Célula (em vermelho) infectada com partículas do vírus SARS-CoV-2 (azul) da cepa ômicron (imagem: NIAD/NIH) |
De acordo com pesquisadores da UFMG e do Hospital Israelita Albert Einstein, essa é a estratégia do SARS-CoV-2 para manipular a maquinaria das células de defesa do hospedeiro; descoberta abre caminho para novas estratégias de tratamento
Para evadir a resposta
imune e se replicar no organismo humano, o vírus SARS-CoV-2, causador da
COVID-19, utiliza a maquinaria das células de defesa para induzir a produção de
proteínas improdutivas, ou seja, sem função protetiva. Foi o que demonstrou um
estudo conduzido por pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein e das
universidades de São Paulo (USP) e Federal de Minas Gerais (UFMG). Publicado recentemente no International Journal
of Molecular Science, o trabalho oferece uma nova base para o
desenvolvimento de terapias antivirais.
Diferentemente de
outros vírus (incluindo outros coronavírus) que também interferem em um
mecanismo celular conhecido como splicing – responsável por
“editar” o RNA mensageiro (mRNA) que dará origem a uma proteína –, o SARS-CoV-2
vai além, bloqueando de forma única a expressão de interferon (proteínas
produzidas pelo sistema imunológico em resposta a infecções) e modulando
populações específicas de células do sistema imunológico. A falta de detalhes
mais precisos sobre esse processo tem sido um dos principais dificultadores
para a criação de novas opções de tratamento para a COVID-19.
Neste estudo financiado pela FAPESP, os pesquisadores voltaram sua
atenção para a investigação de uma hipótese já sugerida na ciência, porém ainda
não caracterizada: a produção de isoformas de mRNA que dão origem a proteínas
sem função. Trata-se de proteínas “defeituosas”, que não funcionam como
deveriam por sofrer alterações no processamento de RNA.
Para isso,
realizaram uma análise integrativa, com diversos conjuntos de dados
transcriptômicos e proteômicos, que permitiu uma observação mais detalhada das
células hospedeiras infectadas tanto in vitro quanto in
vivo.
Os cientistas
descobriram que a infecção por SARS-CoV-2 induz uma expressão predominante de
isoformas sem função em genes relacionados ao sistema de defesa imunológica e à
resposta antiviral (IFN, ISGs, MHC de
classe I, IRF7, OAS3, HLA-B e HNRNPH1).
Esses genes também apresentam menor produção de proteínas “normais”, que, por
sua vez, se tornam mais suscetíveis ao ataque das proteínas virais.
Por outro lado,
genes envolvidos na produção de moléculas inflamatórias importantes respondem
de forma diferente à infecção, como os das citocinas e quimiocinas IL6, CXCL8 e
TNF.
“Apesar de já
existirem mais de 50 trabalhos de transcritômica em COVID-19, é a primeira vez
que essa estratégia do vírus é demonstrada em nível molecular – e tudo isso com
dados públicos”, afirma Glória Regina Franco, professora do Instituto de
Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e uma das autoras do trabalho.
“Ao demonstrar a
interação molecular entre o SARS-CoV-2 e a maquinaria de splicing do
hospedeiro, fornecemos informações fundamentais sobre potenciais alvos para medicamentos
antivirais e intervenções imunomoduladoras”, completa Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert
Einstein, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e um
dos autores do artigo. “As descobertas podem orientar, por exemplo, terapias
que restaurem o processamento normal do RNA durante infecções virais.”
COVID
longa e novas pandemias
Apesar de o pior
momento da pandemia de COVID-19 ter ficado para trás, Nakaya destaca a
importância de novas publicações sobre o tema: “O coronavírus tem potencial
para pandemias severas e nada impede o surgimento de um SARS-CoV-3 ou um
SARS-CoV-4, portanto, quanto mais descobrirmos sobre sua ação, melhor”.
A continuidade de
estudos, especialmente os que mostram os danos em nível molecular, também é
importante para desvendar os mecanismos por trás da COVID longa, doença ainda
enfrentada por milhões de pessoas em todo o mundo e cada vez mais
negligenciada.
O trabalho contou
ainda com a participação de pesquisadores das universidades de Indiana e
Estadual de Michigan (Estados Unidos) e com financiamento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Pró-Reitoria de Pesquisa
da Universidade Federal de Minas Gerais (PRPq-UFMG).
O artigo SARS-CoV-2
Selectively Induces the Expression of Unproductive Splicing Isoforms of
Interferon, Class I MHC, and Splicing Machinery Genes pode ser lido
em: www.mdpi.com/1422-0067/25/11/5671.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/para-subverter-a-resposta-imune-virus-da-covid-estimula-a-producao-de-proteinas-sem-funcao-protetora/52450
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