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sexta-feira, 4 de abril de 2025

LPF: ‘Levei 20 anos até chegar ao diagnóstico de uma doença genética rara. Eu sentia que meu pâncreas estava morrendo’

 

A lipodistrofia parcial familiar (LPF) é uma doença subdiagnosticada que pode comprometer órgãos vitais e desencadear crises de pancreatite

 

Valéria Soares, 33 anos, empresária e coordenadora de projetos e suplementos, passou décadas em busca de respostas. Desde a adolescência ela tinha problemas de saúde e enfrentava sintomas que não tinham explicações plausíveis. A jornada, até descobrir que sua condição era resultado de uma doença genética rara - a lipodistrofia parcial familiar - foi longa. A LPF é uma doença que se caracteriza pela perda irregular de tecido adiposo (gordura), sem relação com dieta ou aumento do gasto energético, e pode levar a complicações metabólicas grave.1 “A enfermidade é causada por uma mutação genética. Essa alteração provoca uma redução da gordura em braços e pernas, enquanto promove acúmulo em outras regiões, como fígado, músculos e corrente sanguínea, causando o excesso de triglicerídeos. Esse desequilíbrio pode resultar em complicações, como maior risco do desenvolvimento de diabetes mellitus, hipertensão arterial e doença cardiovascular precoce (infarto ou AVC) e, em casos graves, levar à morte”, explica a endocrinologista Natália Rossin Guidorizzi. 

No caso de Valéria, os primeiros sinais da doença surgiram quando ela tinha 15 anos. “Eu tinha diversos hematomas pelo corpo, altos níveis de gordura no sangue e episódios recorrentes do que achávamos ser intoxicação alimentar na época”, relembra. Aos 19 anos, Valéria sofreu sua primeira pancreatite grave. “Meus hábitos não justificavam os sintomas. Eu não bebia, cuidava da alimentação, fazia tudo certo. Mesmo assim, os médicos não encontravam uma explicação e, muitas vezes, atribuíam o problema ao meu estilo de vida, apesar do que eu relatava”. 

A endocrinologista explica que a LPF pode surgir em qualquer fase da vida. “Os sintomas inespecíficos da doença, como pancreatites e diabetes, frequentemente dificultam o diagnóstico precoce e atrasam o início do tratamento adequado. E sem o manejo correto, a doença pode evoluir e ter complicações graves. O exame genético pode ajudar na confirmação, mas um resultado negativo não a descarta, pois o diagnóstico é essencialmente clínico”, reforça a especialista. Testes laboratoriais, como a avaliação do perfil lipídico [exame de sangue que avalia os níveis de lipídios (gorduras) no organismo], exame físico detalhado e histórico familiar são fundamentais para identificar e monitorar a condição. 

Entre 2011 e 2023, Valéria enfrentou inúmeras crises, sendo que algumas, vinham à tona a cada dois ou três meses. Durante anos, o foco do tratamento foi o controle do diabetes pancreático, uma das complicações das pancreatites recorrentes. "Eu sentia como se meu pâncreas estivesse morrendo aos poucos", desabafa. Em meio a muita angústia e a falta de um diagnóstico preciso, a resposta definitiva veio somente em 2023, quando sua endocrinologista decidiu aprofundar a investigação, ao consultar especialistas e apresentaram caso em um congresso médico. A partir disso, Valéria foi encaminhada para uma nova avaliação, que incluiu exames genéticos. Embora o primeiro teste não tenha identificado mutações conhecidas, a insistência da médica levou ao diagnóstico definitivo de LPF. 

Com a confirmação da doença, Valéria iniciou uma abordagem multidisciplinar e, pela primeira vez, ela conseguiu estabilizar os níveis de triglicerídeos, que antes ultrapassavam 8.000 mg/dL, reduzindo-os para cerca de 380 mg/dL. Uma redução extremamente significativa. 

Os impactos da doença ao logo da vida foram significativos. “Tive que abandonar sonhos profissionais e pessoais. Minha gravidez foi de alto risco. Hoje, me preocupo muito com o futuro da minha filha de nove anos”, conta. Apesar dos desafios, Valeria encontrou força na ciência para seguir em frente. Passou a se informar profundamente sobre a condição e a participar de grupos de apoio voltados para pessoas com LPF. “Passei anos sem respostas e sem perspectiva de vida. Hoje, sei que há uma saída. A informação faz toda a diferença. Minha vida só começou a melhorar depois do diagnóstico correto e do tratamento adequado. Por isso, é essencial ampliar o conhecimento sobre essa doença, para que outras pessoas não precisem passar pelo que eu passei”, finaliza.

 

Saiba mais sobre a LPF1,2

As lipodistrofias são desordens caracterizadas por perda variável do tecido adiposo (gordura) acompanhada de hiperfagia, e pela presença das complicações metabólicas. A lipodistrofia parcial familiar (LPF) caracteriza-se pela perda variável de tecido adiposo subcutâneo periférico (membros e glúteos) e acúmulo de gordura em outras regiões do corpo. Manifestações clínicas incluem resistência insulínica e outros componentes da síndrome metabólica. Para mais informações sobre a doença, acesse o site Lipodistrofia Parcial.

 



Referências

1 Brown RJ, Araujo-Vilar D, Cheung PT, et al. The Diagnosis and Management of Lipodystrophy Syndromes: A Multi-Society Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2016;101(12):4500-4511. doi:10.1210/jc.2016-2466

2 Hussain I, Garg A. Lipodystrophy Syndromes. Endocrinol Metab Clin North Am. 2016;45(4):783-797. doi:10.1016/j.ecl.2016.06.012


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