Em diálogo com sua
exposição, Pasta fez a curadoria de obras de seu professor e amigo Iberê
Camargo para Eclipses. São 19 obras, algumas de grandes dimensões, em que percebe cores
crepusculares na produção do pintor. As duas aberturas ocorrem no dia 2 de
março, às 14h. Às 15h30, o artista e Lorenzo Mammì, um dos nomes mais
importantes da crítica cultural brasileira, conversam sobre a sua produção.
Entrada gratuita
Após um hiato de dez
anos, Paulo Pasta, um dos artistas mais respeitados e bem-sucedidos
do país, retorna à Fundação Iberê para celebrar 40 anos de trajetória.
A exposição Paulo Pasta – Para que serve uma pintura conta
com 40 trabalhos de formas distintas – faixas
horizontais e verticais, quadros, retângulos – que desafiam o artista a
enfrentar a superfície das telas. A pintura de Pasta é uma forma de construir
um lugar, um ambiente que se transforma conforme as variações de cor e de
luz.
Por outro lado, suas
combinações cromáticas, marcadas por baixos contrastes e passagens suaves entre
um tom e outro, acabam por tensionar os limites dessas divisões. Pasta cria a
sensação de que áreas do quadro parecem pulsar para fora da tela, como se
quisessem se espalhar pelo mundo. Seu processo de construção, em algumas obras,
inclui também a utilização da cera, que tira o brilho do óleo, dando “lentidão”
para a cor. O trabalho de acrescentar e testar misturas dá origem aos tons
impuros e únicos que caracterizam sua pintura.
No catálogo da mostra, Lorenzo
Mammì, doutor em Filosofia pela USP, onde é professor de História da Filosofia
Medieval desde 2003, escreve: “Os retângulos não são apenas combinações de
linhas e planos: parece que alguma vez, num passado semiesquecido, foram alguma
coisa como portas, vigas, colunas, reais ou pintadas, sem que o pintor nos diga
(o saiba) o que foram. O mesmo quanto às cores. Elas funcionam, em parte, como
timbres musicais, determinando a estrutura do espaço. É um princípio da pintura
tonal: cada instrumento de uma orquestra tem um som específico que faz com que
pareça mais próximo ou distante. Instrumentos mais carregados de harmônicos
(sons secundários que envolvem o som principal) parecem naturalmente mais
longínquos: uma trompa será sempre mais distante que um trompete, um oboé de
uma clarineta. Da mesma forma, um vermelho, no limite inferior do espectro
cromático, será sempre mais encorpado que um azul, que pertence ao limite
superior; portanto, o vermelho será mais profundo, o azul mais superficial. Mas
o uso da cor nas pinturas de Pasta não leva em conta apenas essas relações
físicas e sim, também, o caráter afetivo que toda cor carrega e que é dado
tanto pelas experiências anteriores de cada um, quanto, no caso das pinturas,
por ser o resultado de uma série de operações e decisões calculadas. Nos trabalhos
de Pasta, estas não se revelam por rastros do movimento do pincel na superfície
da tela, que costuma ser muito lisa, mas pelo esforço perceptível com que cada
cor procura um ajuste com aquelas que estão ao redor. As cores de Pasta são
geralmente muito elaboradas, fruto de uma combinação minuciosa de pigmentos.
Se, uma vez distendidas na tela, elas parecem simples, é porque atribuímos boa
parte de suas características à luz atmosférica, e não à matéria pictórica.
Nesse sentido também, as obras de Pasta conservam algum ilusionismo.”
Os Eclipses de Iberê pelo olhar de Pasta
Em diálogo com sua exposição, Paulo Pasta fez a curadoria de obras de seu
professor e amigo Iberê Camargo para Eclipses. São 19 obras, algumas de grandes
dimensões, em que Pasta percebe cores crepusculares: “Iberê lançava mão da
matéria, quase um barro original, de onde tudo poderia brotar. Suas cores
também não estariam dissociadas dessa matéria, lugar do qual, no dizer de
Ferreira Gullar, elas surgiriam ‘como gemas sujas da noite, arrancadas ao caos’
(...) A melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, é a do eclipse.
Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por ele parece
não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol que foi fechado.”
Pasta conheceu Iberê no início
da década de 1990, em um workshop com artistas consagrados, no Centro Cultural
São Paulo. A partir daí, começaram a trocar cartas e telefonemas. Para Pasta,
aquele encontro foi a confirmação de sua vocação, a prova da existência da
pintura, e do pintor.
“Naquele momento (que conheceu
Iberê), ele representou, para mim, a confirmação da vocação, a prova da
existência da pintura, do pintor. No final da década de 1970, quando comecei a
fazer faculdade, existia um predomínio da arte conceitual. Também nesse
sentido, Iberê representava uma exceção: ele vivia a vida da própria pintura,
perfazendo uma relação simbiótica entre arte e vida. Na contramão das
tendências nacionais/populares, ele se evidenciava como uma espécie de
outsider, construindo uma visão singular dentro da pintura brasileira. Seu
realismo era uma escavação interior, o que fazia repercutir, em seu trabalho,
um raro acento subjetivo e expressionista. Desde então, eu o vi como uma
espécie de exilado, buscando arquitetar uma ‘pintura grande’, no Brasil,
enfrentando o mal-estar de ser um pintor em um contexto carente de tradição
(ou, pelo menos, a tradição que ele gostaria). Iberê buscava, assim, criar um
lugar de origem, onde memória e autobiografia pudessem se unir para fundar essa
espécie de pátria real: a de pintura. Concentrando-se na experiência da pintura
e do pintor, e longe de quaisquer bairrismos, sua obra revelava, por meio do
seu fazer obsessivo, a gênese do próprio indivíduo, uma verdadeira condensação
do próprio tempo. (...) Também penso as cores de Iberê como sendo
crepusculares. Elas nos remeteriam a uma escuridão primordial, mesmo porque, na
sua prática, o pintor anoitecia as cores, criando uma espécie de blackout. Só
assim, talvez, ele poderia terminar uma pintura e se reconhecer nela.
Possivelmente, a melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, seja a do
eclipse. Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por
ele parece não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol
que foi fechado. A palavra eclipse vem do grego, que significa despedida,
abandono. A experiência com as cores de Iberê, para mim, obedeceria a esse
mesmo conteúdo poético. Nelas, no seu sentido de não cor, somos desertados da
luz solar, apesar de toda a intensidade reinante”, escreve Paulo Pasta.
Conversa com o artista
Ainda no sábado, às 15h30, a Fundação Iberê promove uma conversa entre Paulo Pasta
e o crítico Lorenzo Mammì no autório. A entrada é gratuita, com
retirada de senha na recepção.
Lorenzo é formado em Matérias
Literárias pela Universidade dos Estudos de Florença e doutor em filosofia pela
USP, onde é professor de História da Filosofia Medieval desde 2003. Como
crítico de música e de arte, organizou e publicou ensaios em diversos livros,
como Volpi (Cosac Naify, 1999), Carlito Carvalhosa (Cosac Naify, 2000) e Carlos
Gomes (Publifolha, 2001). Parte expressiva deles foi reunida nos livros O que
resta: arte e crítica de arte (Companhia das Letras, 2012), com foco em artes
visuais e A fugitiva (Companhia das Letras, 2017), que reúne os ensaios
musicais. De 1999 a 2005, foi diretor do Centro Universitário Maria Antonia
(USP), em São Paulo. De 2015 a 2018, foi curador-chefe de Programação e Eventos
do Instituto Moreira Salles.
Do Gênios da Pintura para as galerias e museus do mundo
Paulo Pasta nasceu em 1959, em Ariranha, São Paulo, e hoje vive e trabalha na
cidade de São Paulo. Formou-se no curso de Artes Plásticas da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1983,
tornando-se mestre e doutor pela mesma universidade. Em 1984, realiza sua
primeira exposição individual na Galeria D. H. L., em São Paulo. Recebe a Bolsa
Emile Eddé de Artes Plásticas do MAC/USP, em 1988. Impacta na formação de uma nova
geração de pintores através de relevante atividade docente, lecionando pintura
na Faculdade Santa Marcelina e desenho na Universidade Presbiteriana Mackenzie,
na USP e na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Atualmente, ministra um
curso livre de pintura.
Entre as exposições
individuais realizadas, destacam-se: Pintura de bolso, Millan, São Paulo
(2023); Recent Paintings, David Nolan Gallery, Nova York, EUA (2022); Paulo
Pasta, Cecilia Brunson Projects, Londres, Reino Unido (2022); Correspondências,
Millan, São Paulo (2021); Paulo Pasta: Luz, Museu de Arte Sacra de São Paulo
(2021); Projeto e Destino, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2018); Lembranças
do futuro, Millan, São Paulo (2018); Setembro, Palácio Pamphilj, Roma, Itália
(2016); Correntes, Sesc Belenzinho, São Paulo (2014); A pintura é que é isto,
Fundação Iberê, Porto Alegre (2013); Sobrevisíveis, Centro Cultural Maria
Antonia, São Paulo (2011); Paulo Pasta, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de
Janeiro (2008) e Paulo Pasta, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2006).
Entre suas participações em
exposições coletivas estão: Abstração: a realidade mediada, Millan, São Paulo
(2022); Os Muitos e o Um, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2016); Quase
figura, quase forma, Galeria Estação, São Paulo (2014); 30x Bienal, Pavilhão da
Bienal, São Paulo (2013); Europalia, International Art Festival, Bruxelas,
Bélgica (2011); Matisse Hoje, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2009);
Panorama dos Panoramas, Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM-SP (2008); MAM
[na] Oca, Oca, São Paulo (2006); 3ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2001);
Brasil +500 – Mostra do Redescobrimento, Pavilhão da Bienal, São Paulo (2000);
Panorama das Artes Visuais, Museu de Arte Moderna de São Paulo – recebe o
Grande Prêmio (1997); Havana – São Paulo, Junge Kunsthaus Lateinamerika, Haus
der Kulturen Der Welt, Berlim, Alemanha (1995); XXII Bienal de São Paulo (1994)
e III Bienal de Cuenca, Equador (1991).
Suas obras integram
importantes coleções, entre as quais: Museu Reina Sofía, Madri, Espanha; Museu
de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC/USP; Museu de Arte
Moderna de São Paulo – MAM-SP; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro –
MAM-Rio; Museu de Belas-Artes do Rio de Janeiro; Instituto Figueiredo Ferraz,
Ribeirão Preto, SP; Instituto Itaú Cultural, São Paulo; Pinacoteca do Estado
de São Paulo; Kunsthalle, Berlim, Alemanha, e Kunstmuseum Schloss Derneburg,
Hall Art Foundation, Holle, Alemanha.
SERVIÇO
Paulo Pasta – Para que serve uma pintura
Abertura: 2 de março | Sábado | 14h
Visitação: até 19 de maio de 2024
Quarta a domingo, das 14h às 18h30 (último acesso às 18h30). Às quintas, a
entrada é gratuita, e, de sexta a domingo, os ingressos custam entre R$10 e
R$30. As visitas mediadas às exposições em cartaz devem ser agendadas pelo
e-mail agendamento@iberecamargo.org.br ou pelo telefone (51) 3247 8013.
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