O final do ano vem se aproximando e é natural que
iniciemos reflexões sobre nossos momentos, nossas conquistas e nossas perdas ao
longo destes 365 dias. E com 2020 não será diferente. Mas existe um elemento
neste ano, em especial, que imputa e promove uma verdadeira aposta de
cancelamentos e desejos para que ele seja apagado da memória de milhares de
pessoas: a pandemia. Sim, tem sido um ano indescritível. Para muitos, antes de
seu fim ele já terminou - se findou praticamente logo após ter iniciado.
Terminou quando o Novo Coronavírus (Covid-19) se instalou e assolou todo o mundo.
Após tantos meses, e com o ano chegando ao seu
final, é natural sentirmos um misto de sensações: a ideia de finitude, emoções
afloradas, a esperança pelo que o novo pode nos trazer de bom, com a entrada em
uma nova fase da vida, além de angústias pinceladas de melancolia, saudosismos
e depressão. A famosa depressão de fim de ano - que é decorrente de uma
sensação de tristeza por revivermos na mente traumas passados ou um grande
estresse ao longo dos últimos 365 dias. E com 2020 tudo isso não será diferente,
mas especialistas de saúde mental acreditam que essa depressão poderá ser ainda
mais devastadora. O estresse pós-traumático provocado pela pandemia, associado
a perdas de milhares de pessoas, certamente irá proporcionar transtornos
psíquicos jamais vistos em anos anteriores.
É nesse momento de reta final de um ano que,
naturalmente, paramos para pensar e fazer levantamentos sobre as nossas
conquistas e nossas perdas ao longo dos meses. Nos enchemos de alegria com as
transformações vivenciadas, as conquistas alcançadas, mas também colecionamos
expectativas frustradas. Além disso, aumentamos a nossa culpa interna para
justificar projetos ou idealizações em que não obtivemos o resultado esperado.
Por isso, para muitos, o fim do ano assume muito mais um aspecto depressivo e
triste do que festivo.
A pandemia do Novo Coronavírus, colocou os seres
humanos em quarentena, paralisando o planeta. Decretou o distanciamento social
e o isolamento, onde cada um deveria ficar em suas casas, e fez com que o mundo
vivesse algo inexplicável e sem precedentes. A saúde psicológica da maioria das
pessoas foi devastada, pois está diretamente ligada aos seus direitos de posse
e às suas liberdades - ao tirar uma, ou as duas, as pessoas se desintegram
emocionalmente. E é o que temos visto, já que estatísticas mostram um aumento
considerável dos casos de transtornos mentais em função dos últimos
acontecimentos. Em poucos meses, o vírus matou, e ainda está matando, milhões
de pessoas. Centenas de milhares estão infectadas. Cientistas trabalham
incessantemente em busca de uma vacina para contê-lo. A verdade é que o ano de
2020 está sendo o ano do mundo às avessas. Um ano extremamente difícil de
descrever, o qual seu fim tem sido muito desejado. Claro que algumas pessoas
ainda tentam se manter esperançosas, cheias de planos para 2021. Mas para a
grande maioria, a atmosfera de esperança e sonhos vem adquirindo um aspecto
mais pessimista. Querem apenas o término de 2020. Querem deletar da memória
todo um ano, mesmo que isso seja impossível de ser feito.
Mas é muito radical dizer que é um ano perdido, um
ano que deve ser cancelado ou que não deveria ter existido. Tivemos, sim,
atrasos e retrocessos. Muitos projetos ficaram estacionados. Mas 2020 também
nos apresentou transformações e adaptações em todos os campos da vida. O que
vamos fazer com as lições que aprendemos de forma tão inusitada? Apagamos e
fingimos nunca ter ocorrido? Não podemos negar que foi um ano de grandes
aprendizados. Aprendemos a incluir em nossos dias um novo modo de viver. Apesar
das graves consequências sociais e emocionais da pandemia, estamos vivenciando
gestos mais solidários. Pessoas que antes não olhavam para o lado, resolveram
se mexer e ajudar, de alguma maneira, seu próximo. O caos mostrou um novo jeito
de viver que, através das redes sociais e do online, nos aproximou mais das
pessoas que amamos e que, por vezes estávamos distantes. Idosos estão mais
inclusivos nas tecnologias e o contato foi facilitado por um mundo virtual que
tomou novas proporções. Artistas se reinventaram para levar sua arte para a
população, assim como médicos e profissionais de saúde mental também aderiram à
telemedicina, proporcionando mais conforto e segurança aos seus pacientes. A
colaboração com o próximo nunca foi tão intensificada. Exemplos empáticos
se espalham pelo mundo. Ações louváveis - afinal, cuidar é um ato glorioso que
tende a tornar o mundo muito melhor.
