A lipodistrofia parcial familiar (LPF) é uma doença
subdiagnosticada que pode comprometer órgãos vitais e desencadear crises de
pancreatite
Valéria
Soares, 33 anos, empresária e coordenadora de projetos e suplementos, passou
décadas em busca de respostas. Desde a adolescência ela tinha problemas de
saúde e enfrentava sintomas que não tinham explicações plausíveis. A jornada,
até descobrir que sua condição era resultado de uma doença genética rara - a
lipodistrofia parcial familiar - foi longa. A LPF é uma doença que se caracteriza
pela perda irregular de tecido adiposo (gordura), sem relação com dieta ou
aumento do gasto energético, e pode levar a complicações metabólicas grave.1
“A enfermidade é causada por uma mutação genética. Essa alteração provoca uma
redução da gordura em braços e pernas, enquanto promove acúmulo em outras
regiões, como fígado, músculos e corrente sanguínea, causando o excesso de
triglicerídeos. Esse desequilíbrio pode resultar em complicações, como maior
risco do desenvolvimento de diabetes mellitus, hipertensão arterial e
doença cardiovascular precoce (infarto ou AVC) e, em casos graves, levar à
morte”, explica a endocrinologista Natália Rossin Guidorizzi.
No
caso de Valéria, os primeiros sinais da doença surgiram quando ela tinha 15
anos. “Eu tinha diversos hematomas pelo corpo, altos níveis de gordura no
sangue e episódios recorrentes do que achávamos ser intoxicação alimentar na
época”, relembra. Aos 19 anos, Valéria sofreu sua primeira pancreatite grave.
“Meus hábitos não justificavam os sintomas. Eu não bebia, cuidava da
alimentação, fazia tudo certo. Mesmo assim, os médicos não encontravam uma
explicação e, muitas vezes, atribuíam o problema ao meu estilo de vida, apesar
do que eu relatava”.
A
endocrinologista explica que a LPF pode surgir em qualquer fase da vida. “Os
sintomas inespecíficos da doença, como pancreatites e diabetes, frequentemente
dificultam o diagnóstico precoce e atrasam o início do tratamento adequado. E
sem o manejo correto, a doença pode evoluir e ter complicações graves. O exame
genético pode ajudar na confirmação, mas um resultado negativo não a descarta,
pois o diagnóstico é essencialmente clínico”, reforça a especialista. Testes
laboratoriais, como a avaliação do perfil lipídico [exame de sangue que avalia
os níveis de lipídios (gorduras) no organismo], exame físico detalhado e
histórico familiar são fundamentais para identificar e monitorar a condição.
Entre
2011 e 2023, Valéria enfrentou inúmeras crises, sendo que algumas, vinham à
tona a cada dois ou três meses. Durante anos, o foco do tratamento foi o
controle do diabetes pancreático, uma das complicações das pancreatites
recorrentes. "Eu sentia como se meu pâncreas estivesse morrendo aos
poucos", desabafa. Em meio a muita angústia e a falta de um diagnóstico
preciso, a resposta definitiva veio somente em 2023, quando sua
endocrinologista decidiu aprofundar a investigação, ao consultar especialistas
e apresentaram caso em um congresso médico. A partir disso, Valéria foi
encaminhada para uma nova avaliação, que incluiu exames genéticos. Embora o
primeiro teste não tenha identificado mutações conhecidas, a insistência da
médica levou ao diagnóstico definitivo de LPF.
Com
a confirmação da doença, Valéria iniciou uma abordagem multidisciplinar e, pela
primeira vez, ela conseguiu estabilizar os níveis de triglicerídeos, que antes
ultrapassavam 8.000 mg/dL, reduzindo-os para cerca de 380 mg/dL. Uma redução
extremamente significativa.
Os
impactos da doença ao logo da vida foram significativos. “Tive que abandonar
sonhos profissionais e pessoais. Minha gravidez foi de alto risco. Hoje, me
preocupo muito com o futuro da minha filha de nove anos”, conta. Apesar dos
desafios, Valeria encontrou força na ciência para seguir em frente. Passou a se
informar profundamente sobre a condição e a participar de grupos de apoio
voltados para pessoas com LPF. “Passei anos sem respostas e sem perspectiva de
vida. Hoje, sei que há uma saída. A informação faz toda a diferença. Minha vida
só começou a melhorar depois do diagnóstico correto e do tratamento adequado.
Por isso, é essencial ampliar o conhecimento sobre essa doença, para que outras
pessoas não precisem passar pelo que eu passei”, finaliza.
Saiba mais sobre a LPF1,2
As
lipodistrofias são desordens caracterizadas por perda variável do tecido
adiposo (gordura) acompanhada de hiperfagia, e pela presença das complicações
metabólicas. A lipodistrofia parcial familiar (LPF) caracteriza-se pela perda
variável de tecido adiposo subcutâneo periférico (membros e glúteos) e acúmulo
de gordura em outras regiões do corpo. Manifestações clínicas incluem
resistência insulínica e outros componentes da síndrome metabólica. Para mais
informações sobre a doença, acesse o site Lipodistrofia
Parcial.
Referências
1 Brown RJ, Araujo-Vilar D, Cheung PT, et al. The Diagnosis and Management of Lipodystrophy Syndromes: A Multi-Society Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2016;101(12):4500-4511. doi:10.1210/jc.2016-2466
2 Hussain I, Garg A. Lipodystrophy Syndromes. Endocrinol Metab Clin North Am. 2016;45(4):783-797. doi:10.1016/j.ecl.2016.06.012
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