A expansão da cabotagem na matriz de transporte é esperada há muito tempo pela sociedade e indústria brasileiras e, considerando a dimensão continental do Brasil, existe um imenso potencial para a navegação em seu litoral.
Para incrementar essa atividade, o Governo Federal
enviou ao Congresso um Projeto de Lei, conhecido como “BR do Mar”, que propõe
uma solução para o incremento da cabotagem, mas que, infelizmente, por focar no
afretamento de embarcações estrangeiras, acaba por prejudicar a indústria
brasileira.
Ao abrir o mercado para embarcações estrangeiras, o
Projeto de Lei desconsidera que a indústria nacional convive com grandes
assimetrias quando comparada à indústria de outros Países que é o Custo Brasil,
cuja existência é aceita por todos, inclusive pelo governo federal. Os preços
nacionais são menos competitivos devido a fatores como a alta carga tributária,
taxas de juros, logística pouco eficiente e cara entre outros fatores, que
estão fora do alcance e do poder de decisão dos industriais brasileiros
O Projeto de Lei desconsidera as várias assimetrias
que temos com a média dos países da OCDE e resulta em tratamento não isonômico
entre navios estrangeiros afretados e navios produzidos no Brasil. Isso vale
também para reparos, manutenções e jumborizações (obras para aumento de
capacidade).
Assim, de modo a não prejudicar ainda mais a
indústria nacional e garantir a diminuição da taxa de desemprego no país bem
como melhoria de renda, entendemos que alguns dispositivos devem ser ajustados.
Por exemplo: devem ser mantidas a exigência de propriedade de embarcação para
habilitação como Empresa Brasileira de Navegação e a participação da indústria
naval nacional quando do afretamento a casco nu de embarcação estrangeira, deve
ser eliminada a possibilidade de liberação escalonada de novos afretamentos a
casco nu nos termos indicados no PL – permissão de dois afretamentos em 2021,
três em 2022 e liberação total em 2023, entre outras. Se forem mantidos os
citados dispositivos, na prática, as indústrias naval e de navipeças
brasileiras serão alijadas das oportunidades decorrentes do incremento das
atividades de cabotagem, eliminando postos de trabalho existentes e
comprometendo a geração de novos empregos.
Existem pontos propostos que exacerbam a citada
assimetria. A título de exemplo, citamos o fato de os navios afretados estarem
submetidos ao regime de admissão temporária, que pressupõe a suspensão de
impostos, condição diferente da aplicada aos navios construídos localmente, que
terão que pagar impostos. Ou seja, importados não pagariam tributos que
nacionais pagariam!
Ao mesmo tempo, a possibilidade de uso de recursos
do Fundo de Marinha Mercante para aquisição de bens no exterior prevista na
proposta contraria a finalidade para a qual o FMM foi criado, qual seja,
desenvolver a indústria de navegação e de construção naval no País. Seria um
subsídio dado para empresas do exterior!?
Conforme demonstrado, um PL unicamente voltado ao
estímulo à navegação provoca um aumento da desvantagem competitiva para a
indústria local, quando o ideal seria, na medida do possível, combinar a
desejada expansão da cabotagem com o desenvolvimento amplo da construção naval
no Brasil e de toda a cadeia de valor envolvida. Também é necessário explicitar
como o Fundo de Marinha Mercante pode contribuir com maior eficácia para o
aumento da competitividade da indústria local.
Importante esclarecer que estamos cientes de que o
PL em questão não tem como objetivo implantar uma Política Industrial no
Brasil. No entanto, isso não significa que, a pretexto de estimular a
cabotagem, possa produzir efeitos contrários à existência de uma indústria de
construção naval brasileira, que devido à extensa cadeia de valor envolvida,
pode contribuir substancialmente para o desenvolvimento nacional.
O Brasil dispõe de estaleiros modernos e bem
equipados, hoje ociosos, e que foram construídos com financiamento provenientes
de verbas públicas, ou seja, pagos com o dinheiro de todos os brasileiros.
Contamos com uma complexa e moderna indústria de máquinas, equivalente a
existente nos países mais industrializados. Logo, nada mais correto e coerente
do que buscar utilizá-los, gerando renda e empregos no País.
Estudos mostram que a participação do custo das
embarcações no custo total da cabotagem gira em torno de 5%. Portanto um navio
em torno de 10% mais caro por conta das assimetrias do Custo Brasil impactariam
negativamente nos fretes na ordem de 0,5% e, em contrapartida, gerariam um
efeito positivo na economia do país.
Sabemos também que o governo brasileiro tem um
compromisso em reduzir o Custo Brasil com as tão sonhadas reformas. Se
conseguir seu intento, a produção nacional de embarcações, máquinas e
equipamentos não vão onerar o frete.
Por fim cabe ressaltar que a ampliação da
necessidade de fretes está diretamente atrelada à demanda crescente da
indústria nacional. Não há demanda para frete se não há produto para
transportar! Assim, para criarmos um ciclo virtuoso que nos conduza a uma rota
de crescimento é fundamental usar o PL para estimular ao desenvolvimento
nacional. Não podemos perder mais essa oportunidade.
Alberto Machado Neto - Diretor de Petróleo, Gás
Natural, Bioenergia e Petroquímica da ABIMAQ