A mudança na relação de higiene e cuidado,
para se evitar doenças e promover uma melhor qualidade de vida, também se
destaca dentro das novas rotinas. Portanto, um dos pontos fortes foram as
soluções encontradas para suportar o isolamento social e estimulando a
criatividade, o que demonstra que podemos adaptar a nossa capacidade de
enfrentamento conforme o desafio proposto. Percebemos, a duras penas, que o
decreto das prioridades e o modo operandis da comunicação global sofreram
alterações drásticas, porém, ao mesmo tempo, muito favoráveis. Estamos
aprendendo a planejar horários e a descontruir a necessidade de aceleração com
os quais os conceitos de autodisciplina e autocontrole estão sendo melhor
canalizados. Parâmetros de uma nova realidade trazida pela pandemia.
Nossa capacidade em ser resiliente está sendo
colocada à prova a todo momento. Estamos sendo desafiados a fortalecer nossa
percepção de mundo para que assim possamos lidar melhor com o invisível e com
nós mesmos, visto que tudo aquilo que foge ao nosso controle certamente poderá
desencadear inseguranças, além de transtornos, neuroses psíquicas e desajustes
em nosso organismo. Mas constatamos, da pior maneira, que não temos o controle
sobre nada. Descobrimos um novo universo que exige do indivíduo muito mais
sanidade e equilíbrio, sem fugir da realidade, conciliando mundo interno com
mundo externo de forma saudável.
Em nossas reflexões do fim do ano de 2020, é muito
importante levar esses pontos em consideração. Olhados por outro viés, muitos
hábitos adquiridos em tempos de Covid-19 trouxeram a consciência do senso de
urgência, o decreto das prioridades e a potencialização do senso de
coletividade como estratégias de contribuição para a evolução humana. Tempos
difíceis que contribuíram também para a aceitação e o reconhecimento dos nossos
próprios limites, fortalecendo, assim, as relações interpessoais e trazendo ao
consciente as aplicações do senso de pertencimento, da comunicação e da união -
excelentes aliados na proteção de nossa sobrevivência física e mental.
Portanto, 2020 não pode ser um ano perdido. Não
vamos cancelar 2020. Não podemos negar que 2020 mostrou-nos um mundo diferente.
Estamos num momento histórico, desafiador, inimaginável e, portanto,
inesquecível, que marcará para sempre a todos que por ele passaram. É fato que
o ser humano se transformou - se não todos, a sua grande maioria. A percepção
de ruptura tem promovido a valorização dos detalhes e a busca por escolhas mais
conscientes. Podemos administrar melhor essa sensação de impotência, que faz
parte da condição humana, e fortalecer nossas esperanças em relação ao amanhã.
Que possamos juntar todos os aprendizados dos últimos meses e transformar em
lições, entendendo que apesar de tudo, podemos gerenciar nossas emoções e
promover o nosso bem-estar - levando para o próximo ano as mudanças de hábitos
e os novos posicionamentos que têm nos feito ser mais fortes, mais empáticos,
mais cooperativos e menos imediatistas. Que possamos, assim, valorizar mais os
pequenos detalhes, os afetos e, dentro da evolução humana, acrescentar
ingredientes apimentados de harmonia, leveza e, principalmente,
responsabilidades. Assim sendo, resgataremos a esperança da chegada de um
novo ano cheio de oportunidades e conquistas - com a chancela da plena certeza
do nosso papel e de nossos valores.
Dra. Andréa Ladislau * Doutora
em Psicanálise * Membro da Academia Fluminense de Letras - cadeira de numero 15
de Ciências Sociais * Administradora Hospitalar e Gestão em Saúde * Pós
Graduada em Psicopedagogia e Inclusão Social * Professora na Graduação em
Psicanálise * Embaixadora e Diplomata In The World Academy of Human Sciences US
Ambassador In Niterói * Membro do Conselho de Comissão de Ética e
AcompanhamentoProfissional do Instituto Miesperanza * Professora Associada no
Instituto Universitário de Pesquisa em Psicanálise da Universidade Católica de
Sanctae Mariae do Congo. * Professora Associada do Departamento de Psicanálise
du Saint Peter and Saint Paul Lutheran Institute au Canada, situado em
souhaites.