Tribunais pelo país apertam o cerco contra ações sem prévia tentativa de conciliação
Importada dos EUA, a Black Friday conquistou os
brasileiros há uma década e já compete como uma das datas comerciais mais
importantes do país, ao lado de Natal e Dia das Mães. Na semana quem vem, até
sexta-feira, 29, a corrida pelos descontos se intensifica, marcando um aumento
significativo em vendas de produtos e serviços. Estima-se que 62% dos
brasileiros pretendem realizar algum tipo de compra, atraídos pelos preços mais
em conta, segundo pesquisa Google, de outubro último.
Os números são animadores para as empresas, mas
acendem um alerta para o pós-venda: segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, uma
em cada quatro ações nas Justiças Estaduais e Federais são relacionadas a
consumo. Os assuntos mais demandados são pedidos de indenização
por dano moral e por dano material, as ações contra bancos, ações por devolução
de produto ou rescisão de contrato de prestação de serviços e práticas
abusivas.
Enfrentar algum problema certamente não é o que
espera o consumidor ao adquirir um produto ou serviço, mas as falhas podem
acontecer. No entanto, antes de partir para uma ação na Justiça, é preciso
ficar atento à maneira como os tribunais vem encarando as reclamações.
“Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro vem
sinalizando a necessidade de que consumidores e empresas esgotem as tentativas
de solução extrajudicial antes de recorrerem à justiça”, explica Arina do
Vale, sublíder de equipe em Prevenção de Litígios e Recuperação de Créditos do
escritório Albuquerque Melo.
Recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) reforça essa
tendência, afetando diretamente as relações de consumo de natureza prestacional
daquele estado, ou seja, tudo que envolve a prestação de um serviço, numa
relação triangular: consumidor x fornecedor x serviço. A determinação visa
mitigar o número de processos e garantir mais eficiência na resolução de
conflitos.
A tese fixada pelo TJ/MG estabelece que, para que o
consumidor tenha interesse de agir em juízo, é necessária a tentativa de
resolução extrajudicial por meio de canais oficiais, como SAC - Serviço de Atendimento
ao Consumidor, Procon, Banco Central ou plataformas públicas e privadas, como o
consumidor.gov e Reclame Aqui. A ausência dessa comprovação poderá resultar na
extinção do processo sem julgamento do mérito.
Esse entendimento do TJ/MG não é isolado. Renata
Belmonte, líder do Albuquerque Melo na área de Prevenção de Litígios e
Recuperação de Créditos, destaca que outros estados já
incentivam a tentativa de acordo direto com as empresas. “Esse é um
entendimento que está, cada vez mais, se popularizando. Em Santa Catarina, por
exemplo, há muito tempo eles orientam o consumidor a primeiro tentar a solução
extrajudicial junto às empresas”.
Segundo Belmonte, a decisão é um marco porque
estabelece uma orientação clara sobre o papel dos consumidores e fornecedores.
“A empresa tem, por lei, 30 dias para resolver o problema do consumidor.
Contudo, muitas vezes o consumidor vai direto ao judiciário, almejando uma
indenização moral. Infelizmente, por vezes, os juízes não analisam o prazo e
acabam por condenar as empresas, sendo necessário recorrer daquela decisão, que
muitas vezes tem um custo tão alto, que as empresas preferem pagar a
condenação”.
A decisão representa um desafio e uma oportunidade
para os prestadores de serviços. Além de investirem em canais de atendimento e
estratégias de comunicação claras com os consumidores, as empresas precisam
criar processos eficazes para atender às demandas fora do âmbito judicial.
“Entendo que o papel das empresas nessa comunicação é fundamental, pois compete
a elas criarem canais acessíveis de comunicação com o consumidor, orientando a
procura pelos canais de atendimento, bem como os meios de solução alternativa
de conflitos, como o consumidor.gov.br e Procon”, alerta Belmonte.
Ao consumidor que entra com uma ação sem tentar
resolver extrajudicialmente, a consequência pode ser a perda do pedido de
indenização por dano moral, conforme esclarece Arina do Vale: “O consumidor tem
com ele o direito de ação. Contudo, em razão dessa previsão legal, a verdade é
que se ele não tiver procurado pelo fornecedor antes, a única coisa que ele
conseguirá é que o fornecedor resolva seu problema, mas não terá direito a dano
moral, que com certeza é o que o consumidor almeja quando vai direto bater nas
portas do judiciário”.
Apesar do otimismo em relação à diminuição de
processos, há um ponto de atenção: a aplicação dessas medidas não pode se
tornar uma barreira. “O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura direitos
básicos, como o acesso à justiça e a proteção contra práticas abusivas. A
decisão do TJ/MG apenas busca incentivar que tentativas razoáveis de solução
sejam feitas previamente. Um ponto de atenção seria garantir que essa
orientação não se torne uma barreira ou uma forma de postergar o direito do consumidor”,
analisa Belmonte.
Fontes:
Renata Belmonte é líder de
equipe do escritório Albuquerque Melo Advogados em Prevenção de Litígios e
Recuperação de Créditos. É pós-graduada em Processo Civil pela Escola Paulista
de Direito (EPD) e possui curso de especialização em Direito Civil pela
Universidade de Coimbra; Arina do Vale é sublíder na área de Prevenção de
Litígios e Recuperação de Créditos do Albuquerque Melo Advogado e pós-graduada
em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes.
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