estando adequada.
De qualquer forma, tendo ou não uma
boa imagem capturada, os serviços de Backoffice sempre serão necessários, não
só para garantir as verificações legais dos processos, mas preparados de forma
a atender as demandas em qualidade e prazos.
É indispensável que as soluções de
mobilidade - sejam na abertura de contas ou na captura de cheques ou boletos -
possam se ancorar numa estrutura de retaguarda suficientemente inteligente para
definir os eventos em que a intervenção humana seja indispensável no processo.
E que ela seja rápida e eficiente a ponto de o cliente final nem perceber que
ela exista.
Só com uma estrutura híbrida -
suportada por taxas altas de sucesso no processo automatizado, mas com
garantias de resolver inconsistências por conferência humana em um ritmo
"on-the-fly" é que a indústria bancária irá realmente atingir a
maturidade esperada na digitalização móvel.
A alternativa (precária, a nosso
ver) é a de obrigar o usuário a digitar cada byte de informação ou autenticação
exigido no processo. Mas nesse caso, não falaríamos mais de um modelo digital e sim, como se
diria em inglês, de um mero paliativo, valendo o trocadilho "digit all".
Roberto Schmaltz - Diretor Executivo da M2Sys