O idoso ficou mais vulnerável psicológica e socialmente durante a pandemia. Por ser do grupo de risco, essa parte da população sofreu forte impacto na saúde mental ao se ver mais sozinha e sem interação social ou contato com parentes e amigos. Mas, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, uma parcela dessa população está buscando e encontrando formas criativas de se adaptar à nova realidade.
"Tenho acompanhado diariamente cerca de 20 nonagenários que tiveram muita
dificuldade no início da pandemia. Agora, estão buscando formas criativas de se
adaptar à nova realidade. Eles se sentem úteis, importantes e fazendo algo de
significativo, mesmo dentro de suas casas", comenta.
Apesar desse cenário, a pesquisadora afirma que a grande maioria dos idosos
está sofrendo violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro e
xingamentos durante a quarentena.
"A velhofobia se tornou uma realidade cruel ainda maior nesta
pandemia", afirma.
Doutora em Antropologia Social, Mirian Goldenberg fará na próxima quinta, dia
22, a partir das 19h, a palestra online da Casa do Saber Rio "A invenção
de uma bela velhice: projetos de vida e busca de significado". Aqui, ela
analisa o tema. Confira:
Quando se fica velho?
Culturalmente, ficamos velhos muito cedo no Brasil, principalmente as mulheres.
Com 30 anos, minhas pesquisadas já estão em pânico com as rugas, cabelos
brancos, dificuldade para emagrecer. Começam a ter medo de não casarem e não
terem filhos. Subjetivamente, envelhecemos muito cedo aqui porque existe uma
velhofobia no Brasil: preconceitos e violências contra os mais velhos, dentro e
fora de nossas casas. Ficamos velhos aqui porque o pânico de envelhecer é
enorme. Em outras culturas não é assim.
É mais fácil envelhecer hoje que no tempo dos nossos avós? O que mudou?
É um paradoxo: é mais fácil e mais difícil. Mais fácil porque temos exemplos de
muitos homens e mulheres que têm mais de 90 e são produtivos, ativos,
independentes. Mais difícil porque a cultura da juventude, da beleza e do corpo
perfeito, é cada vez mais disseminada no país.
É possível a eterna juventude, não na questão física, mas do ponto de vista
emocional?
Não acredito que ser jovem é melhor do que ser velho, pois como digo em todos
os meus cursos, palestras e textos: todos nós somos velhos, hoje ou amanhã. Falar
de ser eternamente jovem é alimentar a ideia de que a juventude é melhor do que
a velhice, mais bela, mais produtiva, mais rica. Acho exatamente o contrário:
só acreditando que todos são velhos, inclusive os jovens, iremos mudar a nossa
representação sobre a velhice. Então, em vez de eterna juventude, não seria
melhor falar de eterna velhice?
Em tempos de pandemia, em que os idosos, por serem grupo de risco, precisam
ficar em casa, com pouco contato com o mundo externo, envelhecer está mais
difícil?
Tenho acompanhado diariamente cerca de 20 nonagenários, que tiveram muita
dificuldade no início da pandemia. Agora, estão buscando formas criativas de se
adaptar à nova realidade. Juntos, estamos fazendo uma série de atividades:
grupo de estudos sobre "Os Lusíadas" de Camões, jogos de palavras,
lives, tocando piano, leitura de autores como Clarice Lispector e Fernando
Pessoa, por exemplo. Eles se sentem úteis, importantes e fazendo algo de
significativo, mesmo dentro de suas casas. Mas a grande maioria dos velhos está
sofrendo violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos.
A velhofobia se tornou uma realidade cruel ainda maior nesta pandemia.
Como cuidar da saúde mental dos mais velhos para não surtarem durante o
isolamento social e continuarem se reinventando?
Escutando, conversando, estando junto deles - mesmo que não fisicamente -,
compartilhando atividades, respeitando seus desejos e limites. É o que tenho
feito 24 horas do meu dia, desde 15 de março. Nunca estive tão próxima deles,
nunca senti e recebi tanto amor como agora.
Como as mulheres têm encarado o envelhecimento nos dias de hoje? A sociedade
ainda impõe a elas uma cobrança maior que aos homens?
Em todos os países em que estive, são as mulheres as maiores responsáveis por
cuidar de todos na família, da casa, no trabalho, dos amigos. As mulheres
cuidam de todos, mas não têm tempo para cuidar delas mesmas. Elas se sentem
exaustas, deprimidas, insatisfeitas, frustradas por não terem tempo para elas.
O fato de cuidarem de todos e não terem tempo para elas faz com que se sintam
invisíveis, transparentes, sem o reconhecimento que elas tanto desejam. Elas
dedicam todo o tempo para cuidar dos outros e não recebem o menor
reconhecimento ou agradecimento por isso. É como se fosse apenas uma obrigação
que elas devem cumprir por serem mulheres. Elas não cuidam de si mesmas, não
têm tempo para si, não têm liberdade para serem elas mesmas. Liberdade social e
liberdade interior. As mulheres são cobradas para terem uma vida muito mais
controlada sexualmente, amorosamente, profissionalmente e em todas as áreas da
vida. Por isso elas invejam tanto a liberdade dos homens. Elas querem ser mais
livres em todos os sentidos, inclusive livres para poderem realizar todo o seu
potencial amoroso, sexual, criativo, produtivo. As mulheres não são livres para
serem elas mesmas.
O que é velhofobia? Acha que ela aumentou em tempos de pandemia?
A calamidade que estamos enfrentando evidenciou a face mais perversa de alguns
políticos e empresários: a velhofobia. Estamos assistindo horrorizados a
discursos sórdidos, recheados de estigmas, preconceitos e violências contra os
mais velhos. "Vamos todos nos contaminar para criar imunidade e esta
epidemia acabar logo. Só irão morrer alguns velhinhos doentes".
"Deixem os jovens trabalharem. Não vamos parar a economia para salvar a
vida de velhinhos". "Só velhinhos irão morrer, eles iriam morrer
mesmo, mais cedo ou mais tarde".
Esse tipo de discurso revela uma situação dramática que já existia antes da
pandemia. Os velhos são considerados inúteis, desnecessários e invisíveis.
Homens e mulheres mais velhos, que já experimentam uma espécie de morte
simbólica, ficam desesperados ao constatar que são considerados um peso para a
sociedade. No entanto, a forte reação contra esses sociopatas prova que os mais
velhos são muito valiosos e importantes para os brasileiros. Faremos tudo o que
for necessário para demonstrar que os nossos velhos não são um peso, muito pelo
contrário. São eles que estão nos ajudando a encontrar força e coragem para
sobreviver física e mentalmente. São eles que estão nos ensinando a ser pessoas
mais amorosas e generosas. São eles que estão cuidando de nós, como fizeram
durante toda a vida.
Muitos dos que disseminam o discurso de ódio e de extermínio dos mais velhos já
passaram dos 60 anos. É urgente que eles aprendam uma lição importante: a única
categoria social que une todo mundo é o ser velho. A criança e o jovem de hoje
serão os velhos de amanhã. Os velhofóbicos estão construindo o seu próprio
destino como velhos, e também o destino dos seus filhos e netos: os velhos de
amanhã. Será que estes genocidas serão tão amados e protegidos como são os
nossos velhos ou serão tratados como "velhinhos descartáveis"?
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