Os jogos olímpicos de 2024 estão na reta final. A cerimônia de encerramento acontece no domingo, 11 de agosto. Inspirados pelos atletas de destaque, é possível que nos próximos meses o Brasil tenha milhares de crianças e adolescentes matriculados em esportes que ganharam destaque nesta edição, como ginástica artística, futebol, skate, surf, vôlei, futebol, entre outros. A questão que fica é: como garantir a saúde e a segurança das crianças e dos adolescentes que irão se destacar nestas práticas?
A advogada Marilia Golfieri Angella, especialista
em Direito de Família, Gênero e Infância e Juventude, mestre em Processo Civil
pela Faculdade de Direito da USP, explica como deve ser a relação entre esporte
e criança, de acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Veja:
DIREITO ABSOLUTO
A prática esportiva entre
crianças e adolescentes é uma atividade que vai muito além da simples diversão
é um direito autônomo da criança, que precisa ser respeitado pelos pais e responsáveis. É notório que
envolver-se em esportes proporciona uma série de benefícios para a saúde física
e mental, sendo uma
ferramenta poderosa no desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, que
podem, desde cedo, compreenderem a importância da prática esportiva para além
da questão física.
Além dos benefícios físicos, a
prática esportiva tem um impacto significativo na saúde mental, como bem
ressaltado pela nossa ginasta e maior medalhista olímpica da história do nosso
país, Rebeca Andrade.
A atividade física regular
fortalece o corpo, melhora a coordenação motora, aumenta a resistência
cardiovascular e contribui para o desenvolvimento de músculos e ossos
saudáveis. Partes essenciais na rotina de
uma criança para que se desenvolva de forma plena e saudável! De acordo com a lei vigente em nosso país, crianças e adolescentes,
enquanto sujeitos de direitos, possuem prioridade absoluta no respeito a seus
direitos fundamentais (o que inclui o esporte), tendo em vista sua peculiar
etapa de desenvolvimento, sendo responsáveis não só a Família e o Estado, mas
também a Sociedade de um modo geral pela garantia e aplicação desse direito (Constituição
Federal, artigo 227).
O QUE PREVÊ O ECA:
O esporte está descrito no
artigo 4º do ECA como um
direito fundamental da criança e do adolescente, com proteção jurídica
especial, ao lado de direitos vitais como vida e alimentação, dada sua
importância e relevância na vida de qualquer ser humano. Merece também destaque
o artigo 71 da mesma lei, que traz o esporte ao lado da cultura e do lazer, no
sentido de que não somente a prática contribui para o desenvolvimento
infantojuvenil, mas também a participação, como espectador, dos eventos de
prática esportiva como acesso à informação e cultura.
No entanto, uma ressalva
faz-se necessária. Este texto destaca a importância de que pais e responsáveis
de se manterem vigilantes para buscar equilibrar a rotina de treinos com o
direito ao lazer e aos estudos, garantindo uma formação completa e saudável.
Além de elencar o esporte como
um direito fundamental, a prática tem respaldo em outros artigos do ECA,
aparecendo ao lado da brincadeira e da diversão, também, como partes do direito
à liberdade (arrigo 16, inciso IV). O equilíbrio da rotina de treino no caso de
crianças e adolescentes que visam a prática de esporte de forma profissional,
portanto, deve estar aliada ao equilíbrio constante entre o treino e a
diversão, o lazer. Ainda em clima de Olimpíadas, foi nesse sentido a entrevista da
adolescente, skatista e medalhista, Rayssa Leal, ao falar com leveza sobre a
diversão que encontra em seu esporte, o qual pratica desde muito nova.
PAPEL DOS PAIS E RESPONSÁVEIS
Embora os benefícios da
prática esportiva sejam evidentes, os pais e responsáveis têm um papel crucial
de garantir que essa atividade – quando feita em busca de uma
profissionalização – seja equilibrada com outras responsabilidades e direitos
da criança, por isso é essencial que a rotina de treinos não interfira
negativamente no desempenho escolar ou no tempo de lazer, ambos fundamentais para um desenvolvimento saudável.
Os pais devem estar atentos
aos sinais de sobrecarga e estresse, evitando uma agenda excessivamente
preenchida, pois o esporte deve ser uma fonte de prazer e aprendizado, não uma
obrigação que sobrecarregue a criança ou o adolescente, assim como qualquer
outra modalidade de trabalho, tal como o artístico, que muito se assemelha ao
esportivo nesta seara.
É importante também respeitar
as preferências e os limites dos jovens, incentivando-os a praticar modalidades
que realmente lhes tragam satisfação, tendo em vista que precisamos enxergar o esporte também como acesso à cidadania.
Isto porque o esporte
desempenha um papel fundamental na formação da cidadania, promovendo valores
essenciais para a convivência em sociedade. A prática esportiva vai além do
desenvolvimento físico, englobando aspectos sociais, culturais e educacionais
que contribuem para a formação integral dos indivíduos, ainda mais quando
tratamos em termos olímpicos, em que conseguimos ver uma série de interações
internacionais entre atletas do mundo todo, com diferentes culturas, etnias
etc.
Unir esporte e cidadania é pensar nos
benefícios da prática esportiva para a promoção de uma sociedade mais justa e
inclusiva, já que o esporte, por sua essência, é uma poderosa ferramenta de
inclusão social, oferecendo oportunidades para indivíduos de diferentes
contextos socioeconômicos.
PAPEL SOCIAL
Chamo atenção para dois pontos
finais, dentre tantos outros que poderíamos esmiuçar, como a contribuição do
esporte para a construção de uma cultura de paz e cooperação que vai também
afetar o desenvolvimento profissional de crianças e adolescentes.
O primeiro deles em relação
aos benefícios da prática esportiva por crianças e adolescentes vindos de
regiões mais pobres e vulneráveis do país. Programas esportivos comunitários
são frequentemente utilizados para envolver jovens em atividades saudáveis e
educativas, afastando-os de situações de risco, como a criminalidade e o uso de
drogas. A participação em equipes e competições promove o sentimento de
pertencimento e a construção de redes de apoio, sendo este um dos pontos
levantados pela Agência do Governo Federal ao tratar de atletas brasileiros que
vieram de programas sociais e hoje representam o país nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, tal como
Luiz Maurício da Silva, do atletismo.
O segundo ponto seria
vinculado à equidade de gênero, vez que há uma evidente disparidade de
investimento e remuneração entre atletas de diferentes modalidades e mais ainda
quando fazemos o recorte pela ótica feminina, sendo que as mulheres atletas recebem menores salários do que os
homens, até mesmo exercendo a mesma função.
Dessa forma, o esporte também
favorece o desenvolvimento de políticas públicas que visam a equidade de gênero
e a justiça social, com maior empoderamento e integração de minorias e grupos
vulneráveis, proporcionando um ambiente onde todos têm a oportunidade de se
desenvolver e prosperar.
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