'No mundo dos negócios, o espelho
retrovisor é sempre mais claro que o para-brisa'. Warren BuffettFreepik
A partir dos dados sobre a
economia mundial e a brasileira, divulgados pelo Presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, na primeira reunião do ano do Conselho Político e Social
(COPS) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), decidi fazer uma leitura da
situação atual da economia brasileira e quais poderiam ser suas perspectivas
futuras.
Como é habitual em análises
dessa natureza, primeiro faz-se um diagnóstico da situação econômica mundial.
Assim, os dados referentes a países desenvolvidos e emergentes mostram redução
da inflação mundial, após os aumentos observados a partir do período da
pandemia.
Porém, um exame do chamado
“núcleo da inflação”, que não considera a ação dos preços de alimentos e
energia, de natureza mais flutuante, o que permite uma visão mais clara da
tendência da inflação, mostra que sua redução tem sido mais lenta nos últimos
tempos.
Essa descompressão mais lenta
do “núcleo” poderia ser explicada pela dificuldade em reduzir a inflação gerada
pelo setor serviços, pressionada pelos aumentos de salários, num contexto de
menor desemprego mundial. Tudo isso poderia indicar que os bancos centrais,
principalmente no caso dos Estados Unidos, irão demorar um pouco mais em
reduzir suas taxas de juros básicas.
Apesar da continuidade do
“aperto monetário” mundo afora, o desempenho das economias tem sido satisfatório,
em geral, com surpresas positivas em relação à expansão da atividade econômica,
sustentada pelo crescimento do consumo de bens e pelos avanços gerados pelas
novas tecnologias disruptivas.
Contudo, permanecem incertezas
importantes sobre a evolução da economia mundial. Em primeiro lugar, o
crescimento econômico da China está sendo afetado negativamente pela crise do
seu setor imobiliário, com empresas de construção excessivamente endividadas e
perspectivas de quedas nas vendas, nos investimentos e na oferta de novas
unidades. Nesse sentido, também preocupa o fato de que os imóveis são
considerados elementos importantes do patrimônio de grande parte das famílias
deste país. Desse modo, uma queda nos preços dos imóveis poderia ter um impacto
muito negativo no consumo privado, contribuindo para queda adicional da
atividade econômica chinesa.
Para o Brasil, o menor
crescimento econômico mundial, e em especial da China, nosso maior parceiro
comercial, prejudicaria a evolução das exportações, levando, assim, a uma
desaceleração da atividade econômica durante 2024, já que os embarques ao
exterior representam quase 20% da produção nacional.
Em segundo lugar, também é um
motivo de preocupação o excessivo grau de endividamento público dos países
desenvolvidos, após um grande crescimento do gasto governamental destinado a
mitigar os efeitos recessivos da pandemia, num contexto de taxas de juros mais
elevadas.
Isto demandará a utilização de
recursos financeiros crescentes por parte desses países, diminuindo a liquidez,
ou seja, a quantidade de dinheiro, do mercado financeiro internacional. Essa
situação também poderia diminuir a capacidade de crescimento do Brasil não
somente em 2024, como também nos próximos anos, já que poderíamos ter menor
entrada de capitais financeiros internacionais de longo prazo, reduzindo a
capacidade de financiar investimentos produtivos.
Em terceiro lugar, as tensões
geopolíticas também constituem grande risco para a economia global, aumentando
os custos de frete e logística, o que poderia acarretar nova rodada de elevação
dos custos de produção, levando a maior inflação no mundo e no Brasil, o que
poderia redundar em manutenção de taxas de juros básicas altas por um período
de tempo mais longo, afetando negativamente o crescimento das economias.
No caso da economia brasileira,
além dos possíveis efeitos dos riscos anteriores, pode-se notar comportamento
similar de desinflação mais lenta, com forte redução do desemprego e expressivo
aumento dos salários, que pressiona os preços dos serviços. A atividade
econômica interna continua surpreendendo, e motivando revisões para cima das
expectativas de crescimento econômico em 2024. Nesse contexto, o crescimento
potencial, que é o máximo que se pode alcançar sem gerar desequilíbrios em
termos de aceleração da inflação e elevação do “rombo” das contas externas,
poderia ter aumentado.
A taxa de juros decorrente da
política monetária tem diminuído, inclusive, em termos relativos, mais do que
em outros países latino-americanos, mas ainda permanece em patamar elevado.
Finalmente, a situação fiscal
também permanece um fator de risco econômico interno importante para a economia
brasileira, com o grau de endividamento público mantendo tendência crescente, o
que termina elevando as expectativas de inflação, que permanecem para os
próximos anos acima da meta perseguida pela autoridade monetária. Essa
“desancoragem” das expectativas de inflação poderia atrasar a queda da taxa
SELIC para patamares menores, gerando menor crescimento econômico.
Ulisses
Ruiz de Gamboa - Economista
da ACSP e professor do Mackenzie, Insper e FIPE/USP; Doutor em Economia pela
FEA/USP; Pós-Doutorado em história econômica pela UCLA; ex-Consultor do Banco
Mundial
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/para-onde-vai-a-economia-brasileira
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