Na era digital, na dinâmica da modernidade, tudo
mudou. Entretanto, algumas coisas boas e algumas coisas ruins permanecem como
foram desde sempre. Muda apenas a forma. Eu sempre achei que ser namorado é o
mais perfeito estado civil, pena que não é reconhecido como tal. A rigor, se
fosse, talvez estragaria tudo.
Namorado é – o tempo todo – romântico, criativo,
amoroso, apaixonado, atraente, conquistador, generoso, atento, amigo, cúmplice,
amante, parceiro e, acima de tudo, compreensivo, paciente e corajoso. Marido e
companheiro nem sempre. Namorado age como se tivesse um imenso compromisso,
embora seja livre e respeite a liberdade da pessoa amada. Passa o tempo todo
construindo a relação como se fosse um grande castelo. Namorado sonha, e
realiza sonhos.
Namorado é determinado com a maior qualidade de uma
relação: conquistar. E isso é o que lhe dá um estado de espírito diferente,
especial e encantador. E relação sem encantamento não tem sucesso. Namorado diz
palavras bonitas, faz surpresas, reinventa o mundo, transforma realidades.
Namorado é o único ser repetitivo que não é chato, porque a pessoa amada adora
ouvir de novo: “Eu te amo!”. E namorado sabe dizer isso a cada nova vez sem
mais do mesmo, fora da caixinha.
Igual a tudo na vida, namorado tem princípio, meio e
fim como determinou, na antiguidade clássica, o filósofo grego Aristóteles. Em
suas famosas unidades, escritas entre 335 a.C. e 323 a.C., embora com outros
afazeres, ele se ocupou de ensinar a como escrever poesia. Já havia o amor. Há,
na vida, diferentemente do jeito maravilhoso de ser namorado, muitas coisas que
mudam, de maneira drástica, com o tempo. E não têm as unidades aristotélicas,
são eternas porque, como o amor, também o ódio e outros sentimentos menores
fazem parte da alma humana.
Exemplo disso está em como mudaram os golpes de
estado. O namorado incorporou apenas a tecnologia, envia palavras de amor pela
internet. O político golpista mudou a forma de rasgar constituições, destruir
democracias, desrespeitar liberdades. Comete crimes, aparentemente delicados,
contra a sociedade, agora sem fuzis e canhões. O golpe, hoje, acontece de modo
mais lento, desestruturando as instituições por dentro, em certos casos até com
eleições.
É preciso estar atento e forte. Como no mais puro
amor, lembrando sempre a necessidade da eterna vigilância contra o ódio. E
reagir a qualquer tipo de sedução da consciência. Como todo dia é Dia dos
Namorados, surpreenda a pessoa amada, seja quem for, dizendo o que
provavelmente ela já sabe, mas que gostará de ouvir de novo e sempre: “Eu te
amo”. E sorria, cante, dance, escreva, desenhe, brinque – o namorado tem
licença para ser assim, um adorável maluquinho. Só o namorado, o político não!
Ricardo Viveiros - jornalista e escritor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, é autor de vários livros, dentre os quais “Memórias de um tempo obscuro”. Apresenta o programa “Brasil, mostra a tua cara!”, sextas-feiras às 23 horas, na TV Cultura.
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