Os Estados Unidos enfrentarão mais uma vez um ciclo eleitoral com nuances muito particulares. Depois de 2016, um ano que ficou marcado pela ascensão da antipolítica, agora a tônica será diferente. A pandemia deve marcar de forma determinante os debates eleitorais de 2020. Algo que pode mexer profundamente com o resultado de muitas disputas.
Isto significa que existe possibilidade real de
câmbio de poder na balança política norte-americana, algo que está muito além
da Casa Branca. O modelo institucional desenhado por James Madison deixou o
poder real nas mãos do legislativo, local onde sempre deve se olhar com maior
atenção.
A Câmara dos Representantes, que se renova a
cada dois anos, certamente continuará nas mãos do democratas, fornecendo um
forte impulso para a agenda de um eventual governo Biden ou colocando rédeas
nas iniciativas de Trump, caso reeleito. O Senado, que renova um terço a cada
dois anos, tende a manter seu equilíbrio habitual.
Fato é que o governo brasileiro, apesar de
conseguir dialogar de forma direta com a Casa Branca republicana, precisa
trabalhar em um plano alternativo para o caso de Biden vencer as eleições e os
democratas passarem a exercer uma hegemonia pesada no cenário político de
Washington.
Do lado republicano, os nomes são conhecidos,
como os senadores Marco Rubio e Ted Cruz, ou mesmo os deputados Kevin McCarthy
e Steve Scalise. Do outro lado, entretanto, existem nomes que precisam entrar
no radar do governo brasileiro. Desde a candidata a vice escolhida por Biden,
Senadora Kamala Harris e nomes importantes como Susan Rice, que serviu como
Embaixadora nas Nações Unidas, até congressistas relevantes nas relações com o
Brasil, comoGregory Meeks, de Nova York.
Durante meus anos em Washington, sempre
transitei em ambos lados do espectro político, pois sabemos que apesar das
divergências cada vez maiores entre os dois grandes partidos, é no centro que
conseguimos criar o consenso e aprovar agendas importantes para o Brasil. Ao
introduzir o futuro governo brasileiro para os decision makers do lado
republicano durante visita em Washington em 2018, sabia que nos próximos anos
poderia surgir necessidade de também abrir canais do outro lado do espectro
político.
Isto significa que, como tudo na política é
cíclico, chegou o momento de nosso país, após sedimentar uma relação com os
republicanos, estar preparado para uma eventual troca de comando nas esferas de
poder. Assim como no chamado Grand Old Party, nos círculos democratas também
transitam políticos que teriam enorme prazer em criar canais de diálogo de alto
nível com o governo brasileiro, assim como fizemos por ocasião da visita
realizada em 2018.
O Brasil precisa acompanhar o desenho eleitoral
que emergirá do ciclo político norte-americano. Estarão em disputa 435 cadeiras
na Câmara, 35 no Senado, 11 governos de estado, além de legislativos estaduais,
prefeitos e a Presidência. Sabemos que a política nos Estados Unidos possui um
forte traço regional. Da nova correlação de forças que emergir das urnas,
excelentes oportunidades podem surgir para o Brasil.
Os laços que unem os dois países são muito mais
profundos do que se imagina, passando pela natureza imigratória de seus povos e
seu apreço pelos valores democráticos. Ao inaugurar uma aproximação com
Washington, nosso Itamaraty identificou traços que vão muito além da diplomacia
e se desdobram no comércio e na cultura, elementos fundamentais de uma aliança
sólida e duradoura.
Certamente, ao consolidar sua parceria com
Washington, Brasília estará acima das diferenças políticas. Ao conversar com
conhecidos no Capitólio, escutei que Biden e os democratas entendem a posição
estratégica do Brasil na América Latina, especialmente diante de um jogo de
influência executado por Rússia e China na região. Um possível governo
democrata estará pronto para ir além e sedimentar alianças estratégicas de
longo prazo que já foram iniciadas e fortalecem os laços entre as duas nações.
Márcio Coimbra - coordenador
da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade
Presbiteriana Mackenzie Brasília, Cientista Político, mestre em Ação Política
pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil.
Diretor-Executivo do Interlegis no Senado Federal